A cobertura jornalística global desempenha atualmente um papel crucial na perpetuação de percepções negativas e estereotipadas sobre a África.
Particularmente, narrativas sobre pobreza, doenças, conflitos, governos ruins e corrupção são as culpadas, observa Abimbola Ogundairo, chefe de campanhas na Africa No Filter. "Essas continuam sendo matérias preguiçosas e estereotipadas sobre a África circulando por aí. Essas matérias levam a narrativas que impactam pessoas", diz.
A "mentalidade colonial" infiltrada no Ocidente contribui com a disseminação dessas narrativas, explica Bernardo Motta, professor de jornalismo da Universidade Roger Williams. "A mídia global acha que o trabalho dela às vezes é expor coisas ruins, e ela não se sente responsável pelo que isso causa", diz. "Isso é algo que precisamos mudar porque expor coisas ruins é importante, mas se você para por aí, está causando danos."
Determinada a identificar melhor essas narrativas e como elas se desenrolam, a Universidade da Cidade do Cabo lançou o Índice Global de Mídia para a África, uma nova base de dados que monitora e avalia criticamente como 20 dos principais veículos jornalísticos do mundo cobrem a África.
Financiado conjuntamente pela Africa No Filter e o The Africa Center, o índice busca "colocar a mídia global diante do espelho" na esperança de que as redações possam produzir uma cobertura mais responsável sobre a África no futuro, explica Ogundairo, líder de projeto da iniciativa.
O índice também tem o objetivo de ajudar os veículos a reconhecerem como sua cobertura pode ter impactos significativos no investimento estrangeiro e em políticas globais no que diz respeito à África.
Coleta de dados
Para criar o índice, os pesquisadores analisaram mais de 1.000 artigos online entre junho e dezembro de 2022 com base em quatro indicadores: a diversidade de assuntos tratados, fontes entrevistadas e citadas, a quantidade de países africanos presentes na cobertura e profundidade da cobertura.
"Nós queremos que a mídia global veja de forma quantitativa e qualitativa o que ela faz, o impacto do que ela faz e como ela pode melhorar", diz Ogundairo.
Entres os veículos avaliados estavam CNN, Deutsche Welle, Russia Today, Bloomberg, Xinhua, Le Monde, The Guardian, Associated Press, Al Jazeera, The Economist, VOA News, AFP, Reuters, BBC, CGTN, Financial Times, RFI, The New York Times, Wall Street Journal e The Washington Post.
Publicações dos EUA
O The New York Times, Wall Street Journal e The Washington Post ranquearam nas últimas posições do índice.
Motta não considera esse resultado surpreendente. Ele observa que a mídia dos EUA tende a ter um foco muito limitado na cobertura da África.
"Não estou surpreso que há três veículos dos EUA nas últimas posições do índice porque o Ocidente sempre teve essa visão de mundo segundo a qual só é notícia se interessa ou impacta a si mesmo diretamente", diz Motta. "Esses veículos atendem a certos interesses e visões de mundo. Não quer dizer que eles sejam abertamente enviesados ou que estejam tentando causar danos, mas sim que eles enxergam o continente africano como algo específico."
Mudança na cobertura da África
O índice identificou que as redações geralmente se saem bem no quesito "profundidade da cobertura", que leva em conta equilíbrio, contexto, enquadramento e estereótipos. Os pesquisadores dizem que este é um indicativo de que os veículos reconhecem o que constitui uma cobertura jornalística sólida.
A pesquisa também identificou que muitos veículos só cobrem alguns poucos países africanos em profundidade, o que limita a possibilidade de explorar soluções inovadoras presentes em outras partes do continente, diz Ogundairo. Algumas redações também falham na hora de diversificar as fontes, aumentando o alcance das vozes de homens poderosos.
"Sem exceção, as organizações globais de mídia neste estudo dedicaram espaço desproporcional a homens poderosos — de políticos e empresários a especialistas — como principais fontes de suas matérias sobre a África, mostrando que os homens ainda dominam o noticiário na e sobre a África", relata um trecho do estudo.
Alexander Chiejina, chefe de conteúdo estratégico da Nigeria Health Watch, descreve a forma como a mídia global retrata a África como "unidimensional", argumentando que ela não representa a cultura rica e as inovações do continente.
Essas narrativas prevalentes "subestimam a diversidade do continente e acontecimentos positivos, o que cria uma imagem distorcida segundo a qual a África é um continente perpetuamente em desordem", diz.
Histórias contadas por locais
Uma forma de ter uma cobertura mais eficaz da África, de acordo com especialistas em mídia, é empoderar repórteres e editores locais para que eles contem suas próprias histórias e produzam matérias baseadas em soluções locais.
"Não podemos contar com não-africanos para contar a história da África", diz Ogundairo. "Eu vejo o papel que repórteres e editores locais podem desempenhar. Nós temos que reconhecer que há muito mais benefícios ao contar mais histórias representativas sobre a África."
Motta sugere que veículos locais colaborem entre si para produzir matérias para audiências globais. "São histórias contadas do ponto de vista local, mas com visibilidade global", diz Motta. "Não há aquele olhar internacional extrativista sobre o assunto; é a mídia local falando e obtendo todos os benefícios disso."
Entre as recomendações do índice, há orientação para que os veículos invistam na diversidade na mídia e equidade de gênero, adotem princípios éticos de reportagem e realizem programas de letramento de mídia e de intercâmbio cultural.