O desafio de cobrir temas raciais: uma conversa com John Eligon

por Naomi Ludlow
Mar 31, 2021 em Diversidade e Inclusão
John Eligon

Este artigo é o segundo de uma série de artigos sobre o trabalho de jornalistas negros na mídia. Começamos a discutir esse tema numa série para o Mês da História Negra nos EUA em fevereiro, mas percebemos que o valor de destacar as vozes negras se estende muito além de um mês. Estamos usando esta série para manter a conversa. Se você gostaria de compartilhar sua própria experiência como jornalista negro, envie um e-mail para dmaas@icfj.org.


Quando John Eligon entrou pela primeira vez no jornalismo em 2004, ele cobriu um tópico que amava: esportes, para o Detroit Free Press. Um ano depois, ele ingressou no New York Times como repórter geral, para focar em tribunais criminais e governo local.

Ele também cobriu histórias internacionais. Por exemplo, a morte de Nelson Mandela e as Olimpíadas de Inverno de 2006 em Turim, na Itália.

Em 2014, a carreira de Eligon mudou de rumo. O assassinato de Michael Brown em Ferguson, Missouri, despertou um acerto de contas que estimulou conversas muito necessárias sobre raça nos Estados Unidos. Eligon cobriu os protestos no Missouri e, pouco depois, foi promovido a correspondente nacional. A promoção lançou oficialmente um novo papel que Eligon assumiu, reportando sobre raça.

Ele viu sua nova editoria como uma oportunidade de ver “o que significa a raça no nosso dia-a-dia”. Nessa função, ele foi capaz de estar na cobertura sobre a vanguarda de uma conversa que é historicamente influente e que deu início ao Movimento Black Lives Matter [Vidas Negras Importam] de hoje.

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Eligon e sua família são originários de Trinidad e Tobago, um país cuja população é em grande parte negra e indígena. Sua família mudou-se para os Estados Unidos quando ele tinha seis anos. Ele se lembra de ter ficado fascinado quando criança por pequenas mudanças em sua vida, como a TV mostrando o volume e ter carpete no apartamento.

Enquanto crescia nos Estados Unidos, ele não percebeu a divisão racial. Foi só no ensino médio que Eligon se sentiu diferente — em grande parte por ser negro. Ele frequentou uma escola predominantemente branca, que tinha apenas alguns colegas negros. Quando as conversas sobre raça surgiram, ele não tinha certeza de como lidar com elas. Foram sitcoms como “The Fresh Prince of Bel-Air”, “Good Times” e “The Jeffersons” que o ensinaram a ser negro na América.

“Lembro-me de ter uma sensação nata de 'não conseguir definir minha identidade como negro', porque não há nenhum lugar em que possamos falar sobre ser negro, ou sentia que tinha a coragem ou os meios para fazer isso”, ele disse.

John Eligon reports in Australia.
John Eligon fazendo uma reportagem na Austrália.

 

Eligon foi estudar jornalismo na Faculdade Medill de Jornalismo da Northwestern University, em Illinois. Enquanto estudante lá, ele se familiarizou mais com a questão racial nos Estados Unidos e as diferentes narrativas em torno dela. Foi marcante pare ele especialmente uma palestra sobre o fim da escravidão. Enquanto os livros de história descrevem o presidente Abraham Lincoln libertando os escravos, seu professor disse que os "escravos se libertaram".

A palestra simbolizou algo maior para Eligon. “Lembro-me que foi um momento muito poderoso para mim. Tive essa sensação do que significa ser negro nos Estados Unidos, o que nunca foi realmente algo que vivenciei crescendo nos Estados Unidos. Sempre foi meio que protegido de mim e não falado abertamente em ambientes educacionais”, disse ele.

As conversas sobre raça são importantes, pois podem ajudar as comunidades negras a receber os níveis de apoio e acessibilidade que outras comunidades recebem. Podem ajudar a influenciar mais o financiamento e recursos adequados para essas comunidades e reverter políticas que não estão a seu favor.

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Orgulhoso de sua identidade, Eligon vê a reportagem sobre raça como uma oportunidade de ser uma voz para aqueles que são marginalizados. “Estou em uma posição de poder onde posso ajudar a influenciar e moldar a forma como o mundo vê as comunidades negras e, potencialmente, influenciar as políticas e como as comunidades negras são tratadas e então percebidas”, disse ele.

Eligon fez matérias sobre fiadores na cidade de Nova York, o uso de xingamentos raciais em uma escola secundária em Minnesota e mais. Ele é estratégico em sua abordagem para cobrir a complexidade e a sensibilidade da raça: "Você deve ser sincero com as pessoas sobre o que está fazendo, por que está escrevendo o artigo e o que deseja obter dele."

A complexidade da cobertura de raça nos Estados Unidos leva Eligon a aprender coisas novas constantemente. “Um dia é sobre justiça racial e eu aprendo sobre a história dos movimentos de protesto”, disse ele. “No dia seguinte, estou escrevendo sobre preconceito em saúde e tenho que aprender tudo sobre saúde. Se estou escrevendo sobre escritórios de advocacia e como eles fazem suas práticas de contratação e como são preconceituosos racialmente, tenho que aprender sobre escritórios de advocacia. Isso realmente me mantém ligado.”

John Eligon reports from a bus in Australia.
John Eligon fazendo uma reportagem em um ônibus na Austrália.

 

Há um fardo extra que os jornalistas negros assumem ao reportar em campo. Eligon observou que "ele não pode desligar sua aparência" para evitar certos obstáculos. Quando ele começou sua posição como repórter do jornal nacional do New York Times, por exemplo, ele se mudou para o Kansas, onde sua rotina o levou a lugares com pequenas populações negras. Em várias ocasiões, a polícia o deteve, caracterizando-o como uma pessoa suspeita.

“Tenho muita consciência de que os policiais não veem meu crachá de imprensa, mas sim minha pele e meu cabelo primeiro. Eu tenho dreadlocks. Estou muito ciente de como abordo os policiais quando estou em uma situação de protesto”, disse Eligon. “Acho que você deve garantir sua própria segurança quando está na rua fazendo uma reportagem, porque muitas vezes as pessoas não olham além de sua aparência e não olham para seu crachá de imprensa.”

Os jornalistas negros também podem ser limitados a cobrir apenas algumas histórias. Eligon incentiva colegas jornalistas e líderes de redações a acabar com essa prática.

“Precisamos reconhecer que existem muitos repórteres negros excelentes que querem apenas cobrir a política climática e a política energética, e não o fazem necessariamente. Essas coisas também coincidem com a raça”, disse Eligon. “Eles podem querer cobrir algumas das histórias sobre raça, mas às vezes querem apenas escrever uma história sobre coisas como a energia eólica e o que isso significa.”

Cobrir raça pode ser desafiador, e cobrir negros sendo mortos pode ser deprimente. Eligon disse: “Para mim, esses desafios são superados pelo fato de que sinto uma grande responsabilidade de contar histórias de pessoas que são marginalizadas e que foram discriminadas, ou que foram submetidas ao sistema de racismo que realmente fez isso mais difícil para eles desfrutarem dos frutos de ser um ser humano de pleno direito e cidadão de pleno direito — um residente deste país.”


Naomi Ludlow é estagiária na IJNet.

Todas as fotos são cortesia de John Eligon