Nos últimos anos, na Etiópia, dezenas de jornalistas foram presos injustamente em um esforço para reprimir o trabalho da imprensa.
Autoridades detiveram 92 profissionais de mídia entre 2019 e 2024 — um número em ascensão enquanto o governo prende repórteres que estão cobrindo o conflito em curso na região de Amhara, baseando-se em "ligações com as forças rebeldes ou justificando as prisões com leis de estado de emergência", de acordo com uma relatório de 2024 do Comitê de Proteção aos Jornalistas (CPJ).
Segundo o relatório, os jornalistas estão detidos em prisões não oficiais e em campos de detenção militar, mantidos em condições deploráveis "sem supervisão jurídica, acesso à família ou aconselhamento jurídico". De acordo com o censo prisional do CPJ, a Etiópia foi o segundo país que mais prendeu jornalistas na África Subsaariana em 2024, atrás da Eritreia.
Além disso, a Repórteres Sem Fronteiras registrou vários casos de jornalistas mortos enquanto trabalhavam. Em janeiro de 2021, por exemplo, o jornalista da TV Tigray Dawit Kebede Araya e seu amigo foram atingidos por tiros fatais em um incidente que, segundo a organização independente Conselho de Direitos Humanos da Etiópia, teve como responsáveis forças de segurança do governo não especificadas.
Eu conversei com dois jornalistas presos atualmente em Addis Ababa, ambos temerosos por suas vidas enquanto aguardam julgamento.
Jornalistas presos
O atual governo do primeiro-ministro Abiy Ahmed começou a prender jornalistas em grandes quantidades durante o conflito do Tigré entre 2020 e 2022, explica Dawit Tadesse, jornalista, membro da Associação Etíope de Profissionais de Comunicação de Massa e ex-editor-chefe da Tefeh, publicação que teve o funcionamento suspenso pelo governo.
Durante o conflito entre as Forças de Defesa Nacional Etíopes e o grupo paramilitar Frente Popular de Liberação do Tigré, também o antigo partido no poder no país, autoridades federais detiveram arbitrariamente jornalistas que cobriam a guerra, diz Tadesse. "Cinco amigos meus que são jornalistas foram presos pela polícia federal. Dois deles ainda estão presos e os outros foram exilados."
Durante o conflito do Tigré, uma facção etno-nacionalista conhecida como Fano lutou ao lado do governo em uma aliança efêmera. As tensões permaneceram latentes entre ambas as partes após a assinatura de um acordo de paz que pôs fim à guerra. No entanto, em agosto de 2023, o conflito explodiu na região de Amhara. Atualmente, o Fano está envolvido em um conflito armado com as Forças de Defesa Nacional Etíopes.
"Nós temíamos que o movimento do governo para desmontar o Fano provocasse outra guerra, e quando eu fiz uma matéria sobre isso, fui detido", diz Tarif Andualem*, que também criticou a administração do governo da região de Amhara e questionou a abordagem do primeiro-ministro ao desmantelamento das milícias do Fano. Ele observa que o fato de se identificar como amhara, grupo étnico nativo da região de Amhara, foi uma razão a mais para ser perseguido por autoridades estatais.
Andualem, preso há mais de um ano, preocupa-se com a segurança de sua família e com a impossibilidade de protegê-la. Ele não tem fé no sistema jurídico. "Os tribunais se politizaram e estão sendo usados pelo Estado", ele diz, para manter os jornalistas presos. Mesmo que fosse libertado pela Justiça, Andualem diz que teria que fugir para outro país em nome de sua segurança. "Não posso ficar na Etiópia enquanto o primeiro-ministro Abiy estiver no poder. Eu morava em Addis Ababa mas tive que me mudar para uma outra cidade porque não me sentia seguro lá", diz.
A história de Andualem não é única. Assédios, prisões injustas, exílio e silenciamento de jornalistas que ousam cobrir o conflito na região de Amhara tornaram-se comuns.
George Mengistu*, autor e tradutor, foi preso há dez meses, acusado de ser simpatizante do Fano e membro da equipe de mídia do grupo devido à cobertura que ele fez de crimes de guerra durante o conflito.
"Abiy está cometendo as mesmas atrocidades que ele cometeu no Tigré, mas não quer que a imprensa fale sobre isso. Ele realizou vários ataques de drones contra civis e seu exército estuprou milhares de mulheres. O que está acontecendo é uma limpeza étnica", diz Mengistu, que atualmente aguarda julgamento.
Deterioração de proteções
A Lei de Proclamação da Mídia na Etiópia, aprovada em 2021, protege contra prisões arbitrárias de jornalistas, censura e suspensão injusta de veículos de comunicação por autoridades estatais. Porém, profissionais de mídia e organizações de direitos humanos acusam o governo federal de usar essas mesmas técnicas para reprimir a liberdade de imprensa e críticos.
Mulatu Alemayehu Moges, jornalista e professor de jornalismo e comunicação da Universidade Oslomet, explica que embora o primeiro-ministro tenha inicialmente aliviado as restrições contra a imprensa e encorajado a liberdade de expressão após assumir o poder em 2018 (o que levou ao surgimento de novas plataformas de mídia e à melhoria da liberdade de expressão), a fase de lua de mel não durou muito.
"A lei de mídia de 2021 é ótima, mas em termos práticos o governo a desaprovou. Para isso, em 2022, nomeou ao conselho da Autoridade de Mídia Etíope (EMA) alguns membros do partido governante", diz Alemayehu.
A decisão violou a Lei de Proclamação da Mídia, que proíbe funcionários e membros de partidos políticos de fazerem parte do conselho. A lei também exige transparência e participação pública na nomeação dos membros. No entanto, o parlamento etíope, que é controlado pelo partido do primeiro-ministro, aprovou as nomeações.
Alemayehu deixou a Etiópia em 2023 após um ataque de autoridades federais. Os agentes saquearam a casa do jornalista, confiscaram um computador e outros equipamentos e o submeteram a um interrogatório estressante. Ele sabia que sua residência no país havia chegado ao fim. "Não estava em paz porque estava sob vigilância. Portanto, ficar não era uma opção. Eu sabia que minha família não ia estar segura", diz.
A intimidação e os ataques forçaram jornalistas como Alemayehu a se autocensurarem e em alguns casos a deixar o país, assim como ele teve de fazê-lo. Alguns jornalistas exilados ainda recebem ameaças de autoridades federais, ele acrescenta. Um colega jornalista de Alemayehu recebeu mensagens intimidadoras de autoridades etíopes que ameaçaram sequestrar sua família se ele continuasse divulgando o que estava acontecendo no país ou se criticasse o governo.
"Sem governança democrática, não há esperança para um clima de mídia melhor no futuro próximo, a não ser que o governo mude sua forma de atuação", diz Tadesse. "A Etiópia se tornou palco para o show de um único homem e Abiy é quem faz a performance. Só ele pode mudar isso."
*Os entrevistados preferiram não revelar seus nomes reais
Esta reportagem teve o apoio de um subsídio do Institute for War and Peace Reporting.
Foto via Pexels by Kelly.