Nova geração de fotojornalistas na República Democrática do Congo

Nov 15, 2022 em Jornalismo multimídia
Congolese photographer

Uma nova geração de fotojornalistas está deixando sua marca na República Democrática do Congo (RDC). Com o objetivo de mostrar a beleza e as imperfeições do país sem distorções, estes jornalistas congoleses ganharam prêmios por seus trabalhos em alguns dos principais veículos do mundo: The New York Times, Agence France-Presse (AFP), The Washington Post, entre outros. 

Eles documentaram eventos dignos de nota, como a erupção fatal do vulcão Nyiragongo em 2021, o conflito geopolítico entre a RDC e Ruanda e agitação política. Com isso, ajudaram a expandir as oportunidades disponíveis para os fotógrafos da região.

COVID-19 como porta de entrada

"Por muito tempo, as portas ficaram fechadas para jovens fotojornalistas", diz Arsène Mpiana, fotojornalista que dá aulas de fotografia na Academia de Belas Artes de Kinshasa e trabalha como freelancer para a Jeune AfriqueRFI e Der Spiegel. A falta de fotógrafos congoleses resultou em falta de diversidade em imagens e temas. Até há poucos anos, as imagens da RDC eram quase que em sua totalidade sobre "fome, miséria, conflitos políticos, violência sexual ou insegurança, encomendadas por organizações humanitárias", diz Guy Muyembe, gerente do Afrik Pic e cofundador do Habari DRC

A pandemia de COVID-19, que pausou a maior parte das viagens dentro e fora da RDC, abriu as portas para muitos jovens fotojornalistas congoleses. Finbarr O'Reilly, fotógrafo freelancer de origem britânica e canadense, que ficou impedido de seguir com seu trabalho na RDC durante a pandemia, decidiu trabalhar diretamente com jovens fotógrafos locais em campo para o seu projeto "Congo In Conversation".

"Por meio das nossas imagens, que adotam com facilidade os temas do [romance] Heart of Darkness, nós marcamos o país com violência e brutalidade. A fim de reformular nossas narrativas sobre o Congo, artistas congoleses devem ocupar o lugar central por tanto tempo monopolizado por estrangeiros", escreveu O'Reilly no prefácio do livro.

Através do projeto Congo in Conversation, 11 fotógrafos congoleses participaram de uma série de reportagens sobre a pandemia, segurança no leste do país, desafios de saúde em meio a surtos de ebola e questões de conservação ambiental. "Esse projeto é uma dádiva para muitos jornalistas congoleses em termos de seu reconhecimento internacional", diz Arlette Bashizi, que trabalha para a AFP e contribuiu com o livro. "Para muitos de nós, foi a partir desse projeto que começamos a viver de fotografia."  

Reconhecimento internacional

Surfando na onda do "Congo in Convesation", que venceu o 11º Prêmio Carmignac de Fotojornalismo, fotojornalistas congoleses logo encontraram formas de colaborar mais com a mídia internacional. Guerchom Ndebo, vencedor do Prêmio Albert Khan de Fotografia 2021, organizado pela AFP, viu seu trabalho de cobertura da erupção do vulcão Nyiragongo em maio de 2021 ser publicado pela Radio France InternationalCNN e o New York Times, dentre outros. A cobertura abriu portas para que ele cobrisse mais notícias na RDC, incluindo seu trabalho atual com a Getty Images e AFP. 

"É importante para nós contarmos as nossas histórias", diz Moses Sawasawa, a quem foi concedida uma credencial da Associated Press em 2021 há muito tempo esperada. "Para além do conhecimento na área, é importante [porque] nossas fotos são autorretratos. Nós contamos as histórias de nossas mães e avós que viveram ao longo de guerras e mostram sua resiliência."

Mulheres na fotografia

mídia congolesa tradicionalmente dá a maior fatia da cobertura aos homens, e a atual mídia do país não atingiu a igualdade de gênero. Mesmo assim, mulheres fotojornalistas estão fazendo progressos para mudar isso e se beneficiando do crescente reconhecimento. "Eu escolhi esse tipo de jornalismo porque eu acredito que é possível informar [minha comunidade] com a minha câmera", diz Bashizi."Eu escolhi mostrar [fotografias] inspirada pela crescente tendência de amor pelas imagens no país." 

Mulheres fotojornalistas de destaque incluem a colega de Bashizi, Pamela Tulizo, que cobre eventos na RDC para o New York Times e cuja obra fotográfica na mídia retratando as mulheres congolesas venceu o Prix Dior em 2020, bem como Ley Uwera, que cobre a Bacia do Congo com fotos publicadas no Le Monde, Al Jazeera, BBC e The Washington Post.   

"[Elas] estão ajudando a mostrar algumas faces sem ângulos pré-definidos e a mostrar que há pessoas dando o seu melhor para mudar sua situação em meio a conflitos e desafios", diz Bashizi sobre as fotógrafas.

Desafios

Apesar do sucesso, os desafios persistem, "Há ainda os desafios de superar a barreira de recusa de permissões para certas situações, como com as autoridades ou quando eu cubro zonas de guerra onde rebeldes são o tema do meu trabalho", diz Sawasawa.

Obter permissão para filmar no país também é uma grande barreira. "As autoridades exageram quando se trata de dar permissão para filmagens. Custa até US$ 1.000 para um cineasta estrangeiro, o que é um impedimento", diz Caroline Thirion, cineasta belga que trabalha na RDC há 20 anos. "É um dos países onde é muito complicado fazer imagens, mesmo para diretores congoleses. É irritante que fotógrafos não tenham permissão para fazer imagens em certos lugares na cidade, apesar da autorização."

A segurança física é outra preocupação. Ndebo lembra os riscos que enfrentou ao fotografar sua série "Les Forêts du Kivu", na área do Parque Nacional de Kahuzi-Biega. "[Ele estava] rodeado de grupos rebeldes, onde o máximo de segurança é necessário", relembra. 

Uma tendência para o futuro?

"Se o fotojornalismo permaneceu discreto por tanto tempo, é porque ele não foi ensinado e não apresentaram ele aos jovens", diz Didier Makal, fundador do Congo Durable e diretor da Rádio e TV Kyondo. Ndebo explica que isso está mudando. "Até poucos anos atrás, o fotojornalismo era um tipo de atividade secundária para jornalistas. Nossa geração é essencialmente dedicada à fotografia."

Com a internet se tornando mais acessível para muitos na RDC, há mais oportunidades da mídia internacional para os fotojornalistas do país. Esses profissionais emergentes estão encontrando "uma demanda tanto de consumidores quanto de profissionais de informação no país", diz Muyembe.

"Plataformas digitais e as redes sociais estão colocando o fotojornalismo de volta ao seu lugar", diz Makal. "Eu conheço mais e mais jovens fotojornalistas. Se não for só uma moda, vamos ficar sabendo daqui a cinco ou dez anos." 


Foto por Johnnathan Tshibangu via Unsplash.