No fim de 2022, um jornalista afegão enviou aos seus colegas um artigo da IJNet em persa sobre checagem de fatos e verificação. O recado tinha uma recomendação: que eles deveriam lançar um site focado em verificação de fatos no Afeganistão.
O email levou diretamente à criação, em fevereiro de 2023, do Afghan Fact, um site de checagem de fatos que chegou em meio a uma carência severa de recursos para jornalistas afegãos, em decorrência do colapso pós-2021 da mídia independente afegã.
Cerca de 43% das redações que funcionavam em 2020, antes da tomada do Afeganistão pelo Talibã, deixaram o país desde então, de acordo com a Repórteres Sem Fronteiras. Em dezembro de 2023, a BBC Persa citou um levantamento da Organização de Apoio aos Jornalistas Afegãos segundo o qual dois terços dos 12.000 jornalistas em atividade antes do retorno do Talibã ao poder em 2021 não trabalhavam mais no Afeganistão. Um grande número de jornalistas deixou o país enquanto outros não podem mais trabalhar devido às várias restrições do regime, tais como as limitações impostas às mulheres jornalistas.
Eu conversei com os jornalistas por trás do Afghan Fact sobre o trabalho deles, como o site funciona e o estado da mídia no Afeganistão atualmente. Eles optaram por conceder a entrevista anonimamente, devido a preocupações com sua segurança em meio a prisões e violência direcionada aos jornalistas sob o governo do Talibã.
Quantas pessoas trabalham no Afghan Fact?
No momento, temos uma equipe de 11 jornalistas, dois gestores e dois técnicos. Todos nós trabalhamos em tempo integral.
Como vocês financiam o site?
Nós não temos muitos recursos financeiros. Alguns trabalham como voluntários e alguns são pagos, como funcionários. Felizmente, muitas das nossas despesas são pagas pelos nossos colegas, particularmente muitos jornalistas afegãos exilados.
Todos que trabalham ou ajudam a equipe levam a sério os esforços para avançar a inteligência de mídia da sociedade afegã, o que em partes envolve entender o processo de verificação de fatos.
Vocês se encontram em um escritório físico para trabalhar?
Infelizmente ainda não, embora nós já tivéssemos planos de abrir oficialmente um escritório em Cabul. Mas nós conseguimos nos encontrar regularmente em um determinado lugar – em qualquer lugar que pudermos – para trabalhar juntos, embora muitos dos nossos colegas estejam fora do Afeganistão.
Nosso trabalho foi interrompido em 13 de janeiro de 2024 devido a problemas de segurança, e pausamos temporariamente nossas atividades. Estamos nos esforçando para começar nosso trabalho em um ambiente mais seguro.
Como funciona o trabalho da sua equipe?
O nosso foco é o Afeganistão. Nós escolhemos certos documentos ou falas de funcionários do governo para trabalhar em cima disso.
Três jornalistas da equipe trabalham nos fatos selecionados, cada um deles verificando e editando o trabalho do outro. Os fatos são então analisados por um editor, que atribui uma classificação a eles.
A classificação é baseada no quanto o conteúdo é verdadeiro, usando os seguintes rótulos: preciso, semipreciso, impreciso, parcialmente crível, exagerado ou totalmente falso.
Qual você considera ser o desafio mais significativo que os jornalistas enfrentam hoje no Afeganistão?
Desde a queda da república pré-Talibã, os obstáculos econômicos estão entre os maiores desafios para a continuidade da mídia afegã.
Outro problema é o fato de que os jornalistas afegãos enfrentam uma escassez de fontes confiáveis e informação precisa. A emigração e a mudança nos sistemas de governo fizeram com que os jornalistas tivessem que lidar com uma carência de fontes de notícias, já que a mídia estatal só reflete os pontos de vista do Talibã e é administrada de acordo com as ordens do Talibã.
Como a IJNet ajudou vocês a entenderem os detalhes importantes da verificação de fatos e como ela se tornou um recurso para os jornalistas afegãos?
Nossa fonte principal e mais significativa para entender o processo de verificação de fatos tem sido a IJNet em persa. Nós conseguimos preparar nosso estatuto em dois meses e lançar o site em fevereiro de 2023.
Infelizmente, o governo do Talibã não emitiu uma licença para o nosso trabalho até o momento, mas conseguimos registrar nosso site nos Estados Unidos como uma organização não política sem fins lucrativos. No momento, estamos esperando também a nossa licença da Rede Internacional de Verificação de Fatos.
Como você se beneficiou da IJNet durante a sua carreira no jornalismo?
A IJNet, e mais especificamente a IJNet em persa, é um site de jornalismo único que é administrado com muita criatividade e conforme as necessidades dos jornalistas. Os artigos são imensamente úteis para nós e para todos os jornalistas de língua persa. Acompanhamos de perto a IJNet em persa, pois não há nenhum site semelhante disponível.
Nós lemos tudo e aprendemos com o conteúdo – é como ter o seu professor particular de jornalismo.
Qual o seu conselho para jovens ou aspirantes a jornalistas investigativos?
Nossa crença é que jornalistas investigativos devem constantemente atualizar seus conhecimentos e habilidades. Com a tecnologia avançando e facilitando o acesso das pessoas à comunicação e informação, a desinformação e notícias falsas se disseminam. Quanto mais os jornalistas investigativos se familiarizarem com as novas tendências e fortalecerem suas habilidades jornalísticas, mais bem preparados eles vão estar para distinguir fatos de informação imprecisa ou falsa.
Além disso, o canal do ICFJ no YouTube é muito informativo para jornalistas.
Como você se beneficiou do programa Disarming Disinformation do ICFJ e das aulas especiais que foram realizadas nos últimos dois anos?
As aulas foram muito úteis para que a gente se familiarizasse com ferramentas e programas que nos ajudam bastante na verificação de fatos. O tópico mais importante para nós foi conhecer sites e plug-ins que são úteis no processo de verificação.
Um outro exemplo foram os melhores métodos para verificar fotografias e as melhores formas de usar conteúdo de fonte aberta para investigações.
Outra lição importante para nós foi obter conhecimentos sobre arrecadação de fundos e monetização do jornalismo profissional.
Imagem principal: captura de tela do site Afghan Fact.