A Espanha aprovou em março uma lei de cotas de gênero que busca aumentar o número de mulheres em cargos de liderança no país. Entre as exigências, a lei determina que partidos políticos devem ter a mesma quantidade de candidaturas de mulheres e homens nas eleições municipais e nacionais.
Depois de meses extraindo e analisando informações de sites parlamentares, documentos e outros registros públicos, o Demócrata — um site jornalístico recém-lançado na Espanha com foco no governo e políticas públicas — publicou uma série de reportagens mostrando que nas sessões gerais do Parlamento, que são as que recebem mais atenção, os homens fizeram quase dois terços dos discursos. As mulheres são sub-representadas em comitês congressistas relacionados a "questões de estado", como defesa, economia e orçamento, mas são a maioria em comitês focados em igualdade, violência de gênero e direitos das crianças.
São reportagens assim que o Demócrata busca oferecer aos leitores na Espanha: jornalismo baseado em dados que ajuda os políticos a prestarem contas. A série em questão, por exemplo, incluiu uma metodologia de como os jornalistas obtiveram e organizaram os dados e o que eles decidiram incluir. (Por exemplo: "Participações com menos de um minuto de duração também foram excluídas. A maioria consiste em juramentos para tomar posse dos assentos, questões de ordem e pedidos de fala... Eles correspondem a menos de 1% do total de intervenções coletadas.")
"Isso traz muita transparência para o processo legislativo", diz Pilar Velasco, jornalista investigativa veterana e diretora editorial do Demócrata. "Quando o ruído da política ocupa a totalidade do ciclo de notícias, cria-se um espaço de opacidade sobre o qual não se fala."
O site preenche uma lacuna na Espanha, que realizará eleições gerais em dezembro. "É um ótimo ano para lançar um veículo focado em política e políticas públicas", diz Eduardo Suárez, chefe editorial do Instituto Reuters para o Estudo do Jornalismo. "A proposta de valor do Demócrata é informar sobre políticas públicas e debates no parlamento com muito mais detalhe em comparação às grandes publicações. Os jornais na Espanha são muito mais focados na política do que em políticas públicas, e isso abre espaço para uma publicação como o Demócrata, cujo objetivo é cobrir os debates sobre políticas públicas com mais nuance e de forma mais granular."
O Demócrata é o único veículo do país que cobre especificamente o Parlamento e políticas públicas diariamente sob a ótica da prestação de contas, de acordo com o mapa da mídia digital ibérica feito pelo Iberifier, uma iniciativa financiada pela Comissão Europeia. (Outra iniciativa na Espanha é o Civio, que foi fundado em 2012 e foca em reportagem de vigilância orientada por dados sobre meio ambiente, atenção à saúde e o Judiciário)
O Demócrata tem uma equipe de sete pessoas. O site é financiado por um investimento inicial de seu conselho administrativo e por publicidade, embora Velasco queria expandir a receita para patrocínios, eventos pagos e assinaturas. O site tem várias editorias: Agenda (um arquivo da newsletter semanal que resume o que vai acontecer no Parlamento na semana seguinte), Actualidad (atualizações e detalhamento de leis e emendas), Políticas (notícias sobre políticas propostas ou em curso), Quieren Influir (reportagens de economia) e uma editoria de análise e opinião. O público-alvo inicial do site é especialistas em política, mas Velasco diz que as matérias são escritas para que o público geral seja capaz de entendê-las também. A newsletter Agenda tem cerca de 2.000 assinantes.
O objetivo do Demócrata é usar sua expertise em dados para fazer matérias que outros veículos não conseguem fazer. Antes do site ser lançado, a equipe de dados passou meses criando o software usado para raspar e analisar dados que, embora tecnicamente sejam públicos, são desorganizados e difíceis de analisar. Quando o partido de extrema-direita do país, o Vox, pediu em março uma moção de censura contra o partido socialista, atualmente no poder, o Demócrata publicou uma análise do histórico legislativo do Vox e descobriu que o partido não tinha aprovado nenhuma lei até então.
Velasco, que foi repórter investigativa na maior rede de rádio da Espanha, a Cadena SER, onde investigou casos de corrupção, vivenciou em primeira mão os desafios de fazer jornalismo de dados para o rádio, onde pode ser difícil mergulhar nos dados. Como bolsista do programa Yale World Fellow em 2018 e uma das fundadoras da Associação de Jornalistas Investigativos da Espanha, ela também viu sites dos Estados Unidos, como o Politico, construírem uma audiência para reportagens aprofundadas sobre política. Quando o fundador do Demócrata David Córdova (que também é diretor de uma empresa de relações públicas, a Vinces) entrou em contato com ela para o projeto, ela viu uma chance de experimentar e tentar algo novo. (O Demócrata é editorialmente independente da Vinces.)
"A missão é o escrutínio permanente das instituições", diz Velasco. "Por meio da supervisão contínua do trabalho de políticos e legisladores, acreditamos que a transparência da informação pode fortalecer a credibilidade institucional. As notícias sobre o Parlamento que geralmente chegam até nós são discussões políticas, declarações, políticos brigando uns com os outros e coletivas de imprensa. Mas o Legislativo é um pilar do Estado onde muitas coisas acontecem para regular a vida em sociedade. É o que nos ordena e nos regula. E tudo isso não estava tendo cobertura na Espanha com a especialidade que merece."
Um dos objetivos de Velasco nos próximos meses é continuar o trabalho já em andamento de uma plataforma que vai monitorar atualizações em tempo real de cada peça legislativa no Parlamento. Em seguida, ela espera lançar um chatbot que possa responder perguntas dos leitores. O Demócrata também fez uma parceria com o Political Watch (um grupo de acadêmicos que monitoram o Parlamento), com o estúdio de design Flat26, e com o think tank Ethosfera, que está ajudando o site com suas próprias políticas de ética e transparência.
"Nós sentimos que somos meio que um hub para pessoas que já têm ideias inovadoras sobre informações do parlamento", diz Velasco. "Recebemos muitas sugestões de colaboração. Quando se é um veículo pequeno, é preciso usar trampolins para subir de nível e você não consegue chegar lá sozinha."
Este artigo foi originalmente publicado pelo Nieman Lab e republicado na IJNet com permissão.
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