Os dados se tornaram o ponto de partida para os jornalistas na linha de frente da crise dos refugiados do clima. Eles mostram aos jornalistas emergências climáticas em zonas quentes como o Sul da Ásia e a América Central e pessoas enfrentando sofrimento e desespero.
Jorge A., agricultor guatemalteco, perdeu sua plantação de milho para as enchentes. Ele plantou quiabo, mas a seca acabou com tudo. Ele temia que, se não tirasse sua família dali, eles também pudessem morrer.
A história de Jorge foi contada em detalhes fascinantes em uma investigação orientada por dados feita em 2020 pela ProPublica em parceria com a The New York Times Magazine. Apresentada como um ensaio visual, a reportagem "A Grande Migração Climática Começou" explorou como mudanças nos padrões populacionais podem levar a catástrofes e citou cenários de como essa crise pode se desenrolar.
A parceria, que teve apoio do Pulitzer Center, tinha uma estratégia abrangente: modelar, pela primeira vez, como refugiados do clima se movimentam nas fronteiras internacionais. O modelo orientou as descobertas dos jornalistas e "possíveis caminhos gerais para o futuro".
"Se a fuga dos climas quentes alcançar a escala que a atual pesquisa sugere ser provável, vai ser o equivalente a um vasto remapeamento da população mundial", escreveu Abrahm Lustgarten, repórter ambiental sênior da ProPublica e principal autor da investigação.
Cientistas do clima soaram o alarme há décadas. Uma amostra da evidência:
- A Agência da ONU para Refugiados (ACNUR) chama a mudança climática de "crise definidora do nosso tempo [...] que pesa desproporcionalmente contra as pessoas mais vulneráveis do mundo". Os refugiados do clima frequentemente são descritos como "as vítimas esquecidas do mundo";
- O Instituto para Economia e Paz (IEP na sigla em inglês), laboratório de ideias internacional com sede em Sydney, na Austrália, estima que 1,2 bilhão de pessoas podem ser desalojadas no mundo todo até 2050 devido à mudança ambiental. O IEP mantém um Registro de Ameaça Ecológica que mede os riscos climáticos que os países enfrentam e projeções para o futuro;
- Um estudo recente no periódico Proceedings of the National Academy of Sciences avaliou que o planeta pode ter um aumento na temperatura nos próximos 50 anos maior do que o que houve nos últimos 6.000 anos.
"O problema da migração induzida pelo clima é universal. Ele vai afetar tudo. O custo de resistir à nova realidade climática está aumentando", diz Lustgarten. Ele prevê que o impacto da mudança climática "quase que certamente será a maior onda global de migração que o mundo já viu".
Redefinição da objetividade na reportagem climática
Jornalistas assumiram uma posição para cobrir o tema do clima. Sua visão sobre o que constitui uma "reportagem equilibrada" mudou da objetividade do "ele disse, ela disse" para a abordagem do "peso da evidência".
Pesquisadores reclamam que a mídia distorce consensos científicos sobre a mudança climática com reportagens de "falso equilíbrio" ou "doisladismo", dando aos negacionistas do clima muito a dizer.
Uma pesquisa do professor de psicologia da Universidade Northwestern David Rapp lança luz na controvérsia. Experimentos testaram como as pessoas reagem quando duas visões sobre a mudança climática são apresentadas como igualmente válidas, mesmo que um lado seja baseado em consenso científico e o outro em negação.
"A descoberta mais importante, na minha opinião, é que a exposição a pontos de vista sem comprovação, apresentados como alternativas razoáveis, pode ser problemática. Fazer com que dois lados pareçam ter evidência e apoio análogos, quando eles não têm, cria um senso real de falsa equivalência", diz Rapp, que pesquisa linguagem, memória e por que as pessoas são suscetíveis à desinformação.
A solução dele para os jornalistas: "Contemple o fornecimento de uma indicação clara e de detalhes sobre os consensos dos especialistas em relação aos pontos de vista debatidos em vez de apenas apresentar esses pontos de vista por si próprios."
Um estudo sobre a redefinição de equilíbrio feito pela autora sênior da CNN Courtney Perkins concluiu que "jornalistas estão amplamente abandonando o método "dos dois lados" na cobertura do meio ambiente para proteger a exatidão de suas matérias". Ela acrescenta: "Depende de nós, os comunicadores do mundo, transmitir a seriedade da mudança climática para o público na esperança de estimular a ação para lidar com as ameaças existenciais ao meio ambiente."
Expansão da cobertura climática
O jornalismo climático entrou em uma nova fase. O ambiente está presente em todas as editorias, há mais investimento em projetos climáticos e uma demanda maior por especialistas na área. Três jornalistas de dados estão na equipe de clima da Associated Press (AP) composta por 20 pessoas criada em 2022. Dois deles vasculham estatísticas em busca de pautas, o terceiro trabalha com visualização.
"A mudança climática está na interseção de todos os aspectos da vida. Se ela piorar — e está piorando com o aquecimento do planeta — vão haver mais desastres climáticos. Nós sentimos que realmente precisávamos intensificar nossa cobertura", diz Peter Prengaman, diretor de meio ambiente e clima global da AP.
Outros veículos de mídia que expandiram sua cobertura climática recentemente incluem:
- O Washington Post, que triplicou sua equipe de clima em novembro para mais de 30 jornalistas e adicionou a seção "Climate Lab", que usa dados e gráficos para contar histórias. O Post ganhou um Pulitzer Prize em 2020 por uma reportagem explanatória sobre aquecimento global;
- A Deutsche Welle, que recentemente fez parceria com o Covering Climate Now, uma colaboração com mais de 500 veículos jornalísticos;
- A National Public Radio (NPR), que criou uma nova editoria de clima para cobrir "o que pode ser a pauta mais importante da nossa era". Dois repórteres estão encarregados de fazer jornalismo explanatório, ajudando o público a entender as mudanças no planeta.
Há muitos recursos para ajudar os jornalistas a informar sobre a crise de refugiados do clima. Dentre eles:
- Portal de Dados de Migração da Organização Internacional para as Migrações (IOM na sigla em inglês): fornece estatísticas e informações atuais e abrangentes sobre dados de migração em escala global, regional e por país;
- Banco de Dados de Estatísticas da População Refugiada da ACNUR: "contém informações sobre populações em deslocamento forçado [...] incluindo refugiados, pessoas em busca de asilo e pessoas internacionalmente desalojadas";
- Banco de Dados do Clima do Sul Global: banco de dados em que se pode buscar cientistas e especialistas em mudança climática criado pelo Carbon Brief e pela Rede de Jornalismo Climático do Instituto Reuters em Oxford. Jornalistas podem entrar em contato com cientistas da Ásia, África, América Latina e Pacífico;
- Covering Climate Now: fornece recursos para cobrir o meio ambiente, dicas e exemplos de reportagens em várias categorias, incluindo justiça climática, soluções para o clima e superação de emergências.
Este artigo foi adaptado de uma matéria originalmente publicada no datajournalism.com. Ela foi editada e republicada na IJNet com permissão.
Foto por Mike Erskine via Unsplash.