Em novembro de 2023, a plataforma de jornalismo de soluções sem fins lucrativos Prime Progress deu início a um programa chamado Religion for Change em um esforço para aprimorar a cobertura de pautas religiosas na Nigéria.
O veículo capacitou freelancers em início e meados de carreira e jornalistas de redação com aulas sobre ética e como cobrir questões religiosas, jornalismo de soluções, verificação de fatos e jornalismo de dados. Após o programa, com o apoio do Center for Religion and Civic Culture (CRCC), centro de pesquisa da Universidade do Sul da Califórnia, os participantes receberam pequenos subsídios para produzir matérias sobre comunidades e pessoas que estão resolvendo problemas sociais com base em sua fé e convicções espirituais.
As matérias resultantes exploram as várias formas pelas quais nigerianos cristãos e mulçumanos, inspirados por sua fé, estão resolvendo questões sociais urgentes, conta Kingsley Charles, editor-chefe do Prime Progress.
A inspiração por trás do programa Religion for Change
Em 2019, o jornalista Innocent Eteng participou de um programa realizado pelo projeto Engaged Spirituality, do CRCC, cujo objetivo era entender o papel da fé e da espiritualidade na motivação das pessoas para resolver problemas sociais. "O projeto deu a mim e a outros 29 jornalistas do mundo todo a chance de encontrar e entrevistar cerca de 100 pessoas que se motivam pela fé e espiritualidade para solucionar questões sociais", diz Eteng.
O envolvimento no programa permitiu que o jornalista interagisse com fontes de Serra Leoa, Camarões e Nigéria. A partir das entrevistas, ele produziu mais de dez matérias de jornalismo de soluções.
Essa experiência e as tensões religiosas na maior democracia africana fizeram com que ele desse início ao programa Religion for Change. "Eu acabei entendendo como era importante continuar fazendo esse tipo de pauta porque elas tinham um impacto muito forte na audiência."
Apesar do envolvimento de décadas de grupos religiosos na resolução de problemas urgentes de saúde, educação, economia e outros em comunidades nigerianas de difícil acesso, a grande mídia no país raramente cobre o impacto dessas ações. Em vez disso, a mídia tende a cobrir o lado negativo, mostrando casos de violência religiosa e extremismo, diz Eteng.
Por que fazer cobertura religiosa?
Ao longo do último ano, o Prime Progress publicou inúmeras reportagens aprofundadas sobre religião na Nigéria, no Sudão e no Quênia, em colaboração com várias redações. "O programa Religion for Change está aqui para contar histórias cativantes que mostram o poder das convicções religiosas na geração de mudanças sociais e construção de uma sociedade mais feliz, saudável, pacífica e mais bem nutrida", diz.
Participar do Religion for Change abriu os olhos da jornalista Olayide Soaga, que trabalha no The Guardian. Ela nunca imaginou que iria fazer pautas sobre pessoas que se valem da religião para criar soluções para a sociedade. O programa também a ajudou a desmistificar estereótipos comuns sobre crenças religiosas e a deu mais fundamentos sobre o jornalismo de soluções. "Além de me esclarecer sobre como as pessoas estão usando a religião como um motor para a mudança, o programa mudou minha abordagem usual de reportagem, que era focada em como a religião causa caos e conflitos na Nigéria", diz Soaga.
A matéria que Soaga produziu no programa relata a jornada extraordinária de um sobrevivente de poliomielite no norte da Nigéria que, inspirado por uma jornada bíblica, oferece ajuda gratuita de mobilidade para pessoas com deficiência na região. O trabalho conquistou o segundo lugar do prêmio do Centre for Journalism, Innovation and Development (CJID) na categoria jornalismo de soluções na África Ocidental.
Assim como Soaga, Nathaniel Bivan, ex-editor do HumAngle, diz que o programa o encorajou a questionar o que se enquadra nos dogmas de uma determinada religião. "Para ver mudança por meio da religião, o programa me ajuda a ir fundo e me ensina a ter cuidado extra na cobertura para não pisar em uma religião; me ajuda a ser ousado e mais objetivo."
Ele conta que a experiência envolveu atuar em outras áreas de reportagem e que gostaria de fazer mais pautas sobre religião de agora em diante. A reportagem de Bivan explora como um cantor gospel nigeriano usa sua música para reduzir o vício em drogas em favelas.
Lekan Otufodunrin, diretor-executivo do Media Career Development Network, diz que embora alguns veículos nigerianos venham dedicando espaço a pautas sobre religião, em geral eles ainda precisam fazer reportagens mais rigorosas sobre o tema.
"Às vezes a mídia nigeriana não entende questões religiosas o bastante para interpretá-las bem. Os assuntos religiosos são subestimados ou têm uma cobertura equivocada. Eles cobrem o lado negativo da religião, principalmente quando isso pode gerar tráfego", diz Otufodunrin.
Comentando sobre a iniciativa, o especialista em desenvolvimento de mídia acrescenta que um projeto dedicado a promover a cobertura religiosa vai ajudar jornalistas a entender melhor o tema e a fazer uma cobertura mais precisa. "Jornalistas precisam entender que a religião é uma questão sensível que precisa de uma cobertura cuidadosa para não haver erros que possam vir a causar crises."
Muitos desafios
Além do financiamento ser um desafio, Charles aponta como é limitada a cobertura de religião na grande mídia, pelo menos aquela que tem uma perspectiva de soluções. "São poucos os recursos disponíveis para os participantes do programa ampliarem seus conhecimentos", diz.
Charles e sua equipe esperam expandir o programa Religion for Change para jornalistas de outras partes da África, mas a comunicação é uma barreira.
"O programa é em grande parte limitado a jornalistas da África Ocidental. Na última edição, tivemos um jornalista do Sudão, mas a comunicação não foi simples, e repassar o subsídio para ele foi bem difícil devido a complicações de transações financeiras internacionais", diz, acrescentando que, nos próximos anos, o programa vai não só demonstrar o potencial da cobertura religiosa como também estimular a mídia a adotar esse foco.
Foto por Terren Hurst via Unsplash.