Apesar das pressões que acompanharam a cobertura da pandemia, os jornalistas seguem produzindo matérias importantes que mantêm o público informado. Mas ainda há a necessidade de implementar na Índia estruturas e sistemas para proteger jornalistas e permitir que eles façam bem o seu trabalho, argumenta a jornalista Annie Philip, membro da organização Network of Women in Media, India.
Philip se juntou à jornalista Safina Nabi; ao analista de pesquisa na PROTO, Cyril Sam; e a Amrita Tripathi, fundadora e editora do The Health Collective, em um webinar do Fórum de Reportagem sobre a Crise Global de Saúde do ICFJ para apresentar lições sobre a cobertura da pandemia na Índia.
"As empresas jornalísticas na Índia não se importam com seus empregados", diz Sam. "Os jornalistas estão trabalhando por longos períodos com menos horas de folga a cada semana; a maioria está com a saúde mental em frangalhos. A produção de notícias caiu significativamente conforme foram ocorrendo demissões."
Um setor em dificuldades
A mídia na Índia já passava por dificuldades antes da COVID-19, com demissões tendo sido comuns nos últimos cinco anos devido a reformas tributárias, mudanças no setor e desmonetização, explica Sam. A pandemia encolheu o orçamento das empresas jornalísticas, o que resultou em menos reportagens e menos flexibilidade para os freelancers, bem como em pedidos de demissão forçada por parte dos jornalistas, apesar das recomendações do governo contra demissões e cortes salariais.
De 20% a 30% de toda a equipe editorial em meios de comunicação de todo o país foi demitida e a redução nos salários se tornou mais que uma norma, continua Sam. A circulação de jornais também caiu 40% em comparação com o período pré-pandemia, especificamente entre as publicações em inglês fora de cidades grandes como Mumbai e Delhi. Os jornalistas de idiomas regionais foram afetados ainda mais e muitos tiveram que reduzir seu trabalho, ele acrescenta.
"O tipo de pressão sofrida pelos jornalistas na Índia nunca foi fácil. As demissões tornaram tudo mais estressante", diz Tripathi.
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Trabalhando diante de riscos à saúde
Apesar de o governo indiano ter determinado que os jornalistas são trabalhadores da linha de frente e de alguns estados terem criado sistemas de seguro e tratamento para proteger os profissionais, mais precisa ser feito, afirma Philip.
A organização Network of Women in Media, India fez uma lista de jornalistas e profissionais de mídia indianos que morreram durante a pandemia para homenageá-los. A organização também reuniu demandas para o governo e para a sociedade em geral, expressando as preocupações pela saúde e bem-estar dos jornalistas. As demandas incluem vacinação como medida prioritária, condições de trabalho flexíveis, proteção legal, equipamentos de proteção individual e seguro.
"Estresse e medo — o medo de contrair a COVID-19 e transmiti-la para os familiares é um medo real dos repórteres na linha de frente", conta Tripathi. "Jornalistas e fotógrafos freelancers são ainda mais vulneráveis apesar de terem a liberdade de escolherem seu trabalho", completa Philip.
Há pouca proteção inclusive em outros contextos hostis de reportagem para além da pandemia. Como resultado, muitos passaram a trabalhar para publicações estrangeiras. Faltam credenciais, equipamentos de proteção e até mesmo apoio de associações locais de imprensa, afirma Nabi.
Nabi e sua família contraíram o vírus durante a segunda onda da pandemia na Índia. Ela explicou como não foi capaz de processar seu luto, enquanto vivia o trauma diário registrado na mesma época: a segunda taxa mais alta de casos confirmados e a terceira taxa mais alta de mortes por COVID-19 no mundo.
"Eu pensava que era forte, que eu podia cuidar de tudo, lidar com qualquer situação, mas mentalmente eu estava completamente traumatizada", conta Nabi. "Foi um estrago grande, não só físico como mental, porque como jornalista fazendo essa cobertura, eu também sentia a dor. Vai levar muito tempo até que eu consiga sair desse sofrimento mental."
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Trabalhando em meio a um trauma
O debate sobre a saúde mental está mais frequente, assim como reportagens sobre o assunto. Porém, na Índia, aparentemente, ele ainda está limitado ao conteúdo jornalístico em inglês e carece de redes de apoio para abordar os problemas, afirma Tripathi.
"A segunda onda realmente afetou com força muitas pessoas e é aí que entra mais uma camada de complicações", ela diz. "À medida que as empresas demitem as pessoas e há tanta competição... você é forçada a trabalhar mais horas. Mas a pressão de ter que fazer tudo isso sem um momento para processar a sua dor... você não está mais relatando as histórias, mas sim vivendo uma crise durante o último ano e meio."
Em meio a essa dor acumulada, trauma secundário e burnout, os jornalistas não conseguem tomar conta de si mesmos e as redes de suporte estão socialmente distantes ou às vezes sequer existem. Além disso, não há acolhimento para falar sobre essas questões nem um lugar para buscar ajuda, e há o estigma em torno não só da saúde mental e da doença, mas também do medo de contrair o vírus, diz Tripathi.
Com a indústria da mídia abalada em suas estruturas, os jornalistas estão ajudando a si mesmos. Organizações como o The Health Collective criaram uma linha direta para falar de saúde mental. "Eu fui muito privilegiada de ter tanta gente ajudando", conta Nabi.
No entanto, o ônus não deveria ser individual — e mesmo assim as empresas jornalísticas estão longe de priorizar a saúde mental como uma responsabilidade coletiva. "O desafio é como você pode fazer disso algo mais estrutural", afirma Tripathi. "Há coisas muito simples que você pode fazer para proteger a saúde mental dos seus empregados. Este é o momento para começar a fazer isso".
Foto por Naveed Ahmed no Unsplash.