Jornalistas da Geórgia incorporam gamificação em meio a interferências na liberdade de imprensa

Jun 21, 2023 em Jornalismo multimídia
Georgian flag blowing in the wind.

Nos últimos anos, organizações de mídia do mundo todo fizeram experimentos com a "gamificação" das notícias, tornando-as mais interativas para engajar a audiência. A BBC, por exemplo, lançou em 2018 o iReporter, para ensinar habilidades de letramento de mídia; na Finlândia, a Yle News Lab criou um jogo para demonstrar aos usuários como informações falsas se espalham pelas redes sociais.    

Em maio, o ICFJ trouxe aos EUA dois jornalistas da Geórgia que trabalham no Mtavari ChannelTato Gurgenidze, cinegrafista com 14 anos de experiência, e Tea Adeishvili, jornalista no programa semanal de TV "Post Factum" e apresentadora de um talk show diário – para que participassem de cursos sobre gamificação e animação. O Mtavari Channel é o principal veículo de oposição da Geórgia e um sucessor direto do Rustavi 2, um canal popular anteriormente de oposição, mas que assumiu uma posição pró-governo após uma mudança de propriedade em 2019.  

Intromissões como esta na liberdade de imprensa não são fora do comum na Geórgia atualmente. Apesar de neste ano o país ter subido 12 posições no Índice Mundial de Liberdade de Imprensa da Repórteres Sem Fronteiras, chegando à posição 77, jornalistas continuam a enfrentar ameaças e censura. No início de março, protestos eclodiram após a aprovação de uma nova lei que exigiria que a mídia e ONGs com mais de 20% de seu financiamento vindo de doadores internacionais se registrassem como agentes estrangeiros. O projeto de lei foi posteriormente arquivado.  

"TV e rádio são as principais fontes de notícias na Geórgia, e isso define a agenda política dos acontecimentos no país", diz Adeishvili. "A partir de 2018, o governou começou a se recusar a cooperar com a mídia independente. Eles se recusam a falar conosco, nos atacam e nos chamam de agentes, criadores de notícias falsas, traidores e terroristas."

Durante paradas da viagem em Washington, D.C., Boston e Nova York, Gurgenidze e Adeishvili entrevistaram acadêmicos e estudantes sobre jogos educativos criados por eles para entender melhor as oportunidades trazidas pelo aprendizado por meio do uso de jogos. Nos próximos meses, os dois jornalistas vão produzir conteúdos noticiosos para o Mtavari Channel sobre o que aprenderam em relação ao aprendizado por gamificação e animação. 

"Isso vai expandir o conhecimento dos nossos espectadores sobre o que está acontecendo no setor e particularmente como a gamificação é usada na educação, portanto será informativo para nós", diz Gurgenidze.

Gurgenidze e Adeishvili falaram com a IJNet antes da viagem aos Estados Unidos sobre seu trabalho, o cenário de mídia na Geórgia, a prisão de seu colega Nika Gvaramia, como a guerra na Ucrânia afetou o trabalho deles, dentre outros assuntos. 

Quais assuntos vocês cobrem normalmente? 

Adeishvili: Eu trabalho na profissão desde 1998. Eu cubro pautas de interesse humano, reportagens especiais, questões sociais e das mulheres. Nos últimos seis ou sete anos, trabalhei com matérias analíticas e políticas, e nos últimos três, cobri notícias diárias e ancorei um programa diário de notícias políticas. Ao longo da minha carreira também cobri alguns conflitos.

Gurgenidze: Eu trabalho com todo tipo de assunto, seja política, cultura, esporte. Também cubro alguns conflitos e zonas de guerra.

O que vocês esperam aprender sobre aprendizado por gamificação e animação?

Adeishvili: Eu acho que a viagem vai ser boa para a minha empresa como líder em desenvolvimento e transformação do jornalismo na Geórgia, para usar novas tecnologias não só para aumentar a audiência, mas para oferecer mais informação e educação para nossa audiência também.

Gurgenidze: A viagem vai nos permitir apresentar à nossa audiência boas práticas de aprendizado por gamificação dos Estados Unidos.

Adeishvili: Às vezes nossa audiência acha que tudo já foi conquistado, mas essa oportunidade vai mostrar que ainda há chances para aprender algo novo.

 

Adeishvilli interviewing someone while Gurgnedize records them.
Adeishvili (esquerda) e Gurgenidze (direita) 

Gurgenidze, você trabalhou anteriormente no Rustavi 2, que chegou a ser a maior empresa independente de radiodifusão da Geórgia. Como as ações do governo afetaram o status do veículo?

Gurgenidze: Eu começaria dizendo que agora trabalho para o Mtavari, que é o principal canal de oposição e que significa literalmente "canal principal". É o mesmo que trabalhar para o Rustavi, somente o nome é diferente.

Mas com relação ao Rustavi, ele mudou dramaticamente. Com algumas das matérias que eles produzem, você consegue sentir que a política mudou radicalmente e que eles são mais leais ao governo.

Com o governo rotulando a mídia independente como "fake news" e traidora, isso influencia no engajamento da audiência?

Adeishvili: Sim, mas nossa audiência está crescendo ainda. Mas também cresce a agressão vinda de autoridades e isso transforma as reações e atitudes dos apoiadores. Com isso, os apoiadores começam a usar esses mesmos rótulos. Eles até criaram algumas páginas nas redes sociais dedicadas a nos criticar e a atacar nossas vidas pessoais. 

Gurgenidze: E não estamos falando somente do nosso canal, mas também de outros canais e veículos que têm opiniões diferentes, como a TV Formula.

Com determinadas questões como direitos LGBTQ+ ou religião marcadas por um forte sentimento de tensão social, como isso influencia o trabalho de vocês? 

Adeishvili: Para nós não importa a qual minoria sexual ou religiosa as pessoas pertencem. Somos todos seres humanos e cobrimos estas questões como de costume. Porém, às vezes somos culpados ou acusados de usar propaganda para apoiar esses ideais.

Em 5 de julho de 2021, durante a Parada do Orgulho, o governo reprimiu os manifestantes e, como resultado, um dos nossos cinegrafistas morreu e 52 jornalistas ficaram feridos. 

A maneira como vocês lidam com o trabalho mudou após a prisão, no ano passado, do jornalista e diretor da Rustavi 2, Nika Gvaramia?

Adeishvili: Muita coisa mudou. O ambiente é menos estável. Não só na nossa empresa, mas todo o ambiente de mídia mudou. Uma das razões pelas quais Gvaramia foi preso foi porque o governo não gostava da cobertura que ele fazia.

Gurgenidze: Ele também estava orientando outros jornalistas e dizendo qual o tom deveriam usar e como se comportar, como cobrir os acontecimentos. É por isso que o governo não gosta dele.

Adeishvili: O artigo da lei usado para acusá-lo nunca havia sido usado contra nenhum membro da mídia na Geórgia. Ele foi acusado de usar um carro da empresa para sua família, e com isso foi sentenciado a três anos e meio de prisão.

Como a guerra na Ucrânia afetou o trabalho de vocês?

Gurgenidze: Eu estava na Ucrânia bem antes da guerra e fiquei por lá algum tempo durante a guerra. Eu já sabia das atrocidades da Rússia, o invasor, mas eu vi isso diretamente e aí percebi o poder dessa força invasora. Eu tenho a confiança e esperança de que quando a Ucrânia vencer, será uma vitória do meu país também.

 

Gurgenidze capturing the remains from a conflict.
Foto cedida por Gurgenidze

 

Adeishvili: Eu passei a ter mais confiança e crença naquilo que estamos fazendo, e de que estamos no lado certo da história. Isso também aumentou minha crença de que lutar pela Ucrânia é lutar também pelo seu próprio país. Há combatentes georgianos na Ucrânia e eles acreditam que estão fazendo isso pela Ucrânia e pela Geórgia também.  

Apoio é primordial para nós porque entendemos que eles fariam o mesmo pelo nosso país. Estamos ansiosos para a vitória da democracia e civilização global e para a vitória da Ucrânia.


A entrevista foi traduzida por NaNa Kiknadze e editada para maior clareza.

A iniciativa foi possível por meio do financiamento generoso da Embaixada dos EUA em Tbilisi. As visões expressas neste artigo não representam as opiniões da Missão dos EUA na Geórgia.