Milhões de mulheres jovens em todo o mundo já compartilharam relatos sobre como não se veem retratadas nas notícias, sentindo como se não existissem. O relatório anual Reuters Institute Digital News 2021, lançado no mês passado, revelou o desafio chocante que os meios de comunicação têm diante de mulheres jovens.
Em uma escala global, elas são significativamente menos propensas a pensar que têm espaço justo no noticiário na comparação com outros grupos etários ou com homens jovens. No grupo entre 18 e 24 anos, a situação é particularmente desoladora nos Estados Unidos, onde existe uma imensa lacuna de 47% na percepção de homens e mulheres sobre serem representados igualmente.
Com uma pontuação líquida negativa, mulheres jovens acreditam que são representadas mais injustamente do que justamente, enquanto a percepção dos homens é o contrário, com uma pontuação líquida positiva.
Está claro que ao mesmo tempo em que meios de comunicação sofrem cada vez mais para criar modelos de negócios sustentáveis por meio de anúncios, assinaturas e serviços de membros, há uma grande audiência feminina — um valioso mercado em potencial e um grupo de tamanho considerável para anunciantes — que não se envolve o bastante com o conteúdo porque não é relevante para ela.
A relação de mulheres jovens com as notícias, seja como consumidoras ou como produtoras de notícias, é particularmente frágil nos dias de hoje. Isso, pelo menos em parte, é o resultado da perspectiva segundo a qual o noticiário carece de relevância e equidade para as mulheres.
Análise do Reuters Institute Digital News Report 2020 revelou um alto nível de desengajamento de mulheres de 18 a 24 anos com notícias na comparação com mulheres e homens de outras faixas etárias, em 40 países. Na comparação com todos os adultos, esse grupo é duas vezes mais propenso a consumir notícias casual ou passivamente (32% contra 15%).
Essa tendência é particularmente acentuada em algumas das maiores economias do norte global, com 50% das mulheres jovens nos Estados Unidos e 47% das mulheres no Reino Unido e Austrália se encaixando nessa categoria, em comparação com 21% na África do Sul, 18% no Brasil e 15% no Quênia.
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Mundialmente, mulheres jovens estão menos propensas a serem extremamente ou muito interessadas no noticiário (41% contra 59% de todos os adultos) ou em política (23% contra 36% de todos os adultos). Essa relativa falta de engajamento de uma audiência tão numerosa é um presságio ruim para a democracia no longo prazo.
Não é só sobre audiência. Mulheres jornalistas também enfrentam desafios significativos. Apesar de mais mulheres se graduarem em cursos de jornalismo, globalmente 61% dos jornalistas e editores são homens. De acordo com o relatório Shattering the Glass Screen, nos Estados Unidos, a taxa de rotatividade nos cargos na maioria dos níveis em meios de comunicação são maiores para mulheres do que para homens. No nível da vice-presidência, ela chega a 20% para mulheres contra 7% para homens.
Essa tendência pronunciada é similar no Reino Unido, onde a proporção de mulheres jornalistas começa a diminuir dentro dos primeiros 3 a 5 anos de trabalho. Na Índia, homens no jornalismo digital não só compõem uma proporção mais alta de trabalhadores nas redações como frequentemente também têm uma proporção maior de matérias publicadas do que jornalistas mulheres.
Há muitos fatores que contribuem para que mulheres e seus pontos de vista sejam deixados de fora do noticiário. Dentre eles estão culturas dominadas por homens e orientadas à masculinidade nas empresas jornalísticas; políticas trabalhistas que favorecem homens; baixos salários; e o crescente assédio a mulheres jornalistas nas redes sociais em larga escala.
Ouvindo as vozes de mulheres jovens
A profunda disparidade entre quais vozes são privilegiadas no noticiário mexeu profundamente com a australiana Phoebe Saintilan-Stocks, de 27 anos, advogada de direitos humanos e consultora política.
"Sendo uma ávida consumidora de notícias, eu fico bastante frustrada por não ver os problemas enfrentados pelas mulheres da minha geração refletidos no noticiário. No início do ano eu li o estudo The Missing Perspectives of Women in News [Perspectivas Femininas Ausentes no Noticiário], que validou o que eu instintivamente já sabia: as vozes de mulheres jovens estão efetivamente ausentes da cobertura jornalística", ela conta.
"Também fiquei chocada ao ler que menos de 1% do noticiário tem um ângulo de igualdade de gênero. Trabalhar no governo australiano numa época em que jornalistas corajosas estavam sendo dispensadas por pessoas poderosas por investigarem acusações de assédio no governo aumentou a minha frustração, então decidi agir."
Determinada a ajudar a remediar esse desequilíbrio de gênero, Saintilan-Stocks lançou em maio o site Missing Perspectives como um repositório de experiências de mulheres de todas as partes do mundo que vão servir para amplificar as vozes das mulheres de sua geração. Enquanto tipicamente menos de um terço das protagonistas no noticiário no mundo todo são mulheres, o site Missing Perspectives apresenta 100% de protagonistas mulheres, muitas delas de organizações comunitárias.
"O relatório Missing Perspectives me fez refletir sobre o que eu poderia fazer para alavancar a representatividade de mulheres nas notícias. Consultei uma amiga próxima — uma correspondente política jovem — e as experiências dela encontraram eco nas constatações do estudo: o meio jornalístico é não só amplamente dominado por homens como também às vezes é um ambiente essencialmente hostil para as mulheres", diz Saintilan-Stocks.
"A ideia de uma plataforma de notícias chamada 'Missing Perspectives' [Perspectivas Ausentes], que preenchesse essa lacuna gritante na cobertura das experiências de mulheres jovens, começou a tomar forma na minha cabeça. Eu quis criar uma plataforma global onde qualquer mulher pudesse ser uma jornalista — simplesmente pegando uma caneta e observando o que está ao redor dela. Eu queria democratizar o jornalismo; quebrar as barreiras que impedem que as vozes de muitas mulheres não sejam ouvidas no noticiário."
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Entre as colaboradoras estão Abby Granato, dos Estados Unidos, que escreveu sobre deficiência e o Mês do Orgulho da Deficiência; Belyndar Rikimani, estudante que está aumentando a conscientização sobre os impactos da mudança climática nas mulheres do Pacífico; Bushra Al-Fusail, artista e ativista do Yêmen que desafiou estereótipos ao encorajar mulheres a andar de bicicleta; e Freshta Karim, fundadora de uma biblioteca móvel no Afeganistão que permite que crianças de comunidades rurais tenham acesso a livros. Todas se valeram do site para falar sobre suas experiências.
O apetite para fazer o mesmo entre outras colaboradoras espalhou-se rápido no boca a boca. A maioria das questões abordadas se relacionam diretamente com gênero: a luta contra a mutilação genital feminina na Somalilândia, feminicídio na Bolívia, violência contra mulheres na Polônia e estereótipos problemáticos no Camboja, na Índia e na Austrália. Com textos de mulheres jovens em campo, as vozes são originais e reveladoras — e incluem evidências sérias sobre o impacto da COVID-19 na população jovem no mundo todo.
A velocidade com a qual a iniciativa Missing Perspectives se disseminou demonstra a necessidade de uma plataforma desse tipo. As próprias colaboradoras não têm dúvidas sobre sua significância. Para muitas, é um agente de mudança social e uma ferramenta poderosa para defender a igualdade de gênero. Nas palavras tocantes de Rikimani, o site oferece "um espaço onde vozes e gritos não são em vão, mas sim ouvidos pelas pessoas".
O Missing Perspectives planeja, no futuro, disponibilizar seu conteúdo para publicação em meios de comunicação estabelecidos. Isso pode agregar valor às estratégias de conteúdo das redações, melhorar o equilíbrio de gênero de suas reportagens e alargar o apelo para suas audiências, ao mesmo tempo em que amplifica vozes de mulheres jornalistas locais.
Lideranças do jornalismo que notarem as mulheres jovens e atenderem suas necessidades vão não só colher os benefícios trazidos por uma nova audiência como também vão responder a uma importante e crescente necessidade social.
Luba Kassova é co-fundadora e diretora da AKAS, consultoria de estratégia em audiência internacional.
Foto por Ono Kosuki no Pexels.