Criada na Favela da Ilha, em São Paulo, Sanara Santos testemunhou os grandes veículos de mídia frequentemente ignorarem sua comunidade periférica, uma região marginalizada e carente de recursos e infraestrutura essenciais.
"As comunidades periféricas são como desertos de notícias, carentes não só de informação mas também de saúde, educação e infraestrutura." As favelas e quilombos são exemplos de comunidades periféricas no Brasil.
Santos, mulher trans negra, descobriu que se interessava pelo jornalismo depois de ser entrevistada sobre sua relação com o dinheiro para um documentário da Énois, organização dedicada a promover a diversidade na mídia brasileira. "Quando eu vi outros jovens fazendo jornalismo, eu sabia que era algo do qual era possível eu ser parte", lembra.
No ano seguinte, Santos se matriculou na escola de jornalismo da Énois. A primeira matéria que ela publicou foi sobre alimentação nas comunidades periféricas no Brasil.
Inspirada, ela passou a trabalhar para a Énois, onde hoje é coordenadora de formação da organização. Ocupando o cargo, ela se transformou em uma liderança na defesa pela diversidade na mídia brasileira, incentivando sua comunidade por meio do poder do jornalismo. Durante a pandemia de COVID-19, por exemplo, ela criou um kit de ferramentas de diversidade para ajudar a mídia brasileira a melhorar a representatividade nas redações.
Eu conversei com Santos sobre suas experiências na promoção da diversidade nas redações, os desafios e sucessos envolvidos no trabalho, dentre outros temas:
Como ter crescido em São Paulo moldou sua experiência como repórter?
Quando eu entrei para a Énois, eu percebi que o problema central era a falta de informação nas comunidades periféricas, então eu decidi levar informação para essas áreas.
Hoje as pessoas me mandam perguntas e eu forneço a elas informações precisas. Eu me tornei um ponto de referência na minha comunidade.
Levar informação [para essas comunidades] também [pode impactar positivamente] as políticas públicas [...] e a comunicação dentro dessas áreas. Não é como uma pessoa distante na televisão dando informação, e sim alguém de dentro da comunidade que compartilha as mesmas experiências. Fazer jornalismo nas comunidades periféricas é tornar a informação acessível, e é isso que eu faço.
Sendo uma mulher trans negra, como tem sido sua experiência no jornalismo?
O jornalismo perdeu credibilidade de várias formas, em partes devido à branquitude dominante e suas ligações com o autoritarismo e o fascismo. Isso é especialmente desafiador para que mulheres negras e jornalistas trans ganhem credibilidade. O ambiente é muito agressivo, muitas vezes nos colocando em posições de medo e inferioridade por causa do racismo.
Contar a verdade é fundamental, então nós temos que aumentar o nosso respeito por corpos marginalizados, o que é desafiador tendo em vista que corpos como o meu não são vistos como de confiança. Mulheres negras são frequentemente questionadas, o que abala sua credibilidade. O trabalho de Bell Hooks tem ajudado com isso.
Quais sucessos você conquistou na tentativa de aumentar a diversidade na mídia?
Nosso sucesso reside na rede que construímos com as organizações periféricas que trabalham com a Énois. Nós damos apoio a elas, tornando possível o jornalismo comunitário, impactando seus territórios e facilitando políticas públicas. Essas organizações hoje produzem mais conteúdo e conseguiram melhorar sua infraestrutura.
Qual a situação da diversidade nas redações brasileiras atualmente?
Nossa pesquisa mapeia a diversidade nas redações. Muitos cargos de liderança em iniciativas de jornalismo local e periférico são ocupados por mulheres negras. Apesar dos recursos limitados, as mulheres negras que são líderes estão crescendo em número e impacto. A maior parte das iniciativas de jornalismo está concentrada em São Paulo, onde estão centralizados o poder político e os recursos financeiros.
Como você se mantém motivada e inspirada no trabalho, principalmente quando se depara com contratempos?
O ativismo na Énois me faz sentir feliz e viva. Ouvir as histórias da nossa rede me motiva. Ver nosso guia mais recente sobre o direito à alimentação de qualidade em comunidades periféricas e regiões do país trabalhando juntas nos mesmos projetos me enche de confiança.
Participar das nossas formações iria te motivar também. Você veria pessoas enfrentando desafios e repórteres produzindo jornalismo dedicado a resolvê-los. Nós não temos outra opção a não ser continuar fazendo o que fazemos.
Quais você acredita serem as medidas mais críticas que as redações podem adotar para criar ambientes mais inclusivos e decolonizar a cobertura?
Primeiro, identificar, analisar e mapear onde a diversidade é necessária nesses três pilares: gestão, cultura e produção.
Com relação à gestão, você tem editores e membros da equipe de origens diversas? Na cultura, você deve ter diretrizes para a condução e medidas para entender como as pessoas se sentem. Na produção, certifique-se de que você tem diversidade nas fontes de dados e formatos. Quem você está tentando alcançar? Para quem você está escrevendo? É essencial ir atrás ativamente das pessoas nas comunidades periféricas.
Como a IJNet ajudou na sua carreira?
Eu comecei a trabalhar com a IJNet há um tempo. Eu conversei sobre o [meu kit de ferramentas de diversidade], o que me permitiu entender o que a Énois está fazendo de diferente do jornalismo tradicional. Também me fez pensar sobre novas formas de dar acesso à [nossa abordagem], disseminando ainda mais o trabalho.
A IJNet foi como uma escola para mim. Ela me permitiu revisitar o jornalismo decolonial além do simples conceito [...] e como poderíamos ter boas práticas em relação a ele, nos conectando com outras formas novas de fazer jornalismo, mais diversidade.
Essa parceria me colocou em um ecossistema internacional de produção de notícias com outros jornalistas, me permitindo participar de treinamentos e trocar conhecimento, ideias e práticas.
A entrevista foi editada para maior clareza.
Foto cedida por Santos.