Verificação de fatos na Meta: crônica de uma morte anunciada

Jan 14, 2025 em Combate à desinformação
Publicación en Instagram con una etiqueta de información falsa

Ao anunciar no dia 7 de janeiro o encerramento do programa de verificação de fatos nos EUA e sua intenção de "se desfazer" dos verificadores, Mark Zuckerberg, CEO da Meta e um dos homens mais ricos do planeta, deu aos jornalistas o mesmo tratamento que eles costumam receber dos agentes de desinformação. Omitindo que sua própria empresa lançou o programa Third Party Fact Checking para salvar sua reputação após o escândalo da Cambridge Analytica e as denúncias de ingerência russa no Facebook durante o processo eleitoral de 2016, um Zuckerberg cuidadosamente preocupado chamou de "censores" aqueles que trabalharam para limpar suas plataformas nos últimos nove anos e os culpou por enfraquecer a confiança pública nas mesmas.

Para nós que fomos verificadores de fatos a partir de associações com a Meta, a medida não é de todo surpreendente. Em agosto de 2024, em uma carta ao republicano Jim Jordan, presidente da comissão judicial da Câmara de Representantes dos EUA, Zuckerberg lamentou ter "cedido" às pressões do governo Joe Biden durante a pandemia para "censurar" conteúdos virais no Facebook e no Instagram. O CEO não especificou a quais conteúdos fazia referência, mas nós que entrávamos diariamente nas entranhas mais tóxicas de suas redes sociais sabemos que nossas verificações se limitaram a minimizar a viralização de vídeos que incitavam tomar cloro para curar a COVID-19 ou não se vacinar sob o risco de ficar infértil ou desenvolver mutações genéticas.

Mas houve mais sinais. Em 2020, sobrecarregados de incerteza e rumores, nós, verificadores, não tínhamos dificuldade para encontrar conteúdos com desinformação e potencialmente danosos que exploravam o recurso de compartilhamento: a própria empresa nos facilitava o acesso a buscadores internos eficazes nos quais podíamos vislumbrar, quase em tempo real, a evolução de postagens criadas para mentir e manipular. Uma vez escolhido o conteúdo, seguia-se com a verificação do mesmo com pelo menos duas fontes especialistas e uma série de requisitos definidos pela Rede Internacional de Fact-Checking (IFCN).

Em 2022, essas ferramentas não eram nem uma sombra do que haviam sido. Onde antes encontrávamos desinformação cada vez mais tingida com discurso de ódio, de imediato a única coisa visível eram promoções de produtos contra queda de cabelo ou suplementos dietéticos. A plataforma parecia estar criando ativamente barreiras que dificultavam nossa capacidade de cumprir com o serviço de verificação de fatos para o qual nos havia convocado — e pelo qual pagava. Mas ainda tínhamos o CrowdTangle, uma ferramenta externa de monitoramento estupenda, utilizada não somente por verificadores como também por veículos, ativistas e pesquisadores cujo trabalho era alimentado pela escuta social. O Facebook havia adquirido a ferramenta em 2016 e decidiu matá-la em agosto de 2024. 

O fim das intenções

O que Zuckerberg descreveu como "censura" são esforços de seus parceiros verificadores (veículos como PolitiFact, AFP, Chequeado, Aos Fatos, Reuters, Correctiv, Maldita.es, Africa Check, AP e um grande etcétera) para explicar que o HIV existe, sim; que a mudança climática é um fato; e que a fotografia de Vladimir Putin ajoelhado diante de Xi Jinping foi criada com inteligência artificial. Estes parceiros não eliminam conteúdo das plataformas da Meta; eles colocam avisos nas publicações alertando que elas contêm informação falsa ou enganosa, ação que imediatamente limita sua viralização. O que ocorre a partir daí é decisão da gigante tecnológica: pode tirar do desinformador o direito de postar por alguns dias, encerrar a conta por completo ou não tomar nenhuma ação.

O programa Third Party Fact-Checking não é perfeito. A desinformação muitas vezes é compartilhada de maneira inocente. Há informação falaciosa que não é prejudicial e há informação errônea que não merece receber o mesmo tratamento que o conteúdo falso criado para enganar, manipular e de quebra ganhar cliques e dinheiro. Além disso, o sistema de apelação oferecido pela empresa, que permite reverter uma qualificação de "falso" ou "parcialmente falso" é complicado e pouco intuitivo, o que pode deixar os usuários que desejam fazer uma reclamação em uma posição de impotência. 

E há também a questão dos políticos: a Meta não permite a verificação direta de afirmações ou discursos de políticos, portanto as publicações dos mesmos no Facebook, Instagram ou Threads, que costumam ter uma tração enorme, não podem receber selos de advertência mesmo que digam coisas disparatadas ou polarizantes, como a afirmação de que o salário mínimo na Argentina é de US$ 1.100 (é menor que US$300) ou que há países que "esvaziam suas prisões e instituições mentais" nos Estados Unidos, para não mencionar permissões mais flagrantes e amplamente denunciadas, como a carta branca que o Facebook deu ao ex-presidente filipino Rodrigo Duterte para justificar com uma torrente de mentiras sua campanha assassina contra o narcotráfico.

Com todos os seus defeitos, e embora insuficiente, o programa de verificação de fatos da Meta era a única contenção contra a desinformação dentro das plataformas da empresa e mostrava uma intenção por parte da mesma de reconhecer e resolver o problema. Agora, no entanto, o que a empresa parece reconhecer é que a desinformação é parte de seu modelo de negócio, às portas de um governo para o qual ela é parte (fundamental) da estratégia política. As notas da comunidade que a empresa busca estabelecer como um suposto mecanismo para "preservar" a liberdade de expressão, emulando o X de Elon Musk, completam um combo virulento com outro anúncio de Zuckerberg destinado a apaziguar os conservadores mais radicais: o de eliminar as "restrições sobre temas como imigração e gênero", o que vai disparar uma intensidade renovada nos discursos de ódio que, de todo modo, já circulam desenfreados em suas redes sociais.  

As medidas do CEO abarcam, no momento, as operações de verificação de fatos nos EUA, mas ninguém se ilude com a possibilidade de a medida não se estender mais além (o próprio disse que seu país era apenas o começo). Este panorama, em que mais uma vez tenta-se culpar o jornalismo por restringir as liberdades públicas, deveria ser uma oportunidade para que a profissão de verificação repense relações menos dependentes das Big Techs, que cada vez mais, com mais frequência, usam o argumento da liberdade de expressão como um meio para seus próprios interesses e que farão o que for para monopolizar o imenso poder político que estão acumulando.


Imagem principal: classificação de informação falsa no Instagram sob o programa Third Party Fact Checking.