Por que adotar a abordagem de soluções em reportagens

Jul 31, 2024 em Engajamento da comunidade
Man on a farm growing green plants

A mídia independente na África enfrenta muitos desafios atualmente. Crises políticas e econômicas estão moldando percepções negativas do continente, ao mesmo tempo em que problemas com a liberdade de imprensa se aprofundam, os recursos financeiros seguem limitados e a confiança na mídia diminui.

Neste cenário, as redações do continente estão tentando atrair mais a atenção e ganhar a confiança da audiência.

É neste aspecto que o jornalismo de soluções pode ser capaz de ajudar. Uma abordagem jornalística que priorize o registro abrangente de respostas a problemas da sociedade, que busque identificar quais respostas estão sendo implementadas e como, destacando sucessos, fracassos e lições aprendidas.

Ao fazer isso, o jornalismo de soluções pode ajudar as redações a engajar a audiência e garantir a sustentabilidade. Saiba mais a seguir:

Engajamento alavancado

O jornalismo de soluções pode ajudar a ter audiências engajadas e leais.

Em um estudo do Engaging News Project, pesquisadores descobriram que esse tipo de abordagem faz com que os leitores passem mais tempo lendo as matérias até o fim, em vez de parar no título.

As redações também podem usar a abordagem de soluções para facilitar o engajamento direto com o conteúdo produzido, por exemplo, entrevistando membros e líderes comunitários sobre a forma pela qual elas lidam com seus problemas. Esses tipos de entrevistas não só ajudam a alavancar o engajamento como também encorajam a participação comunitária.

Apoio comunitário

As redações podem aproveitar o jornalismo de soluções para obter o apoio de comunidades locais e, em troca, atrair financiamento. Além disso, é possível buscar recursos em órgãos filantrópicos e organizações não governamentais que apoiam projetos focados em impactos e mudanças sociais.

The Seattle Times, por exemplo, incorporou a abordagem do jornalismo de soluções em 2013 com o lançamento do Education Lab, que faz a cobertura de soluções promissoras para os desafios da educação pública em Seattle e no noroeste dos EUA.

"Foi um bom método para o The Seattle Times conseguir bastante apoio comunitário, mesmo sendo uma organização com fins lucrativos", diz Linda Shaw, diretora de práticas avançadas da Solutions Journalism Network e ex-editora do Education Lab. 

Conforme explicou Frank Blethen, editor do Seattle Times, em um artigo de 2021 escrito para o jornal, o sucesso do Education Lab gerou uma série de iniciativas financiadas pela comunidade, incluindo o Traffic Lab, Project Homeless e o Investigative Journalism Fund. Ele destacou que mais de 800 pessoas e entidades forneciam apoio direto ao jornalismo de utilidade pública do veículo, com valores que iam de US$ 10 a US$ 100.000. Ao mesmo tempo, empresas e fundações fazem aportes plurianuais. 

"As pessoas que estão à frente de organizações filantrópicas não são diferentes da nossa audiência, que sofre de fadiga de notícias e está interessada em resolver problemas. Esta é uma abordagem jornalística que trata disso diretamente", diz Shaw.

O contexto africano

Na África, a falta de dados em setores essenciais alimenta a má governança no continente, de acordo com um estudo de 2024 publicado pela The EastAfrican, organização de mídia queniana. Isso impõe um desafio aos jornalistas do continente e frustra seus esforços de reportagem para comprovar a eficácia das soluções.

"Com os governos na África não fazendo muita coisa para agregar dados nacionais, é sempre difícil associar uma solução que está funcionando com dados quantitativos", diz Chinonso Kenneth, editor do  Solutions Paper, veículo nigeriano focado em soluções.

Especialmente na África, devido à escassez de dados confiáveis, jornalistas devem buscar complementar suas matérias com detalhes qualitativos que possam demonstrar a natureza transformadora das respostas aos problemas. Isso pode ser feito por meio de depoimentos dos grupos impactados, funcionários do governo ou líderes comunitários. Também pode-se usar pesquisas como referência.

"É importante criar esperança e a imagem da África que queremos ver através de histórias sobre como os africanos estão resolvendo problemas, contando-as de forma construtiva", diz Kenneth. "O objetivo é usar o jornalismo de soluções para a replicação de soluções e para gerar um aumento da participação cidadã na resolução de problemas comunitários." 

Um exemplo é esta matéria em duas partes do site nigeriano HumAngle, que descreve como conflitos tribais no estado de Jos, no sul da Nigéria, estão sendo abordados por meio de diálogos pacíficos, práticas de resolução de conflitos e, crucialmente, futebol. Para destacar os impactos e eficácia dessas soluções, o autor incorporou as perspectivas de vários moradores.

Outro exemplo é esta matéria do BONews sobre uma organização sem fins lucrativos que oferece material de estudo em troca da doação de resíduos plásticos com o objetivo de apoiar crianças em comunidades rurais carentes. O autor usou uma variedade de evidências, desde dados quantitativos a depoimentos de especialistas do governo, crianças e familiares responsáveis, para ilustrar os impactos e limitações da iniciativa.

Por que isso é importante?

Matérias de soluções que estimulam mudanças na vida das pessoas podem ter um "efeito tangível nos leitores e em culturas marginalizadas", disse Michaela Haas, editora-assistente do Reasons to be Cheerful", durante um debate no NYU Studio 20.

Ao adotar a abordagem do jornalismo de soluções, jornalistas africanos podem buscar a responsabilização com suas reportagens e tratá-la com um senso de dever e responsabilidade cívica com a comunidade e o continente. Mais importante ainda, eles podem derrubar narrativas negativas ao compartilhar soluções locais inovadoras para os problemas.

Por meio de uma documentação clara das soluções, jornalistas podem questionar percepções generalizadas e apresentar evidências que ajudam o público a entender os problemas que afetam suas comunidades. Ao incluir uma diversidade de vozes, jornalistas podem lançar luz sobre métodos e estratégias para resolver nossos desafios, estimulando a esperança no continente e ajudando a construir confiança no jornalismo.


Foto por Medsile via Iwaria.