Lições de uma startup de jornalismo local na Romênia

por James Breiner
Mar 1, 2024 em Notícias locais
Romanian and EU Flag

A seguir está a entrevista que fiz com Alex Enășescu, que lançou uma newsletter e site focados em notícias sobre sua cidade, Iasi, na Romênia. Nós começamos a conversar no Substack, quando ele comentou em uma das minhas publicações. Eu achei que a história dele ia inspirar outros empreendedores de mídia digital. A entrevista foi feita por email.


James Breiner: Como você começou um site e uma newsletter —"Our Iasi" — focados em notícias locais na sua cidade natal? Iasi não é tão grande assim — apenas 250.000 habitantes —, mas você conseguiu chegar a 6.000 assinantes gratuitos. Quando você lançou o veículo? Por que você o lançou?

Alex Enășescu: De 2015 a 2021, eu fiz uma newsletter diária para uma startup de jornalismo nacional (PressOne.ro) e também um pouco de reportagem local. Éramos uma equipe pequena de 10 a 12 jornalistas, apoiadas por um investidor dos EUA que se voltou para a filantropia. Depois de cinco anos investindo na nossa pequena redação sem ver muito retorno financeiro, ele foi saindo fora aos poucos, e houve uns cortes de custos para manter a empresa funcionando.

Um dia, meu chefe me chamou para informar que meu cargo de editor de newsletter estava em risco. Foi um alerta.

Plano B: jornalismo local

Eu comecei a buscar um plano B, e foi na época em que o Substack estava começando a surgir como uma plataforma alternativa para autores. O Substack anunciou um programa de newsletters locais, o que parecia ser ideal para as minhas habilidades. Eu me candidatei, achando que se não fosse aceito, eu olharia para essa circunstância com a mais implícita confiança deste ser um sinal de que dirigir um Uber era o meu destino, parafraseando Mark Twain.

Felizmente, fui um dos 12 selecionados para a Substack Local Initiative, o único jornalista da Europa continental a fazer parte do programa (o grupo também tinha Joshi Herrmann, que está criando uma rede formidável de newsletters locais no Reino Unido).

Nós basicamente recebemos um investimento semente de US$ 40,000 que deveria cobrir o primeiro ano, mas dois anos e meio depois, ainda estamos usando esse investimento inicial.

Um produto mais construtivo

A ideia por trás do lançamento de uma newsletter local foi o fato de que a mídia local tradicional da nossa cidade não estava mais servindo a audiência. Não só editorialmente, mas como um produto, a experiência de ler notícias locais na internet era, e ainda é, uma bagunça horrível de acidentes de carro, fofoca política e anúncios intrusivos. 

Eu acredito que isso deixou uma lacuna para um tipo diferente de jornalismo local — mais construtivo e inspirador, mas também consciente do tempo e atenção limitados da audiência.

Como a sua base de assinantes cresceu desde o lançamento em 2021? Quantos seguidores você tem nas redes sociais?

No ano passado, nós dobramos a audiência da newsletter, de 3.000 para 6.000 assinantes gratuitos, em grande parte através de uma série de guias locais que promovemos nas redes sociais, uma cortesia de uma aceleradora de inovação comandada pelo International Press Institute (IPI). Temos 5.500 seguidores no Facebook e 3.700 no Instagram.

Conte um pouco sobre sua formação e sua origem.

Eu sou nascido e criado em Iași, mas estudei jornalismo na Universidade de Bucareste, capital da Romênia. Depois, passei um ano em Londres para uma pós-graduação em sociologia do esporte. Naquela época, eu sonhava em ser jornalista esportivo, mas tendo me formado em 2009, quando a crise financeira dizimou redações no mundo todo, eu tive dificuldade para achar meu lugar em uma redação.

Em 2010, comecei um blog focado no futebol inglês, o que acabou sendo mais um projeto de paixão do que um negócio viável.

O que isso me ensinou, no início da minha carreira, foi que a ideia de que "se você construir algo, vai atrair algo" não é uma estratégia para o jornalismo sustentável. Isso me levou a uma missão para entender em um nível mais profundo as forças por trás do sucesso ou o fracasso de uma publicação digital. 

“Lixo demais”

Eu me lembro de ler a avaliação que Alexis Madrigal fez da internet por volta de 2013: "é difícil demais conseguir acompanhar. E a maior parte do que tem por aí é lixo". E também me lembro de ver a newsletter diária do Quartz surgindo como um formato simples e limpo para entregar as notícias. Foi assim que me interessei por newsletters, então em 2015 eu sugeri ao meu chefe que, em um mundo de ruído, uma newsletter que fizesse uma curadoria cuidadosa das notícias poderia ser algum tipo de sinal.

Quantas pessoas fazem parte da sua equipe contratada? Ou seu site é uma combinação de contratados, freelancers, colaboradores que não são pagos e voluntários?

A essa altura, é basicamente a equipe de uma pessoa só. No nosso primeiro ano, tínhamos um editor pago pelo Substack, e empregamos cerca de 10 repórteres freelances pagos nos últimos dois anos e meio. Atualmente, eu faço a maior parte do trabalho de edição e reportagem para a newsletter semanal, com a ajuda de um redator e um estudante de jornalismo que agrega notícias locais e eventos. Para reportagens mais longas ocasionais, ainda colaboramos com freelances pagos. 

Quais são suas fontes de receita? Você está lucrando?

Nós temos três fontes principais de receita:

  • Assinaturas pagas: (145 assinantes por 5 euros/mês ou 30 euros/ano = 6.000 bruto). Essas assinaturas são basicamente doações, já que os assinantes pagos não recebem nada a não ser um sentimento muito bom no coração deles por apoiar o jornalismo local (acho que eu roubei essa frase do cofundador do Cityside, Lance Knobel). 

  • Anúncios: 2.000 a 3.000 euros por ano. Um anúncio patrocinado na newsletter semanal é vendido por 100 a 400 euros, dependendo do tamanho e formato.

  • Subsídios: U$ 40.000 do Substack em 2021 e 2022, e 15.000 euros do IPI no início de 2023.

Assim, geramos uma receita total de menos de 10.000 euros por ano, o que não cobre os custos. Sem os subsídios, estaríamos perdendo dinheiro.

Para pagar as contas, no ano passado eu arrumei um emprego de meio período como editor da Recorder.ro, o veículo independente de maior impacto da Romênia. 

Quais restrições o governo impõe? Há censura?

O governo romeno prefere usar incentivos em vez de cassetetes para manipular a cobertura da mídia. Nos últimos três anos, foram pagos mais de 50 milhões de euros a organizações de mídia para propaganda política disfarçada de jornalismo, que não foi sinalizada como anúncio político.

A maioria dos veículos da Romênia se tornou dependente desse tipo de pagamento, e dá para dizer que isso leva a um tipo de autocensura em relação à cobertura negativa de partidos e políticos que controlam os pagamentos. 

No nível nacional, a direção de uma das maiores redações da Romênia foi despedida, supostamente sob pressão da indústria de apostas. E alguns jornalistas romenos, como Emilia Șercan, são ativamente assediados por terem investigado políticos do alto escalão.

Quais são suas formas de engajar os leitores? Quais matérias mais recentes que realmente causaram um impacto nos leitores ou até mudaram alguma política pública?

A newsletter em si é um canal orgânico que gera confiança e constrói uma comunidade, semana após semana. Também estamos no Facebook e no Instagram, mas usamos as redes na maior parte do tempo como topo do funil de marketing para chegar aos moradores, convidando-os a assinarem e continuarem a conversa na nossa própria plataforma. 

Essas são algumas matérias das quais tenho mais orgulho de ter publicado:

O que você aprendeu sobre ser um empreendedor, sobre a vida de alguém que tentou lançar algo do zero?

Eu passei a maior parte da minha carreira esperando por uma permissão. Sou um pouco introvertido que evita os holofotes e, três anos atrás, no início de 2021, mantinha um perfil discreto pouco usual para um jornalista. Eu estava me mantendo afastado das redes sociais e não tinha uma presença na minha comunidade local.

A perspectiva de perder o meu emprego quando tentava começar uma família me tirou da zona de conforto. [Ele e sua esposa tiveram um bebê há poucos meses] 

Sem filosofar demais, eu recentemente descobri um psicanalista junguiano e autor chamado James Hollis. 

Sem medo

Ele diz que nós desenvolvemos todos os tipos de mecanismos de defesa sutis para os nossos medos e que encarar o medo é a decisão mais crítica que somos chamados a fazer na segunda metade da nossa vida. Eu tenho 37 anos, só faltando três anos para entrar relutantemente nesse novo caminho, e embora haja significativamente mais adversidade e ansiedade na minha vida semanalmente, é também profundamente enriquecedor fazer o que de algum modo você sempre se sentiu chamado a fazer. 

Nos últimos três anos, eu conheci algumas das melhores pessoas na nossa comunidade local e também me conectei com colegas do jornalismo e mentores pelo mundo. Sinto-me genuinamente honrado pelo interesse deles em uma newsletter local e startup na Romênia.  

Para qualquer jornalista lendo isso e talvez ainda esperando a permissão para assumir um risco em sua carreira ou colocar algo no mundo, eu os encorajo a não ceder ao medo do fracasso. Mostre-se!

Quais outras oportunidades educacionais e de capacitação que você aproveitou?

Conforme diz Brian Morrisey, todo negócio de mídia é difícil, mas o jornalismo local é o mais difícil dos problemas difíceis. Resolver esse problema é uma parte do Entrepreneurial Journalism Creators Program no qual eu me matriculei pela Universidade da Cidade de Nova York (CUNY). Para dar continuidade, no momento estou fazendo um curso de gestão de produto digital na CUNY.

Com esses cursos eu aprendi que o jeito mais seguro de lançar um veículo de jornalismo local é fazer uma abordagem com a mentalidade de produto — partindo das necessidades do usuário e trabalhando incansavelmente não só para satisfazer essas necessidades mas também ter a esperança de encantar a sua audiência.

Deixe suas considerações finais.

Tendo em vista todas as críticas negativas que o Substack recebe, eu acho que diz muito o fato de que nossa publicação não existiria sem o investimento da empresa, financiada pelo capital de risco. E sem o apoio adicional de subsídios, não há certeza alguma de que conseguiríamos nos manter até o fim desse ano.

Pode ser que o jornalismo local de interesse público seja essencialmente um caso de fracasso mercadológico. Isso torna a intervenção estatal ainda mais vital, mas a Europa está atrás dos EUA — o equivalente europeu da iniciativa Press Forward é 40 vezes menor, e a maior parte do dinheiro vai para esforços investigativos transfronteiriços de larga escala. O processo de se candidatar para receber esses subsídios é dolorosamente burocrático. 

Eu temo que este pode ser o ano em que os efeitos da combinação de pouco financiamento e muita regulamentação vão vir à tona. Em 2024, temos eleições na Romênia, e as projeções indicam que partidos populistas apoiados pela Rússia vão se tornar a segunda força política no país. 

Já estamos vendo em tempo real como o declínio do jornalismo local está afetando a democracia e a lentidão na resposta das agências com sede em Bruxelas é uma ameaça real ao projeto da União Europeia.


Este artigo foi publicado originalmente na newsletter My News Biz, que ajuda empreendedores de mídia digital a encontrarem modelos de negócio viáveis. O texto foi republicado na IJNet com permissão.

Foto por Jonny Gios via Unsplash.