A imprensa livre nasceu na Argélia após os protestos antigoverno em 5 de outubro de 1988 e o período democrático que se seguiu e durou até 1992. Na época, muitos veículos independentes foram criados tanto em francês quanto em árabe, preenchendo as bancas de jornal do país.
Hoje, a mídia impressa como um todo está em declínio no país. Muitos veículos já fecharam as portas. Outros estão sobrevivendo como podem, apesar de seu horizonte econômico ser cada vez mais sombrio.
O estado da mídia francófona no país é ainda pior. Representando apenas um terço dos jornais na Argélia, as publicações em francês estão desaparecendo uma atrás da outra nos últimos dez anos. Veículos de prestígio encerraram as operações, como o Algérie-Actualité, La Tribune, La Nation, Le Quotidien d'Algérie e Le Matin. O último a fechar foi o diário Liberté, cuja última edição saiu em 14 de abril deste ano, depois de 30 anos de existência.
O fechamento do Liberté pode até, de acordo com muitos analistas, levar ao fim do El Watan, outro veículo emblemático da imprensa em francês na Argélia que também vive sérias dificuldades financeiras. O site Twala recentemente revelou que o El Watan não paga salários há dois meses e suas contas foram bloqueadas devido a um empréstimo no cheque especial de 70 milhões de dinares (cerca de R$ 2,4 milhões) e dívidas fiscais de 26 milhões de dinares (cerca de R$ 900 mil).
Em 2012, o El Watan tinha uma circulação diária de 163.000 exemplares. Hoje, está em torno de 40.000, mais de quatro vezes menos.
O que está por trás desses fechamentos em série de jornais até então bem-sucedidos? Para além do dramático declínio da liberdade de imprensa no país — a Argélia está na posição 134 de um total de 180 países no índice de liberdade de imprensa da Repórteres Sem Fronteiras, indicando uma "situação difícil" — analistas de mídia argelinos apontam muitos fatores.
Um modelo de negócios dependente de longa data de dinheiro público
Durante as últimas duas décadas, que coincidiram com o governo do presidente Abdelaziz Bouteflika (1999-2019), a mídia argelina esteve repleta de veículos que se beneficiaram amplamente da publicidade do governo. Muitos jornais, incluindo os considerados independentes, construíram seus modelos de negócios em torno da distribuição generosa de espaço publicitário pela Agência Nacional de Edição e Publicidade (ANEP na sigla em inglês).
"Financeiramente falando, não há razões específicas para o fechamento de jornais de língua francesa em comparação com as publicações em árabe", diz Hakim Outoudert, jornalista do jornal diário de negócios Eco Times. "Ambos têm sofrido do mesmo jeito com a escassez de recursos financeiros vindos da publicidade do governo" — concedida pela ANEP — por pelo menos uma década, depois de terem se beneficiado dela com prazer. Como resultado, muitos desses jornais, em vez de optar por sobreviver com muito pouco anúncio do governo mesmo isso significando ter que fazer cortes drásticos na equipe, escolheram fechar de vez.
Por razões econômicas e políticas, muitos jornais ficaram de mãos atadas diante do esgotamento gradual da receita publicitária e o acúmulo das dificuldades financeiras.
Uma guinada digital que não aconteceu
Para muitos analistas, os jornais "tradicionais", ou seja, aqueles nascidos depois da abertura democrática, demoraram demais para integrar a nova realidade digital ao seu desenvolvimento. Alguns falam até de uma "guinada digital fracassada". Esses jornais viram sua audiência implodir progressivamente e se mudar para as redes sociais, uma fonte mais atrativa de notícias, principalmente para as gerações mais novas.
Além disso, a chegada tardia de métodos de pagamento eletrônicos na Argélia impediu que esses jornais monetizassem seu conteúdo online e se beneficiassem financeiramente de novas fontes de receita. Apesar de os números terem melhorado nitidamente nos últimos dois anos, o pagamento eletrônico ainda é amplamente insuficiente no país.
O fator linguístico
Outros colocam a culpa dos problemas da imprensa argelina em língua francesa no declínio do idioma de Molière no país. Hakim Outoudert cita "o drástico encolhimento da audiência francófona na Argélia nas últimas duas décadas."
Uma ligação rápida pode ser estabelecida entre o declínio progressivo do francês na Argélia e a crise que a imprensa francófona está vivenciando; os números de circulação dos jornais em francês têm caído consistentemente nos últimos 20 anos.
E a crise parece não poupar os jornais em árabe também. De acordo com o site Twala, o El Khabar, outro "jornal tradicional", está prestes a reduzir sua estrutura devido a dificuldades financeiras.
Foto por abderrahmane chablaoui via Unsplash.