Nos recém-lançados Pandora Papers, o maior trabalho colaborativo de reportagem do mundo, mais de 600 jornalistas analisaram milhões de arquivos para expor como políticos, empresários, celebridades e outros escondem seu dinheiro.
As reportagens resultantes revelaram, dentre outras coisas, como um conhecido doador de campanhas políticas do Reino Unido se envolveu em um grande escândalo de corrupção na Europa; como a família que está no poder no Qatar se livrou de milhões de libras em impostos na compra de uma mansão em Londres; e como o rei da Jordânia usou empresas offshore para financiar uma farra de gastos em propriedades no Reino Unido e nos Estados Unidos. Comandado pelo Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ, em inglês), os Pandora Papers seguem os passos dos Panamá Papers, de 2016, e dos Paradise Papers, de 2017.
Na semana passada, a presidente do ICFJ, Sharon Moshavi, falou com três vencedores do ICFJ Knight International Award — Pavla Holcová, jornalista investigativa da República Tcheca e fundadora do Centro Tcheco de Jornalismo Investigativo; Joseph Poliszuk, três vezes finalista do Prêmio Latino-americano de Jornalismo Investigativo e cofundador do Armando.info, da Venezuela; e Umar Cheema, repórter investigativo paquistanês do The News International e fundador do Centro de Reportagem Investigativa do Paquistão — sobre a participação deles nos Pandora Papers.
O trabalho de Holcová ajudou a revelar como o primeiro-ministro tcheco Andrej Babis transferiu milhões de euros para empresas offshore para comprar propriedades de luxo na França; Poliszuk fez parte da equipe que lançou luz sobre o escândalo de corrupção da Odebrecht na América Latina; e o trabalho de Cheema revelou como membros-chave do círculo mais próximo do primeiro-ministro paquistanês Imran Khan são proprietários de empresas e fundos com fortunas ocultas.
Os painelistas deram insights sobre o papel crucial que a colaboração desempenhou neste projeto e sobre a importância da discrição durante uma investigação tão sensível e com essa magnitude. Eles também deram dicas sobre como equilibrar vida pessoal e profissional durante a participação em um projeto de reportagem de larga escala e como questionar tudo impulsiona o avanço da sua investigação.
Confira os pontos principais:
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Trabalhar em equipe é fundamental
Historicamente, jornalistas têm uma veia independente. Este é cada vez menos o caso nos dias de hoje. A colaboração entre muitos jornalistas foi fundamental para realizar uma investigação da magnitude dos Pandora Papers.
"Crescemos numa época em que pensávamos que um jornalista pode fazer muita diferença, mas, no mundo em que vivemos, encaramos desafios enormes que não são tarefa para uma única pessoa", disse Cheema. "Mais colaboração significa um impacto maior."
A capacidade dos Pandora Papers de expor crimes financeiros complexos em escala global se deve amplamente à colaboração transfronteiriça iniciada entre jornalistas e redações. Foi necessário ter jornalistas de mais de 100 países trabalhando juntos para esmiuçar cerca de 12 milhões de arquivos de 14 empresas offshore para expor as práticas financeiras secretas dos poderosos e da elite mundial.
"Os códigos do jornalismo investigativo estão mudando e isso é incrível porque se o crime é sofisticado, então eu acho que temos que nos organizar e definir um novo jeito de investigar", disse Poliszuk.
Discrição é primordial
Quando se trabalha em investigações, é importante não fazer nada que irá comprometer a reportagem ou a sua segurança. Discrição é crucial, inclusive com suas fontes.
"Você precisa mesmo estar ciente do fato de que quanto mais pessoas souberem daquilo em que você está trabalhando, mais você pode estar se colocando em risco", disse Holcová. "Especialmente nos estágios iniciais, quando você ainda está tentando entender o que está acontecendo, você não compartilha essa informação."
É importante também assegurar a sua segurança online e a de seus colegas também.
"Segurança digital é muito importante, e o ICIJ sempre pediu para resguardarmos a segurança do nosso trabalho e da nossa equipe. Medidas desse tipo devem ser seguidas o tempo todo, não apenas nesse tipo de projeto", disse Polisuk.
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Equilibrar trabalho e vida pessoal é vital
Participar de uma grande reportagem investigativa pode demandar bastante tempo e traz desafios que podem extrapolar o trabalho. Os painelistas reforçaram a importância de criar uma rotina e determinar quais riscos você está disposto a assumir.
"Todo mundo precisa encontrar algum tipo de equilíbrio entre o trabalho e a vida pessoal para si mesmo ou si mesma. É importante saber qual o nível de risco você quer assumir para fazer um trabalho desses", disse Holcová.
Ela sugeriu perguntar a si mesmo as seguintes questões para ajudar a estabelecer uma perspectiva sustentável diante do seu trabalho:
- Como posso equilibrar os riscos que estou assumindo no trabalho com a minha vida pessoal?
- Estou de acordo com a possibilidade de ser atacado ou perseguido por causa do meu trabalho?
- O que posso fazer para garantir minha segurança e proteger minha saúde mental?
O ceticismo impulsiona a sua investigação
Pode ser difícil determinar o que é verdade e o que não é durante uma investigação. É importante que os repórteres questionem toda e qualquer coisa. Fazer isso vai impulsionar o avanço da sua reportagem.
"Você precisa duvidar de si mesmo e do que todo mundo está fazendo, porque sem dúvida você não consegue seguir adiante. A dúvida é a origem das perguntas e é assim que vamos atrás das coisas", disse Cheema.
Foto por Christine Roy no Unsplash.