Como jornalistas podem acessar imagens de satélite de alta qualidade

por Rowan Philp
Feb 10, 2025 em Reportagem de meio ambiente
A satellite in space.

Repórteres agora podem acessar e baixar imagens de satélite boas o bastante para distinguir construções específicas em praticamente qualquer lugar da Terra — em questão de minutos, sem nenhuma habilidade especial e totalmente de graça.

É claro que ainda não há garantia de que as imagens que você quer vão ser exatamente da data que você precisa ou que elas não vão estar encobertas por nuvens. 

Mas especialistas dizem que o fato de que qualquer repórter, em qualquer lugar, pode facilmente pegar um imagem de qualquer local usando plataformas de fonte aberta, para uma gama cada vez maior de pautas, representa um divisor de águas para jornalistas, principalmente para aqueles que trabalham em redações com menos recursos.

Essa foi uma das principais conclusões de um webinar recente da Rede Global de Jornalismo Investigativo (GIJN) sobre como obter imagens de satélite gratuitas para investigações. O evento teve a participação de três especialistas: Carl Churchill, repórter de infográficos no The Wall Street Journal, Yao-Hua Law, premiado jornalista ambiental malaio, e Laura Kurtzberg, especialista em visualização de dados e ex-engenheira de aplicações na Descartes Labs, empresa de satélites comerciais. O webinar em si refletiu o vasto apetite de jornalistas por dicas sobre acesso a informações de satélite: 616 pessoas de 114 países acompanharam o encontro, tornando-o um dos webinars mais populares da história da GIJN.

Para resumir essa nova realidade, Churchill disse aos participantes: "a maioria dos dados de satélite são gratuitos, abertos e globais". Mas uma segunda conclusão importante a que chegaram os repórteres é que imagens de satélite caras e de altíssima resolução produzidas por fornecedores comerciais — imagens boas o bastante para distinguir um carro na foto — também podem ser obtidas gratuitamente, se você souber como pedir.

Especialistas dizem que há uma percepção equivocada entre muitas redações com poucos recursos segundo a qual este tipo de evidência forense é limitada a contratos de exclusividade ou a habilidades avançadas de dados de fontes abertas, e que empresas privadas de satélite não são receptivas a solicitações de dados gratuitos feitas por veículos que eles não conhecem.

"As pessoas supõem que uma grande redação dos EUA tem muitos segredos e ferramentas caras para acessar imagens de satélite, mas na verdade nós não temos", explicou Churchill. "A maior parte das coisas que usamos são exatamente as mesmas ferramentas disponíveis para todo mundo."

Embora existam vários portais públicos bons como o NASA WorldView e o EO Browser, Kurtzberg explicou que, na maior parte dos casos de uso de imagens de satélite, tudo o que repórteres precisam são apenas duas ferramentas de fonte aberta fáceis de usar: Google Earth Pro e, principalmente, o recém-lançado Copernicus Browser (quem está familiarizado com o EO Browser pode ver neste link como ele se diferencia do Copernicus Browser).

 

A map
No mapa acima, que revela o alcance global dos dados de satélite gratuitos, as áreas em verde correspondem àquelas que são capturadas pela constelação de satélites Sentinel 2, em resolução de média para alta, a cada cinco ou seis dias. Imagem: Agência Espacial Europeia

 

Churchill observou que os mosaicos processados pelo Google Earth incluem, na maioria das vezes, imagens de resolução muito alta que podem ajudar repórteres a entender características detalhadas de um terreno e mudanças ao longo do tempo, mas a ferramenta não permite controle direto do repórter sobre imagens individuais.  

A apresentação do jornalista focou na ferramenta Copernicus, da Agência Espacial Europeia, em partes porque, diferentemente do Google Earth, o Copernicus permite que os usuários baixem imagens individuais.

Usando como estudo de caso uma mina de ouro fechada na fronteira entre o Senegal e o Mali, ele mostrou o seguinte aos participantes:

  • O Copernicus usa como padrão a excelente constelação de satélites Sentinel 2, que mostra imagens de resolução média a alta de 10 metros e retorna aos mesmos lugares semanalmente — na maioria dos casos, pela manhã no horário local. Você provavelmente não vai precisar de um recursos alternativo ou de nenhum conhecimento técnico sobre as diferentes capacidades dos satélites. "Qualquer imagem com resolução de 10 metros por pixel ou superior provavelmente está disponível gratuitamente", observa Churchill. "Isso é qualidade mais que o suficiente para distinguir prédios e fácil o bastante para analisar tendências de desenvolvimento territorial." 
  • Se você clicar no ícone de nuvem do Copernicus no menu principal, vai encontrar uma barra deslizante de cobertura máxima de nebulosidade que, de forma surpreendente, permite que você veja imediatamente em quais dias o satélite capturou uma área específica com o nível de nebulosidade que você preferir, por meio de um calendário (você pode tentar a sorte e buscar dias com céu mais aberto deslizando a barra para a esquerda). Basta clicar em uma data e esperar um pouco para carregar a imagem pronta para ser baixada.
  • As barras de frequência no menu permitem a visualização fácil de opções, como cor falsa.
  • Ao identificar uma localização usando coordenadas ou o nome do lugar, você pode simplesmente dar um zoom e se orientar clicando nas camadas de dados sobrepostos, como estradas e fronteiras, usando os rótulos na aba que fica no canto superior direito. 
  • Clique no ícone de download no menu do lado direito do Copernicus para baixar imagens no formato JPG. O arquivo vai incluir dados de data e hora, créditos e quaisquer rótulos adicionados. Apenas não se esqueça de publicar os créditos informados. Para uma análise mais avançada, Churchill observou que, considerando que você tenha primeiro criado uma conta no Copernicus, você também pode clicar na aba de dados de análise para criar um arquivo TIFF com dados detalhados, que depois podem ser processados em softwares de dados como o QGIS.

Uso de imagens de satélite como uma ferramenta estratégica para a reportagem de campo

Embora o público esteja mais acostumado a ver imagens de satélite mais frequentemente em matérias sobre guerra e desmatamento, Law enfatizou que imagens gratuitas de satélite oferecem muitas outras aplicações, como em assuntos com pouca cobertura e até em estratégias de reportagem.

Por exemplo: repórteres que estão prestes a ir para locais pouco conhecidos podem facilmente explorar a área no Copernicus antes de sair da redação, observando obstáculos, condições do terreno, oportunidades de pauta inesperadas ou opções de deslocamento e potenciais rotas de evacuação. 

Law deu como exemplo uma área de floresta que ele visitou na Malásia. A região estava em branco no Google Maps, mas em uma busca no Copernicus ele encontrou rotas, obstáculos e distâncias precisas.

"Eu disse ao meu guia local: 'isso aqui é o que nós vamos encontrar' e durante a viagem ele ficou muito surpreso por eu saber disso", lembra. "É muito útil pra mim. Se eu estiver indo a um lugar que não me é familiar, eu certamente vou verificar a imagem de satélite antes."

Outros usos criativos incluem:

  • Verificação de declarações. "Quando uma empresa alega que fez algo em um área remota, podemos usar essas imagens para verificar se é verdade", explica Law.
  • Medição de declives. O Copernicus inclui um recurso impressionante de relevo. Você pode desenhar uma linha na imagem e ele vai gerar um gráfico lateral com os declives ao longo daquela linha. Isso pode ajudar em análises topográficas, por exemplo confirmando que um detalhe na imagem é uma duna e não uma cratera. 
  • Passeio virtual por grandes áreas. Law usou o Google Earth e linhas desenhadas a mão para mostrar a vasta gama de negócios e de infraestrutura que seriam afetados por uma proposta do governo de criar uma reserva natural que ocuparia 50 metros em ambos os lados de um rio. 
  • Monitoramento de mudanças no uso da terra ao longo do tempo. Os participantes viram como uma imagem de 2024 sobreposta a uma de 2017 revelava um recuo de 15 metros em uma área litorânea da Malásia, devido à erosão.
Satellite imagery
O Copernicus usa imagens do satélite Sentinel 2, da Agência Espacial Europeia. Imagem: captura de tela, Agência Espacial Europeia

Como enviar solicitações para fornecedores comerciais

Nos casos raros em que sua investigação precisar de imagens de uma data específica ou de uma visão mais nítida de um objeto do tamanho de um veículo, provavelmente você vai precisar de uma imagem com resolução de um metro ou menos, o que normalmente envolve o pagamento de uma taxa. Além de satélites militares, essas imagens em alta resolução são coletadas apenas por empresas comerciais como Planet LabsMaxar TechnologiesAirbus Earth Observation e BlackSky.

Porém, no caso de grandes incidentes globais, algumas empresas enviam voluntariamente aos jornalistas um lote inicial de imagens em alta resolução sobre o acontecimento para uso livre. Mas é preciso que os jornalistas estejam cadastrados na lista de imprensa dessas empresas para receber esse tipo de material.

Em outros casos, você vai precisar pedir a um profissional de comunicação ou marketing dessas empresas uma imagem gratuita. Kurtzeberg, que já ocupou esse tipo de cargo, encorajou os participantes: "com certeza, entre em contato!".

"Vale a pena enviar um email ou preencher o formulário de contato porque, na maior parte dos casos, as empresas estão muito interessadas em ver jornalistas de organizações pequenas, locais e globais usando suas imagens", explica. "Isso ajuda a divulgar a empresa e a criar uma boa impressão."

Kurtzberg recomendou aos repórteres evitar incluir detalhes técnicos demais nas primeiras solicitações, como níveis precisos de resolução ou taxas de nebulosidade.

"Seja educado; descreva o que você espera fazer com a imagem; descreva a sua organização e o projeto incrível que você vai criar; e escreva um email breve", aconselhou. "Tudo bem não conhecer os detalhes técnicos. Muitas vezes, os cientistas nessas organizações vão ajudar com isso e com a sua análise."

Para saber mais sobre o assunto, veja nossas dicas detalhadas sobre solicitação de imagens para empresas preparadas por Kurtzberg e pelo repórter Daniel Wolfeand, do Washington Post, incluindo emails úteis e solicitações relacionadas a imagens de satélite. As informações estão na seção "Lidando com Fornecedores Comerciais" na ficha técnica para obter imagens gratuitas de satélite da GIJN.


Foto por SpaceX.

Este artigo foi originalmente publicado pela Rede Internacional de Jornalismo Investigativo e republicado na IJNet com permissão.