A newsletter do The Guardian sobre bem-estar que cresceu rapidamente

por Sarah Scire
May 3, 2024 em Engajamento da comunidade
People scrolling on their phones.

A newsletter tinha uma proposta simples: cinco emails para te ajudar a mudar os seus hábitos diante de telas e "recuperar o seu cérebro" no novo ano.

"Você tem uma única vida", diz um artigo que promove a newsletter. "Você realmente quer gastá-la olhando para o seu telefone?"

Sendo uma leitora, cliquei em "assinar". Só que eu estava longe de ser a única. A newsletter "Reclaim Your Brain" (Recupere o seu Cérebro), do The Guardian, rapidamente acumulou 100.000 assinaturas e se tornou a newsletter com maior taxa de crescimento do jornal no início deste ano. Na semana de publicação deste artigo, mais de 139.600 pessoas se inscreveram para receber a newsletter de cinco semanas.

Os emails compartilham tarefas baseadas em evidências da jornalista de ciência e autora Catherine Price. Ela adota um tom firme e sem pudores, enfatizando que nossos telefones foram criados para demandar nossa atenção e serem difíceis de largar (um email é intitulado "Os aplicativos em que você gasta a maior parte do tempo não querem que você leia isso"). Há também textos em estilo de diário ligeiramente surtados do colunista Rhik Sammader, incluindo uma tentativa equivocada e hilária de "finalizar seu telefone". A combinação de dicas práticas e malucas funciona bem; o leitor recebe tarefas factíveis junto com alguém narrando a experiência visceralmente desconfortável de romper com maus hábitos. 

Max Benwell, editor e vice-chefe de audiência do Guardian U.S., diz que ele também sente que está gastando tempo demais com seu telefone. Um momento de clareza veio quando ele viu, pela janela, um vizinho deitado com o seu telefone. Horas depois, ele voltou e viu o vizinho no mesmo lugar, ainda no celular.  

"Isso simplesmente me fez pensar", diz Benwell. "É uma atividade tão privada, sobre a qual não falamos com frequência, mas gastamos horas fazendo isso todos os dias."

Quando o Guardian pediu sugestões de projetos para virarem artigos online e uma newsletter, Benwell sugeriu a ideia do tempo de tela e entrou em contato com leitores para pedir opiniões a respeito.

"Fizemos um chamado e a resposta foi avassaladora. Muitos leitores disseram que estavam péssimos com o tempo gasto com telas e sentiam que era meio desesperador. Sempre tem a ver com você, sabe? E você sempre fala para si mesmo que vai parar no dia seguinte e você nunca faz isso", diz Benwell. "Era engraçado, mas depois passou do ponto. Nós queríamos tentar oferecer algum tipo de solução ou esperança." 

"É um assunto que se evita", acrescenta. "É por isso que acho que teve tanto sucesso: porque não são muitos os lugares que tentaram tratar da questão tão de frente, de um jeito divertido e acessível."

Caroline Phinney, produtora sênior de newsletters no Guardian, diz que Reclaim Your Brain inaugurou várias frentes do veículo no EUA. O The Guardian tem 56 newsletters — incluindo 10 das redações nos EUA —, mas Reclaim Your Brain é a primeira focada em bem-estar (desde então, o jornal lançou Well Actually). Muitas outras newsletters são resumos de notícias ou focadas em cultura ou recomendações de longo formato.

Reclaim Your Brain também marca a primeira vez que o Guardian U.S. faz uma newsletter assíncrona, diz Phinney. Exemplificando com outras redações, o The Wall Street Journal lançou a WSJ Workout Challenge e a gratuita Six-Week Money Challenge. O Washington Post oferece várias newsletters perenes, incluindo cursos sobre como fazer um jantar para convidados, encarando a vida após os 50, e duas sobre dieta vegetariana. Entres os veículos locais, o #ThisIsTucson, site irmão do Arizona Daily Star, fala com uma "audiência frequentemente inexplorada" com um curso de duas semanas para quem acabou de chegar para morar na cidade. Com base no sucesso de Reclaim Your Brain, o Guardian planeja testar mais duas newsletters em formato de curso no futuro.

"A beleza de ter uma newsletter assíncrona é que podemos continuar promovendo-a para novas audiências", diz Phinney. O Guardian enxerga novas oportunidades de atrair assinantes em viradas de ano, lançamentos de uma nova versão do iPhone e nas férias de verão — "é depressivo você se ver à beira de uma piscina olhando pro seu telefone", observa Benwell.

A maior parte das assinaturas da newsletter veio de matérias do site do Guardian. As que mais convencem os leitores a deixar seus emails incluem  o artigo sobre a "única vida que você tem" que chamou minha atenção, uma matéria com dados sobre o tempo de uso de telas, uma reportagem sobre uma escola de Massachusetts que baniu smartphones e um texto com leitores que reduziram significativamente seu tempo de tela depois de ler Reclaim Your Brain. Outros artigos para promover a newsletter incluem especialistas ponderando sobre o uso de smartphones, testes para os leitores descobrirem sua "personalidade telefônica" e reflexões sobre compartilhamento de senhas e outras regras de uso de celulares entre casais.

O Guardian também viu "um impacto realmente surpreendente" vindo de um único post no Instagram, que normalmente não é uma grande fonte de assinaturas de newsletters para veículos jornalísticos. O post — que ainda está fixado na página do Guardian U.S. no Instagram — mostra um "vidômetro" que ajuda os leitores a calcular quantos dias por ano eles estão gastando em seus telefones. 

 

 

A publicação pode ter feito os usuários do Instagram se sentirem infelizes, naquele momento, com o seu tempo de tela (a plataforma de propriedade da Meta já foi publicamente ligada a alguns dos efeitos mais nocivos do tempo de tela e enfrenta processos na Justiça por alimentar uma crise de saúde mental em crianças e por características "viciantes"). Benwell acredita que ter usado a imagem — feita com a intenção de funcionar como um "quebra-molas" — e ir além da linguagem genérica para incentivar assinaturas ajudou mais pessoas a atenderem o pedido de clicar no "link na bio".

"Há uma tendência de promover newsletters nas redes sociais na linha de "Oi, você aí! Assine isso aqui", diz Benwell. "Mas pensar de um jeito mais criativo e se perguntar como você pode fazer algo que seja persuasivo, que engaje e seja diferente, acho que é dessa forma que o marketing mais eficaz provavelmente funciona; não parece marketing ou branding porque você está realmente ganhando algo com aquilo." 

Produzir a newsletter Reclaim Your Brain e ouvir a opinião dos leitores reforçou algumas estratégias de audiência mais amplas que Benwell já tinha em mente. Uma foi reconhecer aos leitores do Guardian que ler as notícias nem sempre é uma experiência divertida ou animadora.

"A coisa que nós conseguimos fazer com Reclaim Your Brain que eu realmente gostei foi dar às pessoas espaço para pensar sobre quais são as prioridades delas. Não quer dizer que você está falando para as pessoas o que elas devem fazer ou tentando impedí-las de fazer certas coisas. É sobre dá-las espaço para pensar e então dá-las opções", diz Benwell. "Você não vai manipular os leitores pela omissão, ao não ter espaços onde você pode reconhecer o efeito que o noticiário tem sobre nós psicologicamente e fingir que está tudo bem. Você ainda precisa dar as notícias, mas eu acho que verbalizar e reconhecer isso permite que os leitores confiem mais em você. Isso os aproxima um pouco mais."

"Este ano nós temos eleições nas quais vamos focar", acrescenta Phinney. "Mas como podemos deixar as notícias mais digeríveis para as pessoas? Como também podemos fazer isso junto com outras coisas que talvez sejam um pouco mais agradáveis para as pessoas?

O Guardian U.S. espera fazer testes com mais newsletters no estilo de curso no futuro e vê potencial em ajudar os leitores a melhorarem outras partes de suas rotinas diárias.

"É uma newsletter difícil de acompanhar porque o que todo mundo tem no bolso o tempo todo?", reconhece Benwell. "Vamos fazer agora uma newsletter sobre chaves? Estou meio que satisfeito com as minhas chaves." 


Este artigo foi originalmente publicado pelo Nieman Lab e reproduzido aqui com permissão. 

Foto por ROBIN WORRALL via Unsplash.