A jornalista que levou letramento de mídia para comunidades remotas da Indonésia

Oct 28, 2024 em Combate à desinformação
Zulfa in front of an image of an apple speaking to a group of people sitting on the floor

O programa Disarming Disinformation do Centro Internacional para Jornalistas (ICFJ) é uma iniciativa de três anos, com apoio do Scripps Howard Fund, com o objetivo de desacelerar a disseminação de desinformação por meio de estratégias como jornalismo investigativo, capacitação e educação voltada para o letramento de mídia. O ICFJ também fez uma parceria com o MediaWise do Poynter Institute para desenvolver e fornecer programas de letramento de mídia.

programa para formar instrutores de letramento de mídia recebeu participantes do mundo todo em duas turmas. Os selecionados são líderes comunitários que vão educar as pessoas sobre a importância do letramento de mídia e como aplicar essas habilidades na vida real. O artigo abaixo é uma de cinco histórias de impacto da primeiro turma, em comemoração à semana de letramento de mídia.


Enquanto os centros urbanos da Indonésia se desenvolvem, Zulfa Amira Zaed carrega o peso da preocupação com os colegas que vivem em regiões remotas de floresta. Ela vem testemunhando a disparidade crescente entre comunidades urbanas e remotas no que diz respeito a oportunidades financeiras, acesso à educação e tecnologia. Essas duas últimas estão interligadas, e ela pensa sobre a ameaça de propagação de desinformação em comunidades que não têm acesso à educação para aprender as habilidades necessárias para discernir conteúdo factual de fraudes, em combinação com a falta de internet e acesso à tecnologia.

No passado, ajudar essas comunidades a lidar com esses desafios provou ser difícil para Amira Zaed. Ela não tinha os meios para chegar a áreas remotas e sentia que precisava melhorar suas próprias habilidades de letramento de mídia. 

Isso mudou quando ela ficou sabendo do programa de formação de instrutores de letramento de mídia do Disarming Disinformation, realizado pelo ICFJ em parceria com o MediaWise. Ela sabia que essa era a oportunidade que tinha para fazer a diferença que tanto desejava. 

Depois de participar de oficinas online e presenciais, ela ganhou mais experiência para suas habilidades de letramento de mídia, como pré-desmascaramento, desmascaramento e ferramentas de inteligência de fonte aberta, e estava preparada para ensiná-las a outras pessoas.

"Ensinar sobre letramento de mídia e identificação de desinformação não só torna minha audiência mais inteligente, como também traz um benefício pra mim mesma. Eu me tornei mais inteligente e mais sábia, e aprendi muitas lições valiosas como instrutora das oficinas", diz Amira Zaed.

Preparo das oficinas

Amira Zaed sabia que queria chegar à comunidade do povo indígena Batin Sembilan e às pessoas que vivem em áreas de floresta na província de Jambi, na Ilha de Sumatra, na Indonésia. Para tornar as oficinas o mais impactantes possível, ela precisava ser aceita pela comunidade e pela liderança local.

Ela então dedicou horas aprendendo sobre a população local e os problemas críticos enfrentados por ela regularmente, e colaborou com um líder e uma ONG locais para chegar ao seu público-alvo. Assim, ela foi aceita na comunidade, onde passou um tempo conhecendo e trabalhando com os membros para ganhar a confiança dos mesmos antes de começar as oficinas.

 

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Participantes da oficina em uma atividade de grupo (Crédito: Zulfa Amira Zaed)

O que ensinar

Amira Zaed teve uma oportunidade única de ensinar letramento de mídia porque, embora essas comunidades tenham smartphones, a tendência é que o sinal de celular e o acesso à internet, caso existam, sejam fracos. O acesso às redes sociais e a informações no ambiente digital é na maioria das vezes intermitente e acontece principalmente quando eles vão a cidades próximas. Quando chegam nas cidades, as pessoas podem acabar usando a internet por um curto período de tempo, mas frequentemente não têm as habilidades para distinguir fato de ficção nem tempo o bastante para fazer uma pesquisa minuciosa das informações que recebem. A desinformação que chega a essas comunidades varia de fraudes online — muitas vezes com implicações financeiras  — a assuntos políticos e sociais.   

O objetivo de Amira Zaed era claro. Ela queria "minimizar os conflitos entre grupos e entre as pessoas". Ela não se limitou a conversar com os participantes e apresentar materiais; também se envolveu em debates com eles, o que é crucial para o processo de aprendizado do ponto de vista de qualquer perspectiva de ensino. 

Ela encorajou os participantes a falar sobre suas experiências com desinformação, o que eles tinham visto, o que chegou a enganá-los e o quanto eles queriam aprender para não serem vítimas no futuro. Ela também incluiu vários jogos para manter os participantes engajados e garantir o aprendizado ao longo de toda a oficina.

Impacto

Após qualquer oficina há uma pergunta persistente sobre o impacto gerado. Os participantes vão reter e aplicar o conhecimento? Como o aprendizado vai afetar a vida deles?

Para Amira Zaed, a resposta traz esperança para o futuro do ensino de letramento de mídia em comunidades remotas. Pouco tempo depois das oficinas, uma líder comunitária local, Yunani, que também participou das aulas, conseguiu evitar que uma mulher da comunidade fosse vítima de um golpe. Ela mesma já havia sido vítima de golpe e tinha perdido dinheiro por causa de uma moto anunciada nas redes sociais, mas após a oficina conseguiu evitar que o mesmo acontecesse com outra pessoa. A mulher em questão quase deu todo o dinheiro que tinha para um marketplace online, mas depois de aplicar as habilidades de letramento de mídia, Yunani e a mulher identificaram que a postagem era falsa.

"Treinamentos como esses são muito bons para reduzir os conflitos entre nós", diz Aini, representante do povo indígena Batin Sembilan. "Eu espero que todos os povos indígenas tenham aulas semelhantes."

Após o trabalho de Amira Zaed, surgiu uma iniciativa na comunidade indígena; um testemunho de seu impacto. Grupos patrulheiros, formados por cinco a dez pessoas que monitoram as florestas para expulsar madeireiros ilegais, agora têm a oportunidade de falar sobre desinformação com moradores locais que encontram durante as patrulhas. Eles dão dicas de letramento de mídia e desmentem informações falsas que chegam aos moradores. Esses grupos de patrulheiros que até então eram aprendizes agora estão se tornando educadores.

 

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Participantes reunidos durante oficina (Crédito: Zulfa Amira Zaed)

Planos futuros

Depois de liderar duas oficinas, Amira Zaed está longe de ter finalizado seu trabalho. Ao fim das oficinas, os participantes lhe pediram aulas adicionais e mais longas. Eles ficaram empolgados para aprender mais sobre letramento de mídia ligado a "temas diversos" para pensarem mais criticamente sobre aspectos da vida em que esse tipo de conhecimento pode ser aplicado.

Amira Zaed tem um plano de cinco anos que consiste em "criar um fórum ou comunidade que seja letrado em mídia e no ambiente digital". Ela também quer continuar chegando a comunidades marginalizadas que frequentemente são os alvos e tópicos de desinformação, focando nesses grupos para que eles não sejam silenciados por forças mais poderosas. 

Para ela, uma coisa é clara: "todo mundo deve ter um discernimento adequado ao processar informações obtidas de várias plataformas e precisa pelo menos ser capaz de verificar fatos de forma independente bem como ser capaz de pré-desmascarar e desmascarar desinformação."


Foto principal cedida por Zulfa Amira Zaed.

Muskan Bansal e Renata Salvini colaboraram com o artigo.