Existem dois fluxos primários de desinformação russa, de acordo com Kristina Gildejeva, pesquisadora de desinformação da Logically. "O primeiro tem como alvo um público doméstico e o segundo é o do exterior", disse ela.
Os dois fluxos são semelhantes, mas seus objetivos divergem. Eles podem ser vistos na cobertura noticiosa apoiada pela Rússia sobre os protestos do Black Lives Matter.
Na Rússia, o objetivo é retratar o país como um porto seguro em comparação com os Estados Unidos. "A mídia nacional russa mostrou que os protestos do Black Lives Matter são muito mais dramáticos e brutais do que qualquer outra mídia", disse Gildejeva. "Por exemplo, uma das principais narrativas era que os EUA estão à beira da guerra civil."
Outra narrativa divulgou que os protestos são o equivalente americano ao Euromaidan, uma revolução que removeu um presidente pró-russo do poder na Ucrânia em 2013-14. "Os protestos do BLM foram retratados como uma revolução organizada, que levará a um golpe de Estado e a um caos ainda maior", acrescentou Gildejeva.
Ao mesmo tempo, a mídia afiliada ao Kremlin minimiza a brutalidade policial, segundo o ativista cívico russo Yury Nabutovski. "Isso ocorre principalmente porque a polícia na Rússia é notória por sua violência contra o povo."
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Questões raciais não resolvidas na Rússia contribuem para um retrato negativo dos protestos, disse Nabutovski. Embora a Rússia tenha uma comunidade negra muito pequena, existe um preconceito significativo em relação aos cidadãos russos não brancos das regiões asiáticas do país.
As mensagens exportadas para o exterior destacam problemas semelhantes, mas com um objetivo diferente: mostrar o Ocidente desmoronando, com os EUA como exemplo. Em contraste, a Rússia é apresentada como uma alternativa mais pacífica e estável.
"A mídia pró-russa na Ucrânia muitas vezes demonizou os manifestantes e enfatizou os saques", disse Yaroslav Zubchenko, jornalista do Detector.Media, uma plataforma ucraniana com foco em mídia.
"[Eles] também chamaram os eventos de 'Black Maydan' ou 'Revolução Negra', acrescentou, referindo-se às "Revoluções coloridas" na Ucrânia e na Geórgia que foram amplamente condenadas pela mídia russa, mas que receberam grande apoio popular nos países onde ocorreram.
"Alguns canais [de notícias] conversaram com russos e ucranianos que vivem nos EUA e perguntaram como eles defendiam suas propriedades e temiam por suas vidas [devido aos saques]", disse Zubchenko. Muitos meios de comunicação exageraram especificamente os comentários dessa comunidade para tornar os protestos mais perigosos. "Dessa forma, as plataformas desacreditam todo o protesto e ignoram o problema do racismo sistemático nos EUA.”
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Não são apenas plataformas pró-russas que capturam as narrativas. O conhecido blogueiro ucraniano Denys Kazansky, por exemplo, comparou os protestos do BLM com os esforços dos separatistas russos no leste da Ucrânia. “A desordem americana é uma reminiscência do evento de 2014 em Donbas. Não tanto por causa dos saques, mas pela falta de sentido e crueldade”, escreveu Kazansky.
Enquanto isso, os meios de comunicação pró-Kremlin, Russia Today (RT) e Sputnik, que administram sites em inglês, compartilharam vídeos de ataques a empresas nos EUA para seus públicos internacionais.
"A cobertura direcionada ao público no exterior está apoiando diretamente Trump ou apenas tenta dividir os democratas", disse Gildejeva. "O objetivo da mensagem é político."
A desinformação também inclui teorias da conspiração. "Vimos um aumento nas teorias da conspiração de que foram os democratas que organizaram tudo", disse Zubchenko. Essas teorias fornecem ao público ucraniano uma imagem de radicais que estão conquistando o controle do governo dos EUA e de manifestantes invadindo o país.
As teorias da conspiração buscam alimentar a paranóia já existente nos EUA, segundo Gildejeva. "Há várias alegações de que o chamado 'deep state' organizou os protestos, ou que os protestos foram organizados para apoiar a vacinação forçada dos americanos", explicou ela. "Basicamente, a técnica é reunir todas as questões tópicas e dolorosas e levá-las ao público dos EUA".
As narrativas ganharam força entre o público americano. Os principais meios de comunicação conservadores dos Estados Unidos captaram essas histórias e as divulgaram. A Fox News informou sobre saqueadores e conspirações por trás do BLM, por exemplo. Um veículo de mídia de assuntos internacionais conservadores, The National, publicou matérias sobre os danos aos monumentos confederados e a ira entre os manifestantes do BLM.
Enquanto as narrativas apoiadas pela Rússia encontram uma base fora da mídia de língua russa, é importante que os consumidores de notícias tomem as ações apropriadas. Execute verificações básicas para checar postagens virais, vídeos e fotos tirados fora do contexto. Verificar os perfis de especialistas comentando sobre o BLM em diferentes mídias é uma boa prática.
Essas narrativas geralmente procuram gerar reações emocionais negativas. Tomar medidas simples como as anteriores pode ajudar a atenuar seus danos.
Anna Romandash é uma repórter premiada da Ucrânia. Ela trabalha como correspondente internacional.
Imagem sob licença CC no Unsplash via Cooper Baumgartner