Sim, é bom ter um proprietário bilionário com paciência, mas é ainda melhor ter um proprietário bilionário com visão.
E a visão do proprietário do Washington Post, Jeff Bezos, é que uma organização de notícias tem que tornar o seu trabalho disponível gratuitamente, em todos os lugares.
Bezos está pedindo aos jornalistas da publicação para adotar os princípios de vendas que ele aprendeu ao longo dos anos na gestão do site Amazon, o maior varejista online dos EUA em praticamente tudo.
E o homem que está colocando essa visão em prática é Emilio Garcia-Ruiz, editor-chefe do Post para digital.
Um conceito fundamental na estratégia de varejo é o funil de vendas, Garcia-Ruiz disse em seu discurso de abertura no dia 10 de março na Conferência de Jornalismo Digital em Huesca, Espanha. A ideia é obter o maior número de pessoas possível para provar o seu produto (em jornalismo, é compartilhando nas redes sociais), levá-los a pagar por um produto e, em seguida, torná-los compradores que retornam para produtos de maior valor. Em cada fase, o pool de clientes é menor, mas gasta mais.
A chave no sentido do negócio, disse Garcia-Ruiz, é manter em expansão o pool [de clientes] no topo do funil, assim como a Amazon tem feito no varejo. E do ponto de vista do jornalismo, a chave é mesclar o melhor do jornalismo com a melhor tecnologia para fazer com que as pessoas voltem mais.
Garcia-Ruiz se dirigiu ao público de 400 pessoas em espanhol fluente que aprendeu com seus pais, ambos nativos da Espanha, que imigraram para os EUA na década de cinquenta. [Mas às vezes ele teve que perguntar ao moderador palavras em espanhol para alguns termos de jornalismo, como manchete (titular), redação (redacción) e prazo (hora de cierre).]
O Post tem sido criticado por adotar uma estratégia semelhante ao BuzzFeed de buscar o compartilhamento viral, em parte atraindo tráfego com manchetes quentes. No entanto, isso funciona. Garcia-Ruiz e sua equipe comemorou ter ultrapassado o New York Times no tráfego total nos últimos meses.
Realidades duras para as editoras
Entre as novas realidades para os meios de comunicação tradicionais como o Post, disse Garcia-Ruiz, são que os modelos tradicionais de jornalismo, representados pela primeira página e página inicial, não importam no mundo digital:
- Apenas 20 por cento do público digital do Post vem para a home page; 80 por cento chega através de redes sociais, buscas e boletins de e-mail
- 70 por cento do público do Post está acessando notícias através de dispositivos móveis, principalmente smartphones
- A edição impressa está perdendo assinantes rapidamente -- quase um quarto do total, em apenas dois anos, segundo uma estimativa -- enquanto que o público digital está crescendo rapidamente
Por essas razões, o Post está abraçando estas novas realidades criando conteúdo para ser compartilhado nas redes sociais e reformatando o seu jornalismo investigativo para ser exibido melhor em dispositivos móveis.
Alguns consideram que isso significa ceder demais para o público ou render-se às grandes plataformas de tecnologia -- Facebook, Google, Microsoft, Apple e outros. Muitos no jornalismo estão preocupados com as implicações da tendência para a imprensa em seu papel como o "Quarto Estado", um contrapeso ao poder e "cão de guarda" para a sociedade (uma preocupação melhor expressa por Emily Bell da Universidade de Columbia em uma palestra recente).
Manchetes melhores
Às vezes, nós no jornalismo nos levamos muito a sério, disse Garcia-Ruiz, e isso nos leva a cometer erros, como escrever títulos chatos. Não é um erro escrever algo popular, acredita ele. Ele deu como exemplo a história da mulher na Austrália cujo marido contratou alguns pistoleiros para viajar para a África e assassinar sua esposa, quem ele suspeitava ser infiel.
A manchete na BBC, "Spared by the hitmen with principles" (Poupada por pistoleiros com princípios), perdeu o ponto, em sua opinião -- como fez a manchete de um jornal australiano, "Man who had de facto kidnapped wife in Africa murder plot jailed in Melbourne" (O homem que teve esposa sequestrada em conspiração de assassinato na África preso em Melbourne).
Enquanto isso, a manchete do Post fez com que a matéria fosse a mais popular na história da edição digital, com 7 milhões de visualizações de página: "Wife crashes her own funeral, horrifying her husband, who had paid to have her killed" (A esposa vai de penetra a seu próprio funeral, assustando o marido, que tinha pago para matá-la).
E quanto ao fato de que essa não era uma matéria própria do Post, mas de um serviço de notícias? Mais uma vez, o Post não tem nenhum problema em compartilhar matérias de agências de qualquer lugar do mundo sobre qualquer variedade de tópicos, disse ele. Por que não tornar esta matéria tão interessante quanto possível?
Não é um pecado ser popular. Não é um pecado abraçar as novas realidades. Especialmente porque as formas velhas não estão mais funcionando. A mensagem de Garcia-Ruiz foi claramente a mais envolvente e inspiradora no congresso, e ele foi cercado por membros da plateia depois de sua palestra. Muitas organizações de mídia o entrevistaram. Se você consegue ler em espanhol, confira a cobertura de outras mídias
Cuarto Poder
El Mundo
Eldiario.es
Radio Huesca
El Heraldo de Aragón
Este post foi publicado originalmente no blog News Entrepreneurs de James Breiner e é traduzido para a IJNet com permissão.
Imagem principal sob licença CC no Flickr via Markus Koller - imagem secundária cortesia de Digiday