Dicas para cobrir grupos de extrema direita

por Rowan Philp
Mar 11, 2021 em Jornalismo investigativo
Manchete em jornal: Grupos pró-Trump invadem o Capitólio dos EUA

Jane Lytvynenko e um colega no BuzzFeed News adquiriram o hábito de experimentar uma nova ferramenta de código aberto todas as semanas durante os períodos de notícias lentas. Como ela diz, foi esse hábito que permitiu à equipe revelar que a rebelião no Capitólio dos Estados Unidos em 6 de janeiro havia sido planejada por grupos de extrema direita durante semanas — poucas horas após o evento.

Em um webinar da GIJN intitulado “Investigando a direita radical: uma perspectiva global”, um painel de quatro jornalistas veteranos com experiência em investigar grupos de ódio extremistas compartilharam dicas e insights práticos sobre como rastrear suas atividades.

Lytvynenko foi acompanhada no painel por Vinod K. Jose, editor executivo da revista The Caravan na Índia; Michael Colborne, colaborador da Bellingcat, que se concentra em grupos de extrema direita na Europa Central e Oriental; e Will Carless, que cobre extremismo para o USA Today.

 

Apesar de representar uma séria ameaça à democracia e à mídia, os painelistas concordaram que a boa notícia para os repórteres investigativos é que os extremistas de direita “realmente não são tão espertos” em ocultar seus rastros digitais. As más notícias: a cobertura pode amplificar inadvertidamente sua mensagem, os repórteres correm o risco de ser assediados ou agredidos e os dados oficiais sobre esses grupos são geralmente tão precários que os repórteres precisam se tornar seus próprios especialistas.

“Esses grupos realmente se espalham pelo globo, indo de supremacistas brancos e gangues neofascistas a fundamentalistas religiosos, até os chamados clubes fascistas de bebida e clubes de luta”, observou Carless, que também atuou como moderador. “E eles estão crescendo digitalmente, ideologicamente, financeiramente, mas suas redes são mal compreendidas, e o jornalismo investigativo nesta área realmente ficou para trás.”

[Leia mais: 6 truques imperdíveis para jornalistas investigativos]

 

As dicas de Carless são:

  • Você precisa ser o especialista. “Tenha muito cuidado ao confiar até mesmo em fontes estabelecidas para definir os grupos e indivíduos que você está rastreando”, disse ele. “Muitas das informações por aí sobre essas pessoas estão simplesmente erradas”. Uma fonte valiosa que ele apontou: The International Network for Hate Studies.
  • Seja cuidadoso quanto à sua segurança digital. Dado o risco elevado de assédio e doxxing (a publicação maliciosa de informações como endereços residenciais, números de telefone e endereços de e-mail) de grupos da extrema direita, é importante seguir ativamente os protocolos de higiene digital, como aqueles listados na planilha de segurança digital de Carless.
  • Não se assuste com os críticos. “Cubro principalmente a extrema direita, mas posso dizer honestamente que a maior parte dos abusos que recebo vêm da extrema esquerda”, disse Carless. “Nossa capacidade de transmitir informações de maneira precisa e justa ao nosso público torna-se limitada no momento em que cedemos a qualquer grupo de pressão política que busca nos ridicularizar ou minimizar. E isso vai acontecer.”

Far Right por GIJN

Jose do Caravan resumiu perfeitamente as características que unem os grupos de direita aparentemente díspares em todo o mundo: “Em poucas palavras, a extrema direita odeia a democracia. Eles são hostis à diversidade e ao consenso. Eles geralmente têm objetivos civilizacionais, ao invés de objetivos políticos temporários."

A revista cobriu, em profundidade, a ascensão e o impacto violento da Rashtriya Swayamsevak Sangh (RSS), a organização nacionalista hindu mais poderosa do país. 

“É provavelmente uma das editorias mais difíceis de cobrir em termos de segurança”, disse Jose. “Eu perdi um editor amigo meu há alguns anos, e dentro do Caravan havia uma colega que foi assediada e dois outros colegas atacados. Quando a extrema direita está no poder, ela multiplica as forças. ”

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As dicas de Jose são:

  • Siga os rastros na web além da organização. Jose observou que a RSS tem pelo menos 60 organizações afiliadas, bem como links para grupos de extrema direita na Europa Oriental e nos Estados Unidos.  
  • Guarde documentos jurídicos e papéis pessoais. 
  • Não se esqueça da história do grupo. “Pode soar como um exercício acadêmico, mas é necessário entender as histórias e o contexto desses grupos para ter uma ideia de seus objetivos de longo prazo”, disse.

Embora a desinformação seja usada por todos os grupos ideológicos, Lytvynenko do BuzzFeed disse que ela foi "transformada em arma" por grupos de direita.

“A desinformação é usada para recrutar e radicalizar em todo o mundo”, disse ela. “Os espaços onde a desinformação se espalha são frequentemente os mesmos espaços onde o planejamento e o recrutamento acontecem.”

A list of tools for fighting disinformation, which can be found at bit.ly/hate-disinfo-gijn

Lytvynenko disse que sua equipe usa qualquer ferramenta de código aberto que funcione, mesmo que seja projetada para setores como marketing ou segurança.

Entre suas principais ferramentas para escavações de extrema direita estão:

  • Pesquisa booleana (modificadores de palavras e símbolos para aprimorar a pesquisa online). “Minha ferramenta favorita é usar operadores de busca em mecanismos de busca para localizar o tipo de informação de que você precisa”, disse ela.
Examples of Boolean search methods
  • Faça buscas no Telegram. “Site: t.me com o caractere curinga de asterisco (Site: t.me/*) é uma ótima maneira de pesquisar o Telegram, que é onde está localizada a grande parte da atividade da extrema direita”, disse ela. “Por exemplo, você pode encontrar muitos canais relacionados a Azov, um dos movimentos de extrema direita na Ucrânia, que você não encontraria com outras ferramentas. Se você usar isso para pesquisar o Three Percenters, um grupo de extrema direita nos Estados Unidos, terá uma visão realmente interessante sobre como eles avaliam novos membros e para onde esses membros vão a partir daí”. Em outra ocasião Lytvynenko disse para GIJN que tgstat.ru era uma ferramenta útil para examinar canais no Telegram.
  • Extensão de Chrome Go Back In Time. “Esta e a extensão Wayback Machine são minhas favoritas de todos os tempos, porque permitem que você, com dois cliques, busque conteúdo removido”, disse ela.
  • OSINTCurio.us. “Eu checo o OSINTCurio.us quase todas as semanas; publica frequentemente tutoriais sobre como conduzir investigações online; novas maneiras de lidar com os mesmos problemas”, disse ela. 

Colborne, que agora foca em extremismo transnacional de direita e nas milícias na Ucrânia, disse que uma estratégia eficaz é procurar diferenças entre propaganda de grupo e mensagens privadas e no apoio organizacional para membros individuais ao longo do tempo.

“O ponto de partida é olhar o conteúdo oficial em seus canais oficiais de mídia social e também ter uma ideia do que os membros de bases pensam”, disse ele. "Tento fazer a distinção entre o palco da frente --a maneira como um grupo quer se apresentar ao público por meio de suas redes-- e os bastidores: o que eles não querem que seja conhecido publicamente."

"O segredo de um movimento como o de Azov na Ucrânia é perceber quando as pessoas parecem perder o apoio de seus líderes e seu conteúdo de repente não é republicado", acrescentou Colborne. “As fontes abertas são úteis para entender as mudanças nos subgrupos associados a um movimento de extrema direita.”

As dicas de Colborne são:

  • Navegue pelos perfis no Instagram. “O Instagram é mais eficaz do que as pessoas imaginam: às vezes pode ficar claro apenas pelos perfis do Instagram o que essas pessoas sentem e como se relacionam com o movimento”, disse ele.
  • Tenha cuidado a focar em indivíduos. “Não costumo escrever sobre indivíduos específicos da extrema direita porque me preocupo que isso lhes ofereça uma plataforma da qual possam se beneficiar”, disse ele. "Mas às vezes você pode." 
  • Colabore para localizar geograficamente imagens das redes sociais. No ano passado, Colborne conseguiu localizar um líder do Rise Above Movement, um grupo de extrema direita dos Estados Unidos, compartilhando suas imagens de mídia social com especialistas da OSINT em Bellingcat. Examinando formações rochosas únicas em uma imagem, eles conseguiram localizar o homem em um local específico na Sérvia. Colborne então usou registros de empresas locais para mostrar que o homem, sob intenso escrutínio legal nos Estados Unidos, estava tentando abrir uma nova base na Sérvia.

Leitura adicional (em inglês)

How Open Source Experts Identified the US Capitol Rioters

My Favorite Tools with BuzzFeed’s Craig Silverman

The Forensic Methods Reporters Are Using to Reveal Attacks by Security Forces


Este artigo foi publicado originalmente pela Global Investigative Journalism Network (GIJN) e reproduzido na IJNet com permissão

Rowan Philp é repórter da GIJN. Rowan trabalhou como repórter-chefe do Sunday Times na África do Sul. Como correspondente estrangeiro, ele cobriu notícias, política, corrupção e conflitos em mais de duas dezenas de países ao redor do mundo.

Imagem principal sob licença CC no Unsplash via little plant