Este artigo foi publicado originalmente pelo The Fix e está sendo publicado aqui com permissão. Assine a newsletter para saber mais sobre as últimas novidades do universo da mídia europeia.
Estimulados por uma grave crise em um grupo de mídia, jornalistas portugueses estão começando a se reunir para buscar soluções para a sobrevivência do jornalismo.
Recentemente, um dos maiores grupos de mídia em Portugal, proprietário de jornais conhecidos e de uma rádio, anunciou o cancelamento de um contrato envolvendo 200 trabalhadores, dando como justificativa a necessidade de lidar com uma complicada situação financeira. Houve inclusive um atraso de cerca de 25 dias no pagamento do salário de dezembro dos funcionários.
Este foi o momento em que o país percebeu que ninguém sabe de fato quem é dono do Global Media Group (GMG). Em setembro, 51% das duas empresas que detinham 50,25% do GMG foram vendidas a um fundo de investimento com sede nas Bahamas, e é totalmente desconhecido quem é o sócio por trás do fundo.
Este caso demonstra que os atuais modelos de negócios de mídia envolvem riscos de serem tão opacos quanto interesses econômicos, incapazes de cumprir com o propósito do jornalismo.
Desta vez, há jornais históricos envolvidos. Um dos títulos de propriedade do GMG é o Jornal de Notícias (JN), o único jornal nacional generalista com sede no Porto – a segunda maior cidade do país. Com o plano de administração do GMG, 40 funcionários podem deixar o cargo, o que significaria cortar a equipe da redação pela metade.
No fim, o caso revelou a situação de crise da mídia portuguesa. “O GMG é a ponta do iceberg”, disse a presidente da Associação Portuguesa de Imprensa em um debate na TV, tendo em vista que o cenário é “dramático” em todo o país. Cláudia Maia afirmou que 25% dos distritos de Portugal (o equivalente a mais de 70) são desertos de notícias, ou seja, não têm nenhum veículo jornalístico.
A associação vem tentando alertar sobre essa realidade e tem feito reuniões com partidos políticos por vários anos, mas Maia revelou que a entidade não obteve resposta quando tentou conversar com o atual governo.
A tempestade perfeita
Tradicionalmente, Portugal é um país com pouca contribuição financeira do Estado e da sociedade civil ao jornalismo, não havendo incentivos estruturados para a atividade. Além disso, muitas publicações são agrupadas e de propriedade de um número pequeno de conglomerados privados, cujos donos muitas vezes são sócio de negócios de várias áreas, como os setores bancário, imobiliário e turístico.
O resultado desses e de outros fatores é que o jornalismo português está passando por uma grave crise financeira, laboral e ética. Dos jornalistas entrevistados em uma pesquisa recente, 59% disseram que nunca receberam capacitação de seus empregadores; 48% têm níveis altos de exaustão; e 52% têm condições de trabalho que os impedem de atuar com independência, integridade e segurança. Como disse um jornalista português, "nós temos a tempestade perfeita: uma crise no modelo tradicional de financiamento, dificuldade de perceber outras possibilidades financeiras e a diminuição do número de leitores".
No entanto, ninguém deu atenção a esse problema nas últimas décadas, nem as autoridades políticas nem mesmo os próprios jornalistas. O Congresso de Jornalistas Portugueses se encontrou novamente neste ano, em janeiro, mas não era realizado desde 2017, e esta foi apenas a quinta edição desde a sua estreia, em 1983. Além disso, embora estivesse programado há meses, a maioria dos participantes compareceu motivada pelo caso recente do GMG, porque até então praticamente não haviam inscritos.
Isso se deve ao fato de que "a classe está absolutamente desconectada", diz ao The Fix Pedro Coelho, presidente do comitê organizador do congresso e jornalista investigativo premiado. "Nem mesmo nas redações nós conversamos sobre coisas que têm a ver com a nossa profissão." Agora "percebemos que chegamos no fundo do poço", a profissão em si está em perigo, então chegou o momento de os jornalistas discutirem juntos quais devem ser os pilares da reconstrução, defende Coelho.
Jornalismo como um bem público
Inevitavelmente, a discussão sobre os novos modelos de negócios que podem contribuir para um jornalismo sustentável no futuro foi um dos principais assuntos do congresso. Já há uma convergência sobre a necessidade de investimento público no jornalismo, inclusive por parte dos partidos políticos; agora é preciso chegar a um acordo com medidas concretas.
Uma das propostas defendidas por Coelho foca na preservação do jornalismo de qualidade – em um país onde o jornalismo investigativo é praticamente inexistente –, replicando o modelo acadêmico, no qual jornalistas se candidatariam a subsídios que seriam avaliados por um júri feito por acadêmicos e jornalistas, todos independentes e legitimados por seus pares.
Há também propostas mais voltadas para empresas, ainda com financiamento público (por exemplo, isenções fiscais), dependendo de critérios importantes e objetivos: quantos jornalistas a empresa tem, quais salários ela paga, se ela se preocupa com o jornalismo de qualidade, etc.
Há também uma sugestão, já com experiência internacional, de apoiar a população diretamente, por meio da distribuição de vouchers pelo governo para que as pessoas paguem assinaturas a veículos ou projetos de sua escolha.
Diferentes mecanismos de suporte e instrumentos inovadores também já existem em outros países. No mesmo debate de TV mencionado acima, um ex-funcionário do governo responsável pela mídia em Portugal disse que nós deveríamos estudar esses exemplos e que eles necessariamente envolvem um reforço do papel do Estado no apoio à mídia. Algumas medidas mencionadas foram: oferecer o serviço de agência de notícias a organizações de mídia; dar apoio imparcial, por exemplo, a todos os veículos que têm correspondentes locais; conceder benefícios fiscais. Ele argumenta que essas medidas deveriam ser incentivos indiretos à garantia da independência da mídia.
Também foi chamada atenção para a importância das grandes plataformas digitais na ajuda à mídia. Provavelmente isso teria que ser negociado por meio da União Europeia, mas uma proposta é forçar as plataformas a se beneficiarem de projetos jornalísticos na competição dos algoritmos, outra é criar uma taxa relacionada à receita gerada via publicidade.
Foto por Nick Karvounis via Unsplash.