Conselhos para fazer pautas LGBTQ+ baseadas em dados

por Kae Petrin and Jasmine Mithani
Jun 27, 2024 em Diversidade e Inclusão
Hand waving in front of a rainbow reflection

Os dados sobre a população LGBTQ+ podem ser escassos, inconsistentes ou menos rigorosos metodologicamente em relação ao que os jornalistas de dados já estão acostumados. Mas, no fim das contas, fazer um bom jornalismo de dados LGBTQ+ é simplesmente fazer um bom jornalismo de dados.

Além da nossa lista com dicas de como manejar esse tipo de dado, nós — Kae Petrin and Jasmine Mithani — gostaríamos de compartilhar nossas ideias sobre questões conceituais e éticas com as quais nos deparamos e como tirar proveito dessas mesmas ideias em favor de um jornalismo rigoroso e baseado em dados. 

A seguir está o que aprendemos sobre a elaboração de pautas e abordagem de matérias sobre dados LGBTQ+.

Identificação externa versus autoidentificação

De modo geral, há poucos tipos de dados: dados autodeclarados, dados declarados externamente e interpretações externas de dados autodeclarados. Cada um tem suas próprias vantagens e seus problemas quando se trata da comunidade LGBTQ+.

Por exemplo, se você quiser entender pesquisas sobre "arrependimento de transição" de pessoas trans, você precisa se perguntar: o estudo em questão analisa sentimentos autodeclarados de arrependimento? Ou ele analisa as pessoas que abandonaram a terapia hormonal e faz suposições sobre por quê as pessoas fizeram isso? 

Essa informação pode estar mais padronizada que as autodeclarações, mas também pode atribuir um significado impreciso a uma experiência pessoal. Estudos que também perguntam às pessoas por que elas interromperam os cuidados médicos de afirmação de gênero muitas vezes indicam que elas o fizeram por muitas razões além do arrependimento. Há uma longa história de contradições de definições semelhantes, por exemplo, estudos de homens que têm relações sexuais com homens enquanto se autodescrevem como heterossexuais, e estudos de quaisquer outros grupos LGBTQ+.

Como ocorre em qualquer reportagem baseada em dados, é importante explicar para o público as limitações e nuances desse tipo.

Ocorrências policiais — que são declarações totalmente externas, mas às vezes envolvem autorrelatos verbais  — subnotificam de forma sistemática crimes motivados por gênero e outros crimes de ódio direcionados à comunidade LGBTQ+. Isso se deve, em parte, ao fato de a polícia frequentemente não reconhecer pessoas transgênero.

Da mesma forma, muitos documentos públicos podem ter as pessoas registradas com nomes e marcadores de gênero desatualizados. Isso pode tornar particularmente difícil a identificação de pessoas trans em notícias de última hora. É ainda mais difícil retornar a uma entrada anônima de um banco de dados e verificar se o gênero da pessoa foi descrito corretamente. 

Comportamento não implica diretamente identidade ou vice-versa

Dados podem ser uma forma de romper estereótipos sobre a vida das pessoas LGBTQ+. Por exemplo, apesar de a Igreja Católica considerar a homossexualidade um pecado, uma proporção semelhante de pessoas hetero e queer se identificam como católicas.

Mas o comportamento pode ser uma abordagem falha para analisar as pessoas LGBTQ+. O censo dos EUA vem repetidamente refinando suas tentativas de colher informações sobre casais do mesmo sexo. Mas mesmo com métodos melhorados, há dados históricos do censo sobre casais do mesmo sexo. Isso provavelmente subestimou casais queer de baixa renda, que são menos propensos a morarem juntos, e excluiu pessoas bi e trans que vivem com alguém de um sexo legal diferente.

O resultado não é uma contagem de fato de pessoas LGBTQ+ — é a contagem de um subgrupo que tem um comportamento específico. Pense vem quando algo puder e não puder ser generalizado para comunidades mais amplas.

Sentimentos versus ação nas pesquisas

Muitas pesquisas sobre a população LGBTQ+ perguntam às pessoas como certas leis afetaram suas vidas. Normalmente, as pessoas vão dizer que a lei aumentou o medo de sofrerem discriminação e muitas poucas vão dizer que passaram a sofrer mais discriminação.   

O efeito inibidor das leis é um tipo de cobertura jornalística necessária, já que é uma forma pela qual a vida das pessoas é restringida. Muitas vezes, este é também o efeito pretendido dessas leis: não gerar prisões ou acusações, mas assustar as pessoas para que elas escondam suas identidades. Mas focar exageradamente na cobertura da segurança emocional pode levar a uma perspectiva distorcida do que está de fato acontecendo.

Considere fazer matérias, quando possível, sobre as perguntas das pesquisas que tratem de sentimentos  daquelas que tragam experiências autodeclaradas. Tenha atenção à distinção entre "eu considerei mudar de estado por causa de leis anti-LGBTQ+" e "eu mudei de estado por causa de leis anti-LGBTQ+", por exemplo, ou entre "tenho medo de sofrer assédio" e "sofri assédio".

Não subestime matérias sobre a aplicação, resultados e consequências de tais leis em favor de dados rápidos de pesquisas. Gastar algum tempo vasculhando ações — ou a falta delas — baseadas em novas leis e políticas pode render matérias importantes.

Pense de forma crítica ao informar dados de pesquisas sobre pessoas LGBTQ+

A opinião pública não dita a dignidade ou os direitos humanos.

Historicamente, a população em geral está disposta a tirar direitos de grupos minoritários — lembre-se da disposição em internar americanos de origem japonesa durante a Segunda Guerra Mundial — e é hostil à expansão de direitos para os oprimidos.

Considere fazer essa contextualização nas matérias explicitamente.

O que as pessoas cis e heterro pensam sobre as pessoas LGBTQ+ é importante, porque estes são os grupos que estão criando leis sobre direitos. Mas só porque a opinião pública se aglutina em direção a um ponto de vista específico, isso não significa que ela seja apoiada pela ciência, por evidências ou princípios de direitos humanos e civis. Pense, por exemplo, sobre como as redações devem considerar a mudança climática: ela existe e deve receber uma cobertura em conformidade, não importa quantas pessoas digam nas pesquisas que não acreditam no fenômeno.

Abordagem das matérias e produção textual

Às vezes, a existência de dados não deve ser o título de uma matéria (por exemplo, "tal coisa, diz pesquisa"). Em vez disso, use os dados como uma pista sobre o caminho que uma matéria poderia seguir: como um ponto de partida para fazer perguntas mais profundas sobre uma tendência ou uma fonte para ideias de pauta. Cite os dados como uma evidência para sustentar uma matéria na qual você também consulta especialistas externos e pessoas que viveram a experiência. Use a oportunidade para informar e explicar para o público as limitações de informação derivadas da sua fonte e do processo de produção. Isso aumenta a alfabetização em dados dos leitores e produz jornalismo de mais qualidade.

Às vezes pode fazer sentido usar uma descoberta de dados notável como parte de um título. Mas na maioria das vezes os dados LFBTQ+ precisam de mais contexto. Pode fazer mais sentido manter os dados mais abaixo na matéria, em um gráfico ou em outra seção onde você tenha espaço para garantir que os dados não sejam mal interpretados. 

Quando os dados forem só uma evidência dentro de uma matéria, todo o texto da matéria precisa comunicar isso de forma consistente. Sinalize isso de forma proativa com os redatores responsáveis pelos títulos e considere mencionar os dados como um marcador de tempo no subtítulo. Se possível, informe também a equipe de audiência para garantir que sua mensagem seja a mesma em todas as plataformas.

Na falta de bons dados, escreve a respeito

Você já ficou estagnado na busca por dados precisos? Você tem uma questão importante que não pode ser respondida porque a informação demográfica adequada não foi coletada? Isso não precisa ser um beco sem saída para a sua matéria. Considere escrever sobre o efeito da lacuna de dados.

Os dados comandam nossas vidas e a falta deles é sentida profundamente não só entre os jornalistas. Dados demográficos, em particular, são usados para a alocação de recursos e financiamento de subsídios; a falta de informações quantitativas em grande escala provavelmente gera efeitos colaterais para uma variedade de pesquisadores em saúde, cientistas, organizações sem fins lucrativos e legisladores.

Cada vez mais, pessoas LGBTQ+ têm boas razões para temer e desconfiar de sistemas que coletam dados. Por isso, mesmo com esforços para coletar uma quantidade maior e melhor de dados, há mais e mais histórias sobre a ausência ou mau uso de dados. Por exemplo, empresas de tecnologia educacional foram criticadas por sinalizarem termos relacionados à comunidade LGBTQ+ e exporem os alunos.

Pelas mesmas razões, redações devem refletir cada vez mais sobre suas políticas de divulgação e publicação de dados quando obtivermos bons dados.

Recursos para construir uma prática em torno de dados LGBTQ+

Quer entender e resolver esses problemas no seu trabalho? Kevin Guyan, do Queer Data, oferece uma visão geral útil sobre alguns dos dilemas. O livro LGBTQ+ Stats tem uma visão histórica sobre quais dados existem e quais não existem — e por quê.

O Urban Institute também publicou um guia extenso para evitar danos ao se trabalhar com dados sobre gênero e sexualidade. Kae e Jasmine escreveram separadamente sobre a visualização de dados ausentes ou errôneos e por que pautas sobre lacunas de dados são importantes.

Sempre há também a News Nerdery Slack; mande suas perguntas no canal #helpme (e marque Kae e Jasmine para obter informações, se desejar). A  Associação de Jornalistas Trans também tem um canal de membros no Slack para jornalistas de todas as identidades de gênero que inclui jornalistas e editores de dados dispostos a ajudar.


Foto por Ruan Richard Rodrigues via Unsplash.

Este artigo foi originalmente publicado no Source e republicado na IJNet com permissão.