Guerra entre mídia "azul" e "verde" em Taiwan estimula desinformação

Oct 13, 2022 em Liberdade de imprensa
Chiang Kai-Shek Memorial Hall, Taiwan

Democracia jovem desenvolvida sob a ameaça de sua poderosa vizinha, Taiwan ocupa a 38ª posição no Índice de Liberdade de Imprensa da Repórteres Sem Fronteiras. Entre as democracias, tem um dos mais baixos níveis de confiança na mídia. O ambiente de mídia em Taiwan reflete o cenário político do país: há o questionamento dos laços com a China continental e uma divisão em relação ao conceito do próprio país. O resultado é uma sociedade extremamente polarizada. Mas algumas pessoas, principalmente jovens, são uma exceção à regra. 

Este artigo da jornalista Alice Hérait é o segundo da série que explora o tema: "Taiwan: um ambiente de mídia realmente livre?" Leia aqui o primeiro texto.


Os políticos taiwaneses estão apreensivos com a proximidade das eleições municipais e regionais de novembro. Narrativas concorrentes entre a mídia "verde", afiliada ao atual presidente, e a mídia "azul", associada à oposição, usam a desinformação e polarização para criar um ambiente de mídia no qual a informação é constantemente vista por uma lente pró ou antigoverno.

Recentemente, Lin Chih-Chien, candidato do Partido Progressista Democrático (DPP) à prefeitura de Taoyuan, uma das maiores cidades da ilha, foi acusado pelo partido de oposição Kuomintang (KMT) de plagiar sua dissertação de mestrado defendida em 2007.  

"Grande parte do artigo foi pego de uma revista", diz a TVBS, um dos canais mais assistidos da ilha, pró-KMT. Enquanto isso, o popular canal de TV Formosa, pró-DPP, criticou o KMT em sua manchete: "KMT confunde Lin Chih-Chien com Li Meizhen", se referindo a um vereador do KMT também acusado de plagiar seu trabalho acadêmico.

É difícil ir a fundo na história quando os veículos envolvidos publicam informação que favorece seus aliados políticos, ao mesmo tempo em que omitem detalhes inconvenientes. Neste caso específico de idas e vindas, que tem ocupado a mídia taiwanesa desde o começo de julho, a mídia "azul" pró-oposição enfatiza as inconsistências e as palavras exaltadas de Lin Chih-Chien, enquanto a mídia "verde" pró-governo insiste na natureza dramática das acusações do KMT. 

Baixa confiança na mídia

Frequentemente descrita como uma das sociedades mais livres da Ásia, Taiwan é também uma das democracias onde a confiança na mídia tem os níveis mais baixos. "Quando a população taiwanesa assiste a esses canais, ela vê as pessoas defendendo um lado ou outro. Elas não acham que a informação é confiável", diz Will Yang, do veículo independente taiwanês The Reporter, dois meses antes do escândalo envolvendo Lin Chih-Chien.  

O fenômeno vai além dos canais de TV. Fora o jornal Apple Daily, com sede em Hong Kong, recentemente fechado na China e cuja versão taiwanesa está em vias de ser comprada, todas as revistas no país defendem os interesses de um dos dois lados políticos, principalmente quando se trata da política nacional. "Em Taiwan, a liberdade de expressão é muito boa, mas quando você olha mais de perto, há manipulação, publicidade e o aspecto comercial é grande", explica Yang. "O problema é que a mídia é de propriedade de empresários." 

Na ilha de 24 milhões de habitantes, é comum dizerem que se você não for bem-sucedido, você vira jornalista. É uma expressão que mostra o sentimento dos taiwaneses em relação à mídia. Comandada principalmente por grandes corporações, a mídia taiwanesa tem inclinação para o sensacionalismo e a busca de lucro. Isso limita sua habilidade de oferecer informação sem viés e gerar um debate público frutífero.

"Na superfície, o ambiente de mídia é muito livre, nenhum tipo de pauta é proibido", diz Ms. Chen*, repórter veterana de uma revista. "Mas, na realidade, é difícil ganhar dinheiro de contribuições individuais. Tem tanta informação de graça, tanta competição. A mídia depende demais de patrocinadores, investidores privados ou do apoio do governo local ou nacional."

Ela acrescenta que há pouco estímulo à cobertura jornalística sem viés em Taiwan. "Eu acho que se tornou muito comum o governo recompensar, por meio de apoio financeiro, veículos que fazem uma cobertura favorável dele." 

De acordo com Chen, à medida que mais taiwaneses consomem notícias pelas redes sociais, o governo usa os algoritmos para dar destaque ao seu próprio conteúdo. "Nós vemos isso onde eu trabalho: quando publicamos um artigo que promove uma política governamental, ele vai ganhar mais visibilidade sem que a gente faça nada. Achamos que é o governo pagando para promover o conteúdo. Do mesmo jeito, conteúdo que critica o governo não consegue tanta visibilidade."

Chen ainda lamenta: "Às vezes eu sinto que a única opinião válida é aquela que diz 'Taiwan é um país independente e o Partido Democrático Progressista (DPP) é ótimo'."

O DPP, ao qual o presidente Tsai Ing-wen é afiliado, já foi perseguido pela lei marcial quando o KMT governava o país no sistema de partido único. Agora no poder, o DPP goza de popularidade extrema, principalmente entre os jovens. O país tem popularidade no exterior graças, em grande parte, à sua atitude desafiadora em relação a Pequim, que tenta reunificar a ilha ao continente, inclusive com ameaças de uso da força militar.

Desinformação

Informações falsas com origem na China são um problema. Ao mesmo tempo, se tornou um assunto recorrente sinalizado pelo governo taiwanês, inclusive entre membros da maioria presidencial, que tomaram a liberdade de categorizar certas informações desmerecedoras como "fake news". "A desinformação vinda da China existe, mas acho que a crise real é interna", diz Chen.

"Quando o governo está na posição de declarar algo como 'fake news', ele abre a porta para o abuso", disse Steven Butler, coordenador da Ásia no Comitê de Proteção aos Jornalistas, à revista Foreign Policy, em 2020.

"Ao chamar atenção para a desinformação chinesa, o governo cria pressão. Quaisquer críticas a ele estão ligadas à desinformação ou às ameaças externas", diz Chen, que se entristece com o gradual desaparecimento de artigos sobre a China de sua revista. "As pessoas não querem mais ler sobre a China, e acho que isso não é saudável no longo prazo. Temos o direito de não gostar da China, mas precisamos entendê-la."

Com a sociedade se polarizando mais, é cada vez mais difícil para os jornalistas oferecerem informação sólida e imparcial e ao mesmo tempo manter uma renda estável. "Na era digital, a repressão não precisa mais assumir a forma de balas ou cassetetes", diz Chen.


*O nome foi alterado a pedido da jornalista, que não quis revelar sua identidade com medo de que suas críticas pudessem impactar sua carreira.

Foto por Rovin Ferrer via Unsplash.

Este artigo foi originalmente publicado pelo site francês da IJNet.