O Dia do Jornalista na Guatemala deveria ser um momento de celebração. Porém, neste ano foi um dia de protestos pacíficos e publicação de campanhas de conscientização sobre os ataques à imprensa e ao direito de saber dos cidadãos.
Tudo isso em meio a restrições cada vez maiores do trabalho de jornalistas no país da América Central.
O coletivo de jornalistas NoNosCallarán aproveitou a data para publicar nas redes sociais o primeiro capítulo de uma série audiovisual chamada "Por tu derecho a saber" (Pelo seu direito de saber).
"Estamos trabalhando nesta campanha desde abril e estávamos postergando-a devido à greve nacional na Guatemala. Aproveitando o Dia Nacional do Jornalista, nós postamos depoimentos de três jornalistas falando sobre os ataques que sofreram e por que a imprensa é importante na Guatemala", disse à LatAm Journalism Review (LJR) Daniel Villatoro, jornalista e diretor de comunicação da campanha.
O primeiro vídeo da campanha apresenta Rony Ríos, Gersón Ortiz e Alexander Valdéz, jornalistas exilados devido à perseguição ao trabalho investigativo do jornal elPeriódico. "Estamos fora da Guatemala há quase um ano... O Ministério Público tentou criminalizar nosso trabalho... mas não somos os únicos que pagaram o preço", disseram os jornalistas, em conjunto, no vídeo.
@nonoscallarangt_ Capítulo 1📹: Salir para seguir contando la verdad ✍🏻 Más de 20 periodistas han tenido que salir al exilio para continuar narrando la realidad y fiscalizando al poder. Conoce a Gerson, Rony y Alex, tres periodistas que desde fuera siguen defendiendo tu derecho a saber. 🗣️ #NoNosCallarán #30deNoviembre #guatemala #periodistasdeguatemala #gt #502 #periodistasdeguatemala ♬ original sound - #NoNosCallarán
A jornalista Marielos Monzón disse à LJR que a campanha tem o objetivo de conscientizar o público sobre a importância do jornalismo para a sociedade e para a democracia.
"Resumidamente, quando eles atacam ou silenciam um jornalista, o que estão atacando é o direito da população de se informar. Não estamos defendendo somente nossa profissão, estamos defendendo os cidadãos e o direito deles de saber", diz.
Jornalismo guatemalteco sob ataque
O jornalismo está sob ataque constante na Guatemala. Em agosto deste ano, os jornalistas Frangely Alonzo López e Hugo Gutiérrez foram assassinados e o caso ainda está sem punição.
Além disso, de acordo com a campanha NoNosCallarán, entre maio de 2022 e outubro de 2023, 26 jornalistas se exilaram para proteger sua integridade e liberdade. E o presidente do jornal elPeriódico, José Rubén Zamora, foi sentenciado a seis anos de prisão por lavagem de dinheiro depois de um julgamento controverso. Um tempo depois, um tribunal de apelação anulou a condenação e ordenou um novo julgamento. Porém, ele segue preso.
"Em 2023, foram registradas várias agressões de atores estatais e privados, como vigilância, assédio e ataques digitais que incluíam hackeamento de contas de redes sociais e sites de veículos; bloqueio de fontes de informações; ataques e pressões contra anunciantes; e ameaças de morte. Colegas que trabalham em municípios e departamentos continuam extremamente desprotegidos", disse o grupo em um comunicado à imprensa.
Entre 1º de janeiro e 29 de novembro de 2023, o Observatório dos Jornalistas na Guatemala registrou 171 ataques ou limitações à imprensa. Dentre eles, assédio jurídico, ameaças, difamação e obstrução de fontes [impedimento do acesso livre à fonte].
Héctor Coloj, coordenador do Observatório dos Jornalistas, disse à LJR que houve um aumento alarmante neste ano em comparação a anos anteriores.
"Nós, como um observatório, temos monitorado, registrado casos e analisado a situação na Guatemala por mais de uma década, e este foi o ano que mais registramos ataques", diz Coloj.
Antes de 2023, o ano com mais ataques registrados pelo observatório tinha sido 2020 (149 casos). Isto se deveu a um aumento de ataques do governo durante a pandemia de COVID-19 e protestos antigoverno no fim daquele ano.
Em 2023, o aumento nos casos teve um pico entre junho e agosto, no período das eleições, de acordo com Coloj.
"Historicamente, anos eleitorais têm sido os mais violentos e com as maiores restrições à imprensa na Guatemala", diz Coloj. "Neste ano, somaram-se a isso as agressões e limitações ocorridas durante as ações judiciais do Ministério Público para invadir o Tribunal Superior Eleitoral, para invadir o partido do governo eleito e também as agressões relacionadas à greve nacional em outubro."
A maioria dessas agressões contra a imprensa durante a greve foram cometidas por funcionários do governo, forças de segurança, polícia, etc., de acordo com o Observatório. Apenas uma das agressões registradas foi cometida por manifestantes.
Ocupação em frente ao Ministério Público
O coletivo NoNosCallarán também organizou uma ocupação pacífica em frente à sede do Ministério Público da Guatemala no dia 30 de novembro.
Foi um ato de denúncia e em solidariedade aos colegas exilados e jornalistas que estão enfrentando prisões e processos.
"Fizemos uma ocupação em frente ao Ministério Público para exigir um fim da criminalização, assédio e suspensão de processos criminais espúrios. Também exigimos a libertação de José Rubén Zamora, bem como garantias para que possamos exercer nosso trabalho livremente", diz Monzón.
De acordo com o grupo, o Ministério Público da Guatemala está igualando jornalistas a criminosos e tentando transformar o exercício do jornalismo em crime, fazendo uso impróprio da legislação criminal do país.
A ocupação tem sido realizada nos últimos dois anos, período em que o assédio jurídico contra o jornalismo se tornou pronunciado. O evento foi acompanhado por comunicadores, jornalistas, diretores de mídia, colunistas de opinião, dentre outros. Os entrevistados para esta reportagem concordam que o Dia Nacional do Jornalista na Guatemala não é mais uma data de celebração, mas sim para refletir sobre a deterioração significativa da liberdade de expressão no país.
"Estamos fazendo o nosso trabalho em condições muito adversas e é claro que isso causa muita preocupação, fadiga e medo de que algo pode acontecer com a gente, com nossos colegas e até com nossos familiares", diz Mozón. "Eu ouso dizer que há uma energia coletiva que vem da nossa convicção de que o silêncio não é uma opção e que hoje, mais do nunca, nosso país precisa de jornalismo independente, que tenha uma posição crítica perante o poder e que seja comprometido. Neste momento, não só na Guatemala, mas na América Central, o jornalismo é um dos últimos bastiões de defesa da democracia. É por isso que eles nos atacam e é também por isso que dizemos NoNosCallarán [Não vão nos calar]."
Este artigo foi publicado originalmente na LatAm Journalism Review e republicado na IJnet com permissão.
Foto por Paolo Margari via Unsplash.