O programa Disarming Disinformation do Centro Internacional para Jornalistas (ICFJ) é uma iniciativa de três anos, com apoio do Scripps Howard Fund, com o objetivo de desacelerar a disseminação de desinformação por meio de estratégias como jornalismo investigativo, capacitação e educação voltada para o letramento de mídia. O ICFJ também fez uma parceria com o MediaWise do Poynter Institute para desenvolver e fornecer programas de letramento de mídia.
O programa para formar instrutores de letramento de mídia recebeu participantes do mundo todo em duas turmas. Os selecionados são líderes comunitários que vão educar as pessoas sobre a importância do letramento de mídia e como aplicar essas habilidades na vida real. O artigo abaixo é uma de cinco histórias de impacto da primeira turma, em comemoração à semana de letramento de mídia.
Harriet Atyang está ajudando a construir uma fortaleza contra a desinformação no oeste do Quênia. Fundadora da Dada Radio, com sede em Siaya, ela acredita no poder da informação.
"A informação pode construir ou destruir uma comunidade. Como líder comunitária e jornalista, eu amo educar a minha comunidade, principalmente mulheres em áreas rurais, a maioria das quais estão em desvantagem enquanto a tecnologia segue avançando", diz.
Em janeiro de 2024, Atyang participou da primeira turma de formação de instrutores do programa Disarming Disinformation. Em um grupo de 19 alunos, ela aprendeu com a MediaWise como usar e ensinar habilidades de letramento de mídia. Desde então, ela transmitiu essas habilidades por meio de programas de mentoria para estudantes de jornalismo e de oficinas para pessoas da comunidade, já tendo capacitado 67 pessoas até o momento. Na Dada Radio, ela faz questão que todos os apresentadores estejam preparados com habilidades de letramento de mídia e oferece treinamentos sobre o assunto frequentemente na programação.
Em suas oficinas, Atyang colocou lado a lado uma pessoa que espalhou desinformação e a vítima da situação para que ambas tivessem uma conversa produtiva; ensinou estudantes do ensino médio a produzir conteúdos de verificação de fatos de nível profissional que foram transmitidos no rádio; inspirou esses mesmos estudantes a seguir uma carreira no jornalismo; e lançou um programa de mentoria para escolas de ensino médio.
O que motiva Atyang
Criada na cidade de Busia, no oeste do Quênia, perto da fronteira com Uganda, Atyang ia para a escola descalça, sob sol escaldante, muitas vezes sem comida e só com um pouco de água. Às vezes, a única bebida para consumo era o álcool local que sua mãe destilava ilegalmente para ganhar algum dinheiro, mas não o bastante para alimentar a família inteira. Se alguém da família encontrasse um pedaço de pão mofado, era como se tivesse "uma banquete", lembra.
Terceira de oito filhos, Atyang conta que a mãe deixou o pai para fugir do relacionamento abusivo e depois voltou para resgatá-la durante a noite.
Apesar de tudo, ela nunca hesitou do desejo de ir para a escola, de ter uma educação, de estudar jornalismo e ajudar as pessoas que não podem ajudar a si mesmas. Essa motivação fez dela a jornalista e líder comunitária confiável que é hoje, apaixonada por ajudar mulheres e que se dedica à excelência no jornalismo e se importa seriamente com sua comunidade.
Atyang lançou a Dada Radio em 2023. Termo para "irmã" em suaíli, a Dada quebrou padrões ao transmitir no idioma local, Luo, e ao priorizar histórias que impactam mulheres e meninas, colocando as necessidades delas em primeiro lugar.
Conselhos para a formação em letramento de mídia
À frente de uma pequena rádio comunitária, num contexto em que aprender jornalismo na prática é mais normal do que por meio da educação tradicional, Atyang participou da formação de instrutores do Disarming Disinformation sabendo que técnicas de letramento de mídia poderiam ter impactos imediatos e duradouros na equipe da Dada Radio, em sua comunidade e nos estudantes de jornalismo da região.
"Essa oportunidade de capacitação veio em uma época em que eu realmente precisava de ajudar minha comunidade a promover o compartilhamento responsável de informação", diz.
Quando perguntada sobre seu principal conselho para outras pessoas que pretendem realizar oficinas de letramento de mídia, ela diz para "trabalhar o curso em torno da disponibilidade dos participantes e não do instrutor".
Esta é uma abordagem que precisa ser bastante enfatizada. Para garantir que a turma esteja mentalmente presente para se envolver com os materiais de aprendizado, um instrutor precisa trabalhar em função da turma. Isso cria um ambiente de aprendizado convidativo.
Atyang admite que não tinha certeza sobre o que a comunidade rural iria pensar sobre o letramento de mídia, considerando que a cidade não necessariamente tem acesso a tecnologia avançada, como ocorre em outras partes do Quênia e do mundo.
"Eu fiquei surpresa com o nível de interesse e entusiasmo dos participantes", diz. "Eu estava esperando certo ceticismo, principalmente devido ao fato de que os participantes são moradores de áreas rurais e muitos poderiam não ter interesse em letramento de mídia."
A preocupação se dissipou tão logo Atyang estava na sala de aula com os participantes. "Eles estavam muito ávidos para colocar em prática o conhecimento adquirido durante o curso", observa.
Uma pessoa que havia espalhado informações falsas sobre outra pessoa da região participou de uma das oficinas e acabou descobrindo que a vítima do rumor também estava lá. Após alguns jogos que demostravam as características da desinformação, como ela evolui e como rastrear sua origem, a pessoa que havia compartilhado desinformação se desculpou pelo dano causado. Esse caso único, com a pessoa que espalhou desinformação e a vítima em uma mesma oficina, mudou vidas e curou feridas.
Quando se trata de letramento de mídia, a higiene digital é uma habilidade que todo mundo deve saber, defende Atyang. A higiene digital se refere às preocupações que uma pessoa pode tomar para garantir que seus dados e aparelhos estejam seguros tanto online quanto offline.
Ferramentas de verificação também são cruciais, segundo ela. No dia a dia, tanto jornalistas quanto as pessoas em geral podem usar essas ferramentas para verificar a veracidade do que veem nas redes sociais.
Preparando uma nova geração
A paixão de Atyang que a conduziu em sua jornada persiste até hoje, agora apoiando a nova geração de jornalistas.
Um impacto imediato das oficinas é o programa de mentoria para os membros do clube de jornalismo das escolas de ensino médio da comunidade. Atyang e sua equipe da Dada Radio continuam focando em letramento de mídia nas escolas ao mesmo tempo em que incorporam novas habilidades de produção jornalística.
O programa de mentoria amplifica a importância do letramento de mídia e também nutre a paixão dos estudantes pelo jornalismo e o desejo de seguir carreira na área. Como parte do programa, os estudantes vão produzir uma matéria de verificação por semana para transmissão na Dada Radio.
No início de 2025, mais cinco escolas da comunidade vão passar a oferecer a mentoria, levando habilidades de letramento de mídia e produção de notícias a pelo menos 200 estudantes. Atyang tem o objetivo de lançar pequenas redações nessas escolas para que os estudantes possam ter experiência prática. Paralelamente, ela planeja lançar uma editoria de verificação de fatos com pelo menos uma pessoa dedicada exclusivamente a usar ferramentas de verificação para checar matérias.
"Nós vamos continuar o diálogo sobre letramento de mídia", promete Atyang. "Nós vamos continuar a conversa sobre letramento de mídia no ar e fora dele, durante outras atividades de engajamento da comunidade e contando com aqueles que receberam capacitação para que continuem compartilhando suas habilidades com outras pessoas da comunidade."
Renata Salvini e Muskan Bansal contribuíram com o artigo.
Foto principal cedida por Dada Radio.