Disarming disinformation no Brasil: do jornal de uma megametrópole ao coletivo de notícias da Amazônia

por Maria C. Esperidiao, Thayane Guimarães and Julie Posetti
Mar 27, 2025 em Combate à desinformação
Disarming Disinformation report cover image

Os ataques de desinformação contra jornalistas e a mídia de interesse público são atualmente um elemento fundamental do manual do autoritarismo do século XXI. Figuras políticas instigam a cooptação de narrativas ao plantar a desconfiança generalizada nos fatos. Na sequência, as plataformas das grandes empresas de tecnologia "viralizam" a desinformação e a desconfiança nos fatos, infectando o ecossistema de informação, com sérias consequências para todas as democracias. 

O projeto Disarming Disinformation, do ICFJ, mapeou este manual em cinco países: Brasil, Geórgia, Filipinas, África do Sul e EUA. Como parte desse processo, nós estudamos de perto o trabalho inovador de combate à desinformação de veículos emblemáticos e conduzimos pesquisas de opinião pública em cinco países para ajudar a entender como esses ataques afetam a percepção dos jornalistas e a mídia de interesse público em cada veículo. Nós queríamos entender como aqueles que dizem a verdade podem reagir com mais eficiência.

Neste mês, nós publicamos o primeiro estudo do projeto: Disarming Disinformation: Brasil. Este país vasto, que ainda está se recuperando da presidência autocrática de Jair Bolsonaro, pode ser visto como um farol para abordagens criativas na defesa da integridade da informação em meio a um mar de mentiras.

Para este estudo, membros da nossa equipe se integraram ao jornal mais influente do país, Folha de S. Paulo. Eles também viajaram de barco na Amazônia para chegar a comunidades que são cobertas pelo Tapajós de Fato, pequeno coletivo de jornalismo digital, para saber como os esforços de combate à desinformação funcionam para chegar a populações remotas. 

Uma das nossas principais conclusões: no contexto de campanhas difamatórias anti-imprensa, protocolos de segurança inadequados atrapalham os esforços para realizar investigações e cobertura eleitoral, aumentando os riscos enfrentados pelos jornalistas. Em veículos pequenos, particularmente, jornalistas muitas vezes não têm proteção física, legal e psicológica adequada para lidar com ataques híbridos.

"Eu fiquei aterrorizado e tive crises de ansiedade. Fiquei em casa no mínimo uns seis dias; não saí de casa", relembra João Paulo de Souza, jornalista do Tapajós de Fato. "Desde que passei a trabalhar como repórter, fiquei um ano sem visitar minha mãe, que mora perto; eu quero protegê-la e à toda minha família."

Mas os jornalistas do Tapajós de Fato persistem, apesar dos sérios riscos. Eles buscam colaborações com organizações comunitárias com o objetivo de aprofundar o impacto do veículo e de ganhar a confiança dos administradores de terra tradicionais da Amazônia, que têm dificuldade de acessar informações de credibilidade, o que os torna mais suscetíveis à desinformação. Essas comunidades também são alvo de narrativas de desinformação, que os retrata como improdutivos, plantadas por empresas que querem tomar as terras ocupadas por eles. 

Abordagens semelhantes de construção de comunidade por meio de novas atividades de letramento de mídia estão em curso na Folha, juntamente com uma cobertura de responsabilização das grandes empresas de tecnologia. Os métodos incluem monitorar se as plataformas online seguem suas próprias regras de moderação de desinformação (nas plataformas em que ainda há regras), acompanhar o progresso de esforços regulatórios e de lobby e abordar diretamente as fontes de desinformação. "Nós deveríamos verificar também o que as plataformas estão fazendo a respeito disso? O que a lei diz sobre isso? Como isso está viralizando?", pergunta Patricia Campos Mello, da Folha, explicando que o jornal não se limita a tentar entender o contexto político da desinformação. "Outra coisa que nós monitoramos é quais figuras públicas especificamente estão espalhando esse conteúdo de desinformação." 

Nossa pesquisa nacional de opinião, realizada em agosto de 2024 com uma base de 1.003 participantes, revelou que a maioria (58%) dos adultos no Brasil sentia-se bastante preocupada em se deparar com informação falsa ou enganosa. Essa descoberta indica uma oportunidade para intervenções editoriais focadas que abordem essa preocupação crescente. Mas também destaca a necessidade de ajudar a minoria considerável que não está tão preocupada em entender o que está em jogo. 

O que complica esses esforços é a nossa descoberta segundo a qual 74% dos adultos brasileiros já se depararam com ataques contra jornalistas ou veículos que pareciam ter a intenção de enfraquecer sua credibilidade. Isso sinaliza para uma exposição significativa a casos de difamação criados para reduzir a confiança na reportagem factual e em comentários embasados. Talvez isso ajude a explicar por que um terço (33%) dos adultos brasileiros não consideram ataques políticos contra jornalistas uma ameaça significativa à liberdade da mídia. 

Por isso, além de intervenções de letramento de mídia e informação, engajamento significativo da comunidade e reportagem investigativa focada na exposição de campanhas de desinformação e de quem as instiga e as transmite, são essenciais esforços editoriais que ajudem as pessoas a entender os riscos que estão na interseção entre democracia, liberdade da mídia e desinformação.

Seis descobertas do projeto Disarming Disinformation: Brasil

(1) A desinformação é um recurso de violência contra jornalistas brasileiros, particularmente aqueles que questionam e expõem narrativas falsas, o que alimenta um ambiente de risco.

Campanhas de desinformação coordenadas rotineiramente envolvem difamações contra jornalistas pensadas para diminuir a confiança na reportagem factual, expondo-os a um risco aumentado. Nossos entrevistados descreveram ameaças de violência física e ataques contra sua propriedade e animais de estimação. Essa ameaça física é alimentada por narrativas onipresentes anti-imprensa, campanhas de difamação e violência de gênero facilitada pela tecnologia.

(2) Evitar o "doisladismo" e "chamar uma mentira de mentira" são estratégias de combate à desinformação.

Há um movimento para reenquadrar o conceito de objetividade a fim de evitar o falso equilíbrio na cobertura e exemplos de novas diretrizes editoriais que empregam linguagem mais "honesta", como descrever o ato de políticos espalhando falsidades deliberadamente como "mentir".

(3) O trabalho inovador do Tapajós de Fato no combate à desinformação é caracterizado pela "escuta profunda" e engajamento comunitário expressivo, enfatizando problemas e comunidades que não são tratados pelos grandes veículos.

Este esforço é operado por jornalistas nascidos ou criados na região da Amazônia. Eles usam suas conexões com líderes de movimentos sociais para tratar da desinformação sobre clima por meio de sessões imersivas e de escuta ativa com membros da comunidade para entender as mudanças ambientais percebidas pelos moradores e como elas impactam sua subsistência.

(4) Estratégias diversificadas de desinformação são mais eficientes do que abordagens isoladas.

Conectar estratégias editoriais, parcerias, métodos inovadores de distribuição de conteúdo e atividades de letramento de mídia pode ser essencial para tratar da desinformação em um país continental com uma população altamente diversa, com boa parte dela vivendo em áreas remotas. Parcerias estratégicas com universidades e organizações da sociedade civil, por exemplo, podem preencher lacunas de recursos. 

(5) Diminuir o uso da tecnologia é uma estratégia necessária para chegar a comunidades com baixa conectividade e vulneráveis à desinformação.

O Tapajós de Fato distribui conteúdo em áudio em pen drives viajando de barco até comunidades offline em áreas remotas. Firmar parcerias com rádios comunitárias locais na região da Amazônia permite que a informação seja reproduzida em alto-falantes.

(6) Programas de diversidade, equidade e inclusão são uma característica das estratégias de desinformação.

Essas estratégias vão desde a implementação de programas de estágio para tratar da ausência de jornalistas não-brancos nas redações à formação de equipes compostas inteiramente por pessoas nascidas nos territórios cobertos pelo veículo. Quando a equipe de um veículo reflete a diversidade das comunidades que ele serve, é mais provável que se confie nele.

No total, nós identificamos 19 descobertas essenciais e 15 recomendações para ação no Brasil. Explore todas elas em detalhes aqui.


Nossa pesquisa Disarming Disinformation recebeu recursos da Scripps Howard Foundation e apoio para a pesquisa de opinião pública por meio do International Fund for Public Interest Media (IFPIM) e a Gates Foundation. Nossos estudos foram publicados em parceria com a City University. 

Os pesquisadores do projeto Disarming Disinformation Nabeelah Shabbir, Waqas Ejaz, Kaylee Williams e Nermine Aboulez contribuíram com este artigo.