Ano de eleições presidenciais sempre é turbulento para jornalistas, e no Brasil não é diferente. Já começou conturbado com a condenação de um dos principais pré-candidatos, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a 12 anos de prisão por corrupção. Em seguida, protestos a favor e contra o candidato se espalharam pelo país.
Ainda não se sabe se realmente Lula vai ser preso, mas nas redes sociais já circulam um mandado de prisão falso, um vídeo da prisão que traz um vírus para roubar dados bancários, além de informações imprecisas, exageradas e falsas por todos os lados.
Nesse ambiente de incertezas, como combater as notícias falsas e a desinformação que assolam não só o Brasil como o mundo?
Para Tai Nalon, diretora e cofundadora da plataforma de fact-checking Aos Fatos, é preciso entender que as notícias falsas, que emulam o formato noticioso tradicional, são apenas a ponta do iceberg. “Temos no Brasil uma cultura de comunicação por mensageiros como WhatsApp por meio dos quais alimenta-se boatos de toda sorte,” diz ela. “Isso é tão ou mais grave, já que é impossível saber, pela natureza dessas ferramentas, quantas pessoas foram expostas à desinformação e quanto material de origem duvidosa existe ali.”
O WhatsApp, o aplicativo de mensagens mais popular entre os brasileiros, com 120 milhões de usuários no país, tornou-se um sério disseminador de desinformação e uma grande dor de cabeça para o seu proprietário, o Facebook. Como reprimir notícias falsas numa plataforma intencionalmente fechada e criptografada para proteger conversas privadas?
Fábio Gusmão, editor digital do jornal Extra e Globo e conhecido pelo uso inovador do WhatsApp no jornalismo, diz que a facilidade de compartilhamento do WhatsApp torna a ferramenta um canhão para qualquer tipo de difusão. Ao longo de quatro anos, o Extra usou o WhatsApp para enviar notícias a mais de 70.000 leitores cadastrados, mas parou com esse serviço por respeito às próprias diretrizes do aplicativo e para estudar uma melhor forma de distribuição de conteúdo.
Enquanto o WhatsApp não abrir canais para grupos de mídia, como fez com o WhatsApp Business, há o risco de esbarrar nas limitações de compartilhamento do próprio WhatsApp, que pode considerar as mensagens como spam, explica Fábio. “Isso só favorece aos propagadores de notícias falsas.”
O Extra continua a investigar as notícia falsas disseminadas nas redes sociais. “Fazemos um combate daquilo que já está viral nas redes sociais e possuem uma urgência maior em ser desmentido" diz Fábio, que também é editor responsável pelo blog de checagem "#Éboato #Éverdade".
Tai enfatiza que a responsabilidade pela distribuição de conteúdo fraudulento nas redes seja coletiva: “As plataformas devem ajustar seus algoritmos de modo que não recompensem financeiramente o produtor de notícia falsa, mas também o usuário deve pensar duas vezes antes de compartilhar uma informação.”
Então, de olhos nos usuários, Aos Fatos está trabalhando em parceria com o Facebook para expandir a checagem de fatos usando inteligência artificial. Prevista para o primeiro semestre de 2018, a robô Fátima (uma brincadeira com “FactMa”, abreviação de “FactMachine”) instigará o leitor a fazer uma leitura crítica do conteúdo online.
Através do Messenger, a robô vai conversar com o usuário para identificar uma reportagem, artigo de opinião ou de propaganda; se há fontes e se são confiáveis; se há atribuição de autoria; e se há informação verificada por Aos Fatos sobre o assunto. “É o desenvolvimento desse tipo de habilidade que deve ser priorizado para efetivamente combater desinformação nas redes”, afirma Tai.
Aos Fatos, entre outros sites de fact-checking no Brasil como o Truco da Agencia Pública e a Agência Lupa, também vai fornecer checagem de fatos e declarações durante a campanha eleitoral, incluindo em tempo real como fez durante os debates televisivos de Rio e São Paulo nas eleições de 2016.
Outra tentativa de lidar com fake news vem por parte do governo brasileiro. No início de janeiro, a Polícia Federal criou um grupo para combater notícias falsas durante o processo eleitoral, que pretende identificar e punir autores de notícias falsas contra ou a favor dos candidatos. Mas há dúvidas sobre sua eficácia (o inquérito sobre esta investigação levou três anos), implementação, legalidade e potencial para censura, como reportou o Comitê para a Proteção dos Jornalistas.
E o jornalistas? O que podem fazer para combater as fake news durante a campanha eleitoral? Como evitar que candidatos sensacionalistas sequestrem a pauta jornalística como aconteceu com Donald Trump nos Estados Unidos? Tai e Fábio recomendam o seguinte:
Fazer jornalismo de maneira transparente. Busque reconstruir a ponte entre a sociedade, mostrando ao leitor como uma notícia foi apurada, por que foi publicada, qual o histórico de quem escreveu a reportagem, quais empresas financiam o veículo. A maior qualidade do jornalismo é a credibilidade.
Checar sempre. Não sucumba ao jornalismo declaratório. Um jornalista que não verifica as informações é apenas um taquígrafo que reproduz acriticamente uma declaração ou um ato.
Traduzir de forma clara e objetiva o que a notícia significa, contextualizando a informação. Mesmo que as exigências das coberturas em tempo real demandem mais rapidez do que substância, certifique-se de que a informação contenha contexto, esforço analítico e o maior número de fontes qualificadas possível.
Mudar a cultura da gestão. Os diretores de redação devem promover o processo de apuração e fact-checking das notícias.
Fazer investigações jornalísticas independentes que orientem o debate público e retomar o papel de mediadores para a sociedade.
Criar um monitoramento das redes sociais para descobrir o início de um ciclo viral de uma notícia falsa.
Desconfiar. Quando esbarrar com um perfil que parece divulgar uma boa informação, desconfie. Não é de hoje que os perfis fakes são usados para dar um ar de credibilidade a quem difunde a informação na rede.
Imagem sob licença CC no Flickr por Anselmo Cunha do Partido dos Trabalhadores