Conselhos de jornalista premiado para investigar crime e corrupção

Nov 7, 2019 em Jornalismo investigativo
Stevan Dojcinovic

Quando as autoridades prenderam o traficante sérvio Darko Saric na República Dominicana em 2015, um livro intitulado "Saric - Como o cartel dos Balcãs conquistou a Europa" estava empoleirado, meio aberto, na mesa de cabeceira do chefão. Uma gravação, cortesia da polícia sérvia que fez a prisão, mostra que o autor do livro é Stevan Dojcinovic, jornalista investigativo no país dos sete milhões de habitantes dos Balcãs.

"É muito importante conhecer esse cartel de cocaína", disse Dojcinovic, que recebeu o Prêmio Knight de Jornalismo Internacional 2019 no Jantar de Premiação do ICFJ. “Esses caras eram basicamente os maiores. Através desse cartel, foi possível explicar tudo: contrabando de drogas, lavagem de dinheiro, conexões políticas, corrupção. Através deles, fui capaz de completar o círculo e realmente explicar como o crime organizado funciona.”

Dojcinovic cobre o crime organizado e a corrupção na Sérvia há mais de uma década. Ele é fundador e editor-chefe da Rede de Denúncias sobre Crime e Corrupção (KRIK) em Belgrado e editor regional do Projeto de Denúncias sobre Crime e Corrupção Organizada (OCCRP), um parceiro do ICFJ.

Sua primeira incursão no jornalismo foi há quase 20 anos, quando o jovem Dojcinovic começou a publicar fanzines para outros entusiastas do punk como ele. Ele passou a estudar jornalismo na faculdade e depois trabalhou em um meio de comunicação controlado pelo Estado. No entanto, como jovem repórter, ele se sentia cada vez mais desiludido com a indústria.

Ele se voltou para reportagens investigativas depois de ler um livro que documentava o assassinato do primeiro-ministro sérvio Zoran Djindjic. Inspirado por parte da cobertura detalhada do incidente e dos ensaios que se seguiram, Dojcinovic começou a procurar treinamentos de jornalismo investigativo.

Os treinamentos levaram ao trabalho freelance para o OCCRP e, posteriormente, a um envolvimento mais substancial no centro de investigação no final dos anos 2000. Ele se tornaria o editor-chefe do Centro de Jornalismo Investigativo da Sérvia (CINS) antes de fundar a KRIK em 2015.

“Sabíamos exatamente o que estava faltando no jornalismo na Sérvia. Queríamos um meio de comunicação focado apenas em corrupção e crime organizado”, disse Dojcinovic. “Queríamos cobrir esses campos com detalhes completos. Se você quiser aprender alguma coisa sobre corrupção e crime na Sérvia, basta acessar nosso site e encontrar tudo. Todos os ensaios, casos, notícias diárias e histórias de investigação.”

Embora o KRIK opere principalmente em sérvio, o canal traduz cerca de 10% de seu conteúdo para o inglês. Isso é importante para aumentar o impacto das reportagens mais contundentes do site, disse Dojcinovic.

"É assim que causamos impacto. É crucialmente importante. Por quê? Porque toda a grande mídia na Sérvia é controlada pelo governo”, disse Dojcinovic. "Se publicarmos em inglês e uma grande agência como o New York Times, o Guardian, o BuzzFeed (qualquer grande nome) pegar, então isso começa alguma coisa."

"Lutamos contra a censura usando o inglês", acrescentou. "Se conseguirmos contar uma história em inglês, ela será revertida. Não haverá maneira possível de [as principais empresas] controlá-la.”

Com a Sérvia caindo para o número 90 no ranking de liberdade de imprensa dos Repórteres Sem Fronteiras, 14 pontos a menos que no ano passado, não é surpresa que este trabalho tenha levado a ameaças e ataques pessoais de aliados do governo contra Dojcinovic.

“Em geral, a lógica deles não é machucá-lo fisicamente, mas torturá-lo mentalmente. O que eles fazem é monitorar ativamente o tempo todo: tirar fotos de você, ouvir seus telefonemas, enviar informações aos tabloides e publicar o que você está fazendo”, explicou Dojcinovic, acrescentando que isso leva a um estresse permanente e paranoia para muitos repórteres.

Mesmo sob esse estresse e vigilância, ele continua reportando sobre corrupção e crime organizado. Dojcinovic compartilhou conselhos para jornalistas investigativos que cobrem tópicos sensíveis em condições semelhantes.

Steven Dojcinovic

(1) Primeiro, os jornalistas precisam colaborar. Agentes do crime organizado e políticos corruptos há muito trabalham juntos e é hora de os jornalistas fazerem o mesmo, disse ele.

"[Juntos] vocês são melhores, mais fortes e trabalham mais eficientemente", disse Dojcinovic. “Para o crime organizado, isso é histórico, e agora temos mais e mais autocratas que se articulam. Os jornalistas ainda não são eficientes o suficiente nas redes.”

"Todos os grandes projetos — Panama Papers, OCCRP — foram realizados por meio de grandes colaborações."

(2) Segundo, os repórteres devem manter sua integridade, mesmo se ficarem desencorajados pela falta de impacto que sua cobertura de irregularidades possa ter e devem resistir ao desejo de sensacionalizar suas reportagens, insistiu Dojcinovic.

"Você deve seguir seus padrões e não se tornar um tabloide", disse ele. "No final, somos jornalistas investigativos. Devemos continuar na linha."

(3) Finalmente, ele argumentou que precisamos deixar de considerar o jornalismo investigativo um serviço comercial. O ofício floresceria melhor se o abordássemos como um serviço público.

“Talvez alguns tipos de jornalismo possam ser [comerciais], mas o jornalismo investigativo com certeza não vai ganhar dinheiro. Deveria ser um serviço público como o policiamento”, afirmou. "Quando os jornalistas tentam ganhar dinheiro com isso, prejudicam a reportagem."

Acima de tudo, Dojcinovic permanece claro em sua missão. Ele vê o valor nas reportagens da KRIK,  especialmente a longo prazo.

“Um dia quando o governo mudar, essas histórias terão um grande impacto. Entrevistamos algumas pessoas sobre a corrupção, mas agora elas estão mortas. Temos as entrevistas e os documentos que seriam destruídos”, afirmou. "Se não reportássemos sobre esses casos, ninguém saberia. Essa evidência de corrupção precisa ser salva. Está lá."


Imagem principal cortesia de Stevan Dojcinovic