A comparação entre a pandemia e a guerra, como algumas matérias fizeram no mês passado, é preocupante por muitas razões -- entre elas o quadro distorcido que pode transmitir. O presidente Trump se autointitulou presidente de guerra, não tanto porque ele está lutando contra um inimigo distante, mas porque líderes geralmente recebem apoio dos cidadãos durante uma crise, e isso é algo que ele poderia de ter agora. E Trump não está sozinho: Andrew Cuomo, governador de Nova York, costuma se referir a profissionais de saúde como "tropas", um engrandecimento que provavelmente ajuda a futuras aspirações presidenciais que ele pode ter.
As reportagens noticiosas se referem a "essa batalha histórica", a "guerra ao coronavírus" e, em pelo menos um caso, um artigo publicado pela Al Jazeera usou a manchete "For the West, War Comes Home” [Para o Ocidente, a Guerra Chega em Casa].
O uso de metáforas de guerra em relação a questões de saúde existe há gerações, como Susan Sontag escreveu na The New York Review of Books em 1978. Essa linguagem pode ter o que ela chama de "efeito de distorção", exigindo que as pessoas se unam para derrotar o inimigo, enquanto os especialistas falam "como oficiais cansados da batalha mergulhados em uma guerra colonial interminável". Sontag estava falando sobre os esforços para acabar com o câncer, mas os paralelos com a pandemia são claros.
O problema é que as metáforas podem restringir a forma como vemos a questão, neste caso a pandemia, e pode aumentar as divisões partidárias em um momento em que as pessoas mais precisam se unir. Talvez os jornalistas devam se esforçar mais para encontrar uma maneira mais abrangente de discutir as nuances e a complexidade do que estamos enfrentando agora.
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Eu estive pensando sobre isso por causa de um seminário online recente, no qual conversei com vários fotógrafos conhecidos sobre a cobertura da pandemia, e foi muito fácil comparar o que eles fazem com o trabalho de fotógrafos de guerra. Mas há pelo menos uma grande diferença: na guerra, você não leva o inimigo para casa. Ao cobrir uma pandemia, o vírus pode voltar com você e matar indiscriminadamente. Falamos sobre essas e outras questões no webinário, organizado pelo Resilience Media Project, que faz parte da Earth Institute Initiative on Communication and Sustainability.
O vírus desafiou os repórteres que cobrem essa história a encontrar novas maneiras de fazer seu trabalho enquanto permanecem seguros. No rádio, quando os repórteres agora entram em campo, eles são equipados com varas longas para estender o microfone a um entrevistado a uma distância apropriada. Nos noticiários de TV, realizar uma entrevista ao vivo usando o Skype ou outra plataforma de vídeo online da mesa do âncora tornou-se a norma. Mas para os jornalistas visuais, de foto ou vídeo, é muito mais difícil fazer o trabalho à distância. A fotografia geralmente requer uma conexão entre a câmera e o entrevistado. Trata-se de uma conexão pessoal que precisa de proximidade e tempo. Então, agora, geralmente é o fotógrafo que está em maior risco simplesmente por fazer seu trabalho.
Mas por que eles estão lá fora, nas ruas, correndo o risco para nos fornecer fotos? Bryan Woolston é fotógrafo da Reuters Pictures, da Associated Press e da Getty Images e membro da National Press Photographers Association. "É realmente uma maneira de causar mudanças e fazer com que ações aconteçam em nome dessas pessoas que são afetadas de uma maneira ou de outra pela história -- e para que as pessoas formem opiniões para decidirem sobre o que é certo, o que é errado, o que é real e o que não é. E a única maneira de fazer isso é contar as histórias.”
Para Newsha Tavakolian, uma fotógrafa da Magnum Photos, a cobertura da pandemia em seu país natal, o Irã, foi importante. Mas também apresentou desafios, principalmente por causa de sua saúde. “Eu tenho pulmões muito fracos e tenho asma. Então eu tenho que ter muito cuidado [para] não pegar o vírus”. Também foi difícil no início da pandemia tirar fotos no Irã, por isso, estar na rua era quase impossível. Mas Newsha diz que era importante contar a história de como a pandemia estava afetando seu país: para si e para os outros. "Decidi fazer um ensaio pessoal sobre o auto-isolamento, porque pensei que, talvez mais tarde, muitos outros países passariam pelo que passamos". Ela esperava que suas fotos pudessem guiar esses outros países quando eles começassem a combater o coronavírus. Esse ensaio foi apresentado pela National Geographic.
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A chave, é claro, é estar seguro, independentemente do tipo de trabalho que você está fazendo. Para Newsha, isso significava limitar sua exposição por causa de sua saúde. Alex Majoli, também fotógrafo da Magnum Photos, está na Itália, onde cobriu a pandemia para a Vanity Fair. Ele diz, com pouca hipérbole, que uma das chaves para ele é usar desinfetante de álcool em tudo e jogar muita coisa fora -- como camisas e viseiras -- depois de usadas. "Nós nos higienizamos a cada dez minutos sem motivo", diz ele. “Mesmo quando pago o pedágio da estrada, desinfecto minhas mãos. Minhas mãos estão quase corroídas.
Nem todos os jornalistas estão tirando fotos de pandemia. De fato, muitos, se não a maioria, estão em casa. Thomas Dworzak é um fotógrafo da Magnum em Paris. Ele diz que inicialmente saiu às ruas, mas rapidamente ficou apreensivo. “(Muito) cedo, de alguma forma, senti que quando eu estava lá fora, era quase como... por causa do meu egoísmo. Era incrível estar nas ruas. Estava vazio. Eu estava andando de bicicleta. Estava tirando fotos estranhas de pessoas com máscaras. Mas senti que realmente não adianta nada e não acrescenta em nada. E então, achei que deveria mudar tudo e resolvi ficar em casa.”
Mesmo em casa, ele continuou tirando fotos. "Decidi que gostaria de tentar fotografar todo esse outro mundo que surgiu, que é como [o que] estamos fazendo agora". Thomas está documentando como a pandemia mudou a maneira como nos comunicamos. E ele está usando essa comunicação (conversas por vídeo através de programas como o Zoom e o Skype) para documentar lugares onde as pessoas não podem ir. "É sobre pessoas que vivem em confinamento ou pessoas que estão em quarentena. Agora estou fotografando em um lar para idosos, onde os funcionários estão em quarentena com os residentes há cerca de quatro semanas. Portanto, não há como, mesmo que eu dirija até lá, eles não vão me deixar entrar porque eu os coloco em perigo”. Mas, ao visitá-los por vídeo, ele está documentando um efeito da pandemia que ninguém mais está vendo.
Enri Canaj foi a um hospital na Grécia, onde ele mora, no início da pandemia. "Foi o momento mais difícil que tive", diz ele, por causa do sofrimento lá. Ele diz que fotografar agora é difícil, em parte porque ele tenta fotografar o que é visível. "Na maior parte do tempo, em Atenas, você pode ver pessoas esperando na fila do supermercado, dos correios ou andando com seus cachorros". Mas agora não. "Muitas vezes, as ruas estão quase vazias."
Estar nas ruas pode não apenas representar desafios para a saúde física dos fotógrafos. Trabalhar nessas condições e com um assunto tão difícil de retratar como uma pandemia pode ser estressante. E o estresse a longo prazo pode levar a trauma. Judith Matloff é a autora do livro "How to Drag a Body and Other Safety Tips You Hope to Never Need" [Como Arrastar um Corpo e Outras Dicas de Segurança que Você Espera Nunca Precisar] e trabalha com o Dart Center for Journalism and Trauma. Judith diz que a exposição a circunstâncias extremamente perturbadoras pode levar seu corpo a passar dos limites. "Estamos todos sofrendo um estresse incomum. E isso pode vir da ameaça à nossa vida, ver as pessoas ao nosso redor doentes, o medo constante de adoecer, o auto-isolamento e a perturbação da vida cotidiana, bem como a ansiedade de ganhar dinheiro. E então prefiro descrevê-lo menos como trauma e mais estresse.”
Judith diz que o maior colaborador na construção de resiliência em tempos de estresse é ter redes sociais e contato social. “Então, qualquer coisa que você possa fazer para checar os colegas, meio que para conferir, talvez desenvolver um sistema de amigos muito, muito íntimos. Tenho duas pessoas com quem me comunico, cerca de sete vezes por dia. E assim nos ajudamos a levar. Nós enviamos piadas um ao outro. Estamos constantemente nos checando."
Uma amiga, que faz parte desse grupo, ela diz, está atualmente isolada com COVID-19. Ela diz que agora eles são o seu sistema de apoio. “Você bebeu líquidos? Nós enviamos mensagens engraçadas para ela. Tentamos ter contato com ela diariamente.
Seja você um jornalista fotográfico ou não, nosso webcast oferece um momento de comunidade para ajudá-lo no isolamento, além de ótimas dicas sobre como reduzir o estresse que todos estamos sentindo. Espero que você ouça.
Confira recursos adicionais na versão original em inglês aqui.
Este artigo foi publicado originalmente na State of the Planet do Earth Institute da Universidade Columbia e reproduzido na IJNet com permissão.
Imagem principal sob licença CC no Unsplash via Ailbhe Flynn.