Juntamente com a ascensão da mídia digital na Índia, sites especializados em jornalismo legal também ganharam impulso.
A emergência desses veículos vem na sequência de um período crítico após uma década de governo liderado pelo Partido Bharatiya Janata, de orientação nacionalista, durante uma época em que a Índia perdeu posições em índices globais de democracia e liberdade de imprensa. Houve questionamentos sobre a independência do judiciário, tendo em vista que a comunidade legal não ficou imune à polarização da sociedade indiana.
A Índia ocupa a posição 111 entre 142 países na categoria "justiça civil" do Índice do Estado de Direito 2023 do projeto World Justice. Entre as razões para o ranqueamento do país estão "atrasos injustificados" na justiça civil e notas baixas em quesitos como acessibilidade e custo da justiça civil.
Preparando-se para uma nova fase de crescimento, editores e fundadores compartilharam comigo suas jornadas e planos para o futuro.
Lideranças do setor
Depois de ser lançado em 2009 para cobrir escritórios de direito e tendências no setor legal, a equipe do Bar & Bench observou lacunas críticas em sua cobertura.
Havia carência de reportagens sobre casos pendentes, sobre os cronogramas desses casos e sobre quais juízes estavam decidindo casos importantes ou por que eles se abstinham de outros, diz Pallavi Saluja, editora do Bar & Bench. Também não havia informações sobre trocas entre advogados e juízes em casos que afetavam direitos civis. "Nós descobrimos que a grande mídia não estava prestando atenção o bastante ao que estava acontecendo nos nossos tribunais e que a cobertura dos grandes veículos era enormemente limitada a casos sensíveis do ponto de vista político", explica.
PV Dinesh conta que, quando ele fundou o LiveLaw, em 2013, havia notícias limitadas sobre questões legais e a cobertura existente era inclinada a conteúdos sensacionalistas e promoção de advogados conhecidos. Assim como no Bar & Bench, Dinesh e sua equipe buscaram melhorar o estado da cobertura sobre o tema.
Sites de notícias sobre a área legal também se aperfeiçoaram em áreas mais específicas ao longo do tempo. Gauri Kashyap, editora-associada do Supreme Court Observer, diz que o site começou em 2017 como um observador e "arquivo vivo" dedicado e apartidário da Suprema Corte indiana. A inspiração foi o SCOTUSblog, dos EUA.
O The Leaflet, fundado em 2018, estabeleceu-se para "organizar a opinião pública sobre questões como a podridão do sistema legal, ameaças à independência do judiciário e liberdade de imprensa", diz o editor Arif Ayaz Parrey.
Tanto o LiveLaw quanto o Bar & Bench foram "divisores de água", gerando enorme interesse público nos tribunais, diz Betwa Sharma, editora-chefe do Article 14, fundado em 2020. Paralelamente, a mistura de notícias e análises do Leaflet transformou o judiciário indiano em "um assunto emocionante e essencial", diz Sharma.
O interesse na cobertura de questões legais e tribunais na Índia também se disseminou pelo grande conglomerado de mídia India Today Group, que lançou o Law Today, e pelo site The Wire, que deu início ao The Justice Brief no YouTube.
Objetivos da cobertura
Transparência, prestação de contas, acessibilidade do processo jurídico, explicações sobre como a lei e os tribunais afetam a vida diária e a importância disso para a governança: todos os editores e fundadores do LiveLaw, Bar & Bench, The Leaflet, Supreme Court Observer e Article 14 destacaram esses pontos como objetivos de seu trabalho.
O Article 14 vem fazendo "coberturas aprofundadas sobre casos policiais de acusações graves contra defensores dos direitos humanos, jornalistas e críticos do governo, e detalhando aos leitores como essas investigações parecem ser pobres e com motivação política", diz Sharma, acrescentando que dar fatos e rostos a esses casos criminais, quando a maior parte da mídia aprova a versão do governo, tem sido a contribuição mais significativa do veículo.
No LiveLaw, Dinesh diz que os jornalistas têm total liberdade para cobrir "qualquer coisa sustentada por fatos" e que sua "ideologia" deriva dos valores do preâmbulo da Constituição da Índia.
Presença nas redes sociais
Canais digitais e redes sociais são as principais fontes de notícias da população jovem na Índia, com mais de 800 milhões de usuários de internet.
Os sites especializados na cobertura legal entendem o poder das redes sociais. Murali Krishnan, do Bar & Bench, foi um dos primeiros repórteres da área a fazer uma cobertura extensiva de audiências legais com postagens ao vivo no Twitter, em meados dos anos 2010, observa Saluja. Krishnan descobriu que o engajamento absorvia trocas interessantes nos tribunais.
Saluja reforça a ideia dizendo que as pessoas se sentem mais envolvidas no processo judicial quando engajam com postagens nas redes sociais. Veículos tradicionais também contam com os perfis do Bar & Bench nas redes sociais, segundo ela.
Apesar da baixa taxa de conversão do engajamento nas redes sociais para cliques em links que enviam o usuário para o site, Kashyap diz que a presença nas redes ajuda a construir familiaridade e reconhecimento, o que é crucial para esses sites.
Transmissão ao vivo dos tribunais
A Suprema Corte da Índia aprovou a transmissão ao vivo de audiências em 2018; a primeira transmissão foi realizada em 2020. Embora isso tenha melhorado o acesso da população aos tribunais e facilitado a transparência, há também mau uso do recurso.
Em algumas situações as transmissões foram alvo de hackers e, em um caso, advogadas sofreram assédio online. Alguns canais do YouTube, páginas de redes sociais e portais de notícias publicam trechos de vídeos ou reels com manchetes caça-clique e imagens de capa que fazem uma representação distorcida de audiências jurídicas para obter ganhos comerciais, políticos ou pessoais.
Questionamentos dos juízes nos tribunais também foram tirados de contextos e apresentados como visões firmes dos magistrados, diz Dinesh. Consequentemente, as transmissões ao vivo se transformaram tanto em uma ferramenta quanto em um desafio para sites de jornalismo legal comprometidos com a precisão.
Desafios e futuro
Os jornalistas desses sites especializados enfrentam obstáculos para acessar os tribunais e obter credenciais de imprensa. Em alguns casos, chegaram a sofrer consequências por ofensas a membros do judiciário e, em uma situação, foi registrado boletim de ocorrência contra o Article 14 por causa de um tuíte sobre assédios a jornalistas muçulmanos em um evento religioso em 2022.
A viabilidade financeira é outra preocupação para sites como o LiveLaw, que depende de assinaturas para se sustentar, observa Dinesh. Evitar o plágio de portais que copiam o conteúdo, o modificam e o apresentam como se fosse deles próprios também é um desafio. No futuro, o LiveLaw planeja usar IA para melhorar a busca contextual, análise de julgamentos e disposições legais, além de expandir sua oferta de educação legal.
O veículo também quer publicar em idiomas indianos. O LiveLaw tem um site em hindi, assim como o Bar & Bench, que também tem um site em kannada. O Bar & Bench espera expandir sua cobertura para outros idiomas e tribunais, e também aumentar o foco em projetos de leis e atos legislativos.
Segundo Kashyap, os sites de jornalismo legal precisam identificar o "valor agregado", acrescentando que o Supreme Court Observer quer escrever sobre leis e tribunais de uma forma que seja simples, atrativa e instigante, e que faça com que o leitor se importe. "Se o jornalismo legal não atingir isso, vai ser só outra fonte de conteúdo sem sentido feito para visualizações e para viralizar", diz.
A grande quantidade de sites de cobertura legal existente hoje atende a diferentes objetivos, muito semelhante ao restante da mídia, afirma Dinesh, alertando que alguns deles se enquadram no conceito de propaganda e são contra o espírito constitucional.
Com o crescimento do jornalismo legal, a disputa por espaço entre o segmento vasto, barulhento e sensacionalista de jornalismo legal e os sites menores e responsáveis que apresentam informação precisa e comentários ponderados terá influência no Estado de Direito, diz Parrey.
Foto por Sora Shimazaki via Pexels.