Conselhos para lidar com o aumento da desinformação antes de eleições

Sep 8, 2023 em Combate à desinformação
"I Voted" sticker

Da Argentina, onde o candidato de extrema-direita emergiu como favorito das eleições gerais neste ano, ao México, Índia e Estados Unidos em 2024, os resultados de eleições cruciais prestes a serem realizadas vão ter implicações para as normas democráticas no mundo todo.

Com a intensificação das campanhas, também vai se intensificar a desinformação que objetiva enganar eleitores.

Ao mesmo tempo, grandes plataformas de redes sociais reduziram os esforços para conter a difusão de conteúdo falso em seus aplicativos. Países como Rússia e China continuam fazendo suas próprias campanhas de desinformação, e a sofisticação crescente da inteligência artificial ampliou as capacidades de atores maliciosos.

O vice-presidente sênior do ICFJ, Patrick Butler, resumiu esse cenário preocupante durante a moderação de um painel sobre desinformação eleitoral na conferência 2023 da Online News Association.

"Eu acho que é justo dizer que a maioria das pessoas concorda que a desinformação nas eleições 2024 vai ser pior do que qualquer coisa que já vimos", disse.

Participaram da discussão Laura Zommer, bolsista do programa ICFJ Knight, diretora e editora do Chequeado e cofundadora do Factchequeado; Jonathan Lai, editor de dados e política do Politico e ex-repórter de dados e democracia do The Philadelphia Inquirer; e Nasr ul Hadi, também bolsista do programa ICFJ Knight e fundador do PROTO.

A seguir estão alguns dos pontos principais do painel que jornalistas e verificadores de fatos devem ter em mente para as próximas eleições:

Seja direto – e repetitivo

É essencial que repórteres transmitam os detalhes fundamentais em torno de uma eleição de forma clara. Faça isso de novo e de novo e de novo.

"Nós tentamos o máximo possível sermos muito claros e diretos com a linguagem", disse Lai, refletindo sobre a cobertura do The Philadelphia Inquirer das eleições 2020 nos Estados Unidos. "Nós não vamos ser as pessoas que falam 'As afirmações falsas de Donald Trump sobre as eleições'. Nós simplesmente vamos dizer 'Trump mentiu'."

Para ganhar a confiança dos leitores, Lai e sua equipe no The Inquirer usaram elementos gráficos nas matérias para explicar decisões editoriais e esclarecer jargões políticos. O jornal também faz jornalismo de serviço relacionado às eleições, por exemplo produzindo guias para eleitores e mapas para os locais de votação.

Lai observou que as pessoas não leem todas as matérias que você escreve. Quanto mais vezes você escrever uma mesma matéria, mais pessoas vão vê-la.

Ele lembrou quando escreveu uma série de matérias que abordava como a apuração de votos na Pensilvânia na eleição de 2020 levaria dias e mudaria de vermelho para azul. "Eu escrevi a primeira matéria em janeiro de 2020", disse. "Escrevi pelo menos outras dez versões daquele texto no resto do ano."

Colabore e vá onde sua audiência está

A verificação de fatos sozinha não consegue resolver o problema da desinformação. Também não consegue salvar a democracia por conta própria. Verificadores de fatos devem fazer parcerias entre si e com quem é de fora da área para amplificar seus esforços. As redações devem fazer o mesmo. 

Hadi sugeriu que jornalistas considerem várias questões ao trabalharem juntos: "Com quem nós precisamos colaborar? Quais medidas precisamos tomar para conseguir entender o problema?", disse. "Em particular, como nós asseguramos que a distribuição de boa informação possa funcionar melhor?"

Jornalistas e verificadores de fatos devem entender melhor as audiências que servem e moldar seus esforços de acordo. Devem também estar dispostos a experimentar: descubra quais plataformas são mais populares e onde a desinformação está circulando.

Zommer explicou que o Factchequeado usa o WhatsApp para difundir suas verificações, já que a desinformação em meio à população latina tende a se espalhar na plataforma. "Se você está cobrindo qualquer coisa relacionada a quem fala espanhol ou à população latina nos Estados Unidos, você deve pensar sobre a desinformação no WhatsApp e descobrir formas de lidar com isso", disse. 

As redações também devem adaptar seu conteúdo para atingir diferentes audiências em formatos diferentes. No The Inquirer, a equipe de Lai transformou reportagens em vídeos explicativos. O Factchequeado também planeja priorizar vídeos curtos e conteúdos explicativos em sua cobertura da eleição nos Estados Unidos em 2024.

"Precisamos ouvir e precisamos estar na comunidade", disse Zommer. "Essas pessoas não necessariamente acreditam na mídia ou nos jornalistas. Essa é uma relação que precisamos construir e estamos construindo-a com nossos aliados que já têm suas próprias comunidades."

Pense como um troll

Os participantes do painel concordaram que jornalistas devem pensar como os trolls que espalham informação falsa online. Pergunte-se como você conseguiria intencionalmente tirar conclusões errôneas a respeito do que você está escrevendo, sugeriu Lai. 

"Às vezes o problema é que, mesmo quando você está sendo preciso, justo e bom do ponto de vista jornalístico, o conteúdo pode ser muito facilmente transformado em uma arma por um mau ator", disse. "E isso significa que, infelizmente, você precisa antes de tudo jogar na defensiva enquanto escreve a matéria."

Entenda também que a má informação joga com a emoção das pessoas, aconselhou Hadi.

"A má informação tem apelo emocional. Ela fala com o lado emocional da audiência", disse. "A boa informação tem apelo lógico; ela fala com uma parte totalmente diferente do cérebro. Elas não lutam na mesma frente."

A IA é outro elemento a se considerar. Por exemplo, os deepfakes proliferaram e a IA está ajudando quem difunde desinformação a usar esse recurso para viralizar mais, segundo Hadi. "Enquanto isso, o lado da boa informação está essencialmente usando a IA para melhorar bases de dados de verificações, estruturar melhor a informação e tentar facilitar a sua descoberta. Mais uma vez, as duas coisas estão operando em frentes muito diferentes."

Prepare-se já

Zommer alertou que quem produz desinformação está sempre à frente dos verificadores de fatos. O que aconteceu em uma eleição anterior não necessariamente vai se desenrolar do mesmo jeito na próxima ou em um outro país.

"Não é suficiente que a sua redação esteja trabalhando nos mesmos lugares e canais que, na eleição anterior, eram os mais relevantes. Um dos nossos desafios é saber, para 2024, onde a comunidade latina nos Estados Unidos vai estar obtendo informação", explicou Zommer.

Reconheça também que o cenário da desinformação se deteriorou e faça ajustes em conformidade.

"Há tantas comunidades diferentes, principalmente de onde eu venho. As duas principais narrativas do dia vão variar de acordo com o idioma na Índia, de acordo com a região geográfica, com a comunidade", disse Hadi. "Nós simplesmente não temos a infraestrutura suficiente, principalmente com as Big Techs cortando o financiamento não só das equipes de eleições mas também das organizações de verificação de fatos."  

Com a eleição presidencial dos EUA acontecendo daqui a apenas 14 meses, o trabalho dos jornalistas é para ontem.

"Converse com a sua equipe. Comece a prepará-la", disse Lai. "O que você precisa saber: Você sabe quem organiza as eleições? Você sabe como os trabalhadores do dia das eleições são selecionados? Você sabe como os locais de votação são montados e como eles são comandados? Como as urnas funcionam? Como os votos são apurados? São estes pequenos detalhes que se tornam a semente para a desinformação que vemos durante o período eleitoral." 


Acesse o nosso Kit de Ferramentas para Cobertura de Eleições, produzido em parceria com o Chequeado e o Factchequeado, com apoio do WhatsApp, para mais informações sobre a cobertura eleitoral e como identificar desinformação.

Foto por Manny Becerra via Unsplash.