O jornalismo investigativo exige que o repórter reaja com serenidade a situações mais difíceis. É o que afirma Edmundo Cruz, jornalista peruano que, aos 86 anos e mais de 30 dedicados à investigação, fala publicamente pela primeira vez sobre saúde mental. "Os efeitos são reais e naturais na saúde mental do jornalista. Você não vai deixar de ter medo, você é um ser humano", diz.
Cruz é uma referência do jornalismo investigativo. Na ditadura dos anos 1990, ele investigou violações aos direitos humanos cometidos por grupos paramilitares. "O jornalista precisa de um estado de espírito bem sólido para trabalhar", explica. Devido ao seu trabalho, Cruz já enfrentou desde processos judiciais (o mais recente teve início em 2016) até ameaças de morte.
Nos últimos anos, Cruz tem notado um aumento de ações judiciais contra jornalistas. A Associação Nacional de Jornalistas do Peru (ANP) também já alertou sobre o crescimento do assédio judicial no país. E isso tem impacto na saúde mental dos repórteres. "Não somos o Super-Homem para não sentir o efeito dessas medidas", diz.
O assédio judicial dos jornalistas tem como um risco adicional a falta de confiança na justiça peruana. Do total de repórteres peruanos entrevistados para o Worlds of Journalism, 97% disseram que a impunidade dos assédios é sua principal preocupação, conforme explica Liliana Kanashiro, pesquisadora a cargo do levantamento.
Ainda de acordo com a pesquisa, a segunda principal preocupação dos repórteres é a saúde mental.
Neste contexto, cinco jornalistas investigativos peruanos, que trabalham em diversos veículos e que enfrentam processos judiciais, falam nesta reportagem sobre como o assédio impacta sua saúde mental: desde o estresse da incerteza até o difícil, porém libertador, ato de às vezes chorar.
Defender-se com poucos recursos
Mabel Cáceres, diretora do El Búho, na região de Arequipa, no sul do Peru, é descrita pela Repórteres Sem Fronteiras como "uma das campeãs latino-americanas no enfrentamento de ações judiciais". Ela já sofreu 16 processos por seu trabalho jornalístico. "Cheguei a ter quatro ou cinco processos simultâneos", comenta.
A ameaça judicial mais recente contra Cáceres e sua equipe vem de um político que exigiu que o veículo se retrate ou pague 1 milhão de sóis peruanos (cerca de R$ 1,5 milhão de reais) como reparação. O estresse causado pelo assédio é maior quando os recursos econômicos são limitados e os processos exigem cifras exorbitantes.
No Peru, instituições como a ANP, o Instituto de Defesa Legal e o escritório de advocacia Arbizú & Gamarra se uniram para fazer a defesa dos jornalistas a um preço social ou sem custo algum. Porém, esta é uma solução limitada: por exemplo, a ANP explica que recebe mais casos de assédio judicial do que é capaz de atender.
Mesmo quando recebem apoio legal, os jornalistas precisam investir várias horas em sua defesa. Cáceres trabalha dez horas diárias entre tarefas jornalísticas e administrativas que não incluem o tempo dedicado aos processos. Este ritmo cria um estresse adicional que impacta na produtividade.
"Era muito difícil me concentrar, não tinha tempo nem ânimo de fazer outras coisas", conta Cáceres. O estresse gerou problemas de alimentação e o aumento dos níveis de colesterol e glicose. Além disso, "dormia pouco porque o estresse não deixava". Desde então, Cáceres melhorou sua dieta e pratica pilates três vezes por semana.
Apoio entre os colegas para se sentir bem
Christopher Acosta, chefe do departamento de investigação de um canal de TV no Peru, também já enfrentou processos judiciais com exigências econômicas atípicas. Em 2021, um político peruano o processou por publicar sua biografia e exigiu uma reparação civil no valor de 100.000.000 sóis peruanos (cerca de R$ 145 milhões de reais).
"Fiquei preocupado principalmente no início: era a primeira vez que me processavam por uma cifra absolutamente atípica", comenta Acosta. Como o livro era um projeto pessoal, Acosta dividia seu tempo entre o trabalho e o processo. "Eu dedicava horas do meu tempo livre. O processo gerou uma grande distração do meu trabalho", conta.
Acosta explica que não teve estresse clínico por causa do processo em parte porque se sentiu apoiado pela comunidade jornalística e pela população, algo que não costuma acontecer no Peru. Entidades locais, como o Instituto de Imprensa e Sociedade, a Fundação Mohme, a ANP e o Conselho da Imprensa Peruana, e globais, como o Comitê para a Proteção de Jornalistas, se pronunciaram em apoio ao jornalista.
Acosta foi condenado a dois anos de prisão em primeira instância. Mas, diante da pressão, o político desistiu de continuar com o processo.
"Conversar entre jornalistas ajuda bastante", garante Acosta, acrescentando que nestes espaços "você encontra padrões comuns de preocupação".
Acosta tem razão. Experiências como a terapia em grupo da Sociedade Peruana de Psicanálise para fotojornalistas, que foi realizada entre o fim de 2023 e o início de 2024, foram benéficas. Sobretudo quando as redações estimulam a narrativa do jornalista como um super-herói que não pode demonstrar fraqueza.
Acosta também identificou esse padrão no trabalho: "há uma narrativa segundo a qual o jornalista deve ser resistente e duro, principalmente o jornalista investigativo, e essa armadura não permite compartilhar as coisas".
É certo que o jornalismo investigativo enfrenta riscos consideráveis e requer coragem do jornalista. Nesse ponto os entrevistados concordam. No entanto, como destaca Acosta, não significa que não possamos pedir ajuda. "Não temos motivo para usar uma armadura quando o acompanhamento emocional ou psicológico é necessário. Deveríamos nos abrir e contar nossas histórias pessoais para os colegas, para alguém de nossa confiança."
O silêncio do herói
O esporte tem servido para que Daniel Yovera se livre do estresse. Ele costumava ir para a academia para dar socos em um saco de boxe; às vezes, joga futebol com os amigos. Mas ele se deu conta que costuma jogar com muita força. Um amigo o fez perceber isso, inclusive. Será que tudo isso não é estresse? Yovera reconhece que costuma guardar muitas de suas preocupações para si mesmo. "É um problema", completa.
Como jornalista investigativo, Yovera já trabalhou no impresso e na TV e é um dos fundadores do portal Epicentro. Ele reconhece que trabalha mais de 12 horas por dia, pois divide seus horários entre tarefas jornalísticas, administrativas e sua defesa legal. Há seis anos ele enfrenta um processo por revelar as ligações de uma organização religiosa com o tráfico de terrenos no Peru.
"É extenuante, me deixou bastante cansado", explica Yovera. Porém, ele admite que costuma evitar conversar sobre o tema com colegas, amigos e família. Os primeiros porque "têm seus próprios problemas", os segundos porque podem não entender o que vive um jornalista e os terceiros porque não quer sobrecarregá-los com estresse.
O trabalho de Yovera interferiu em sua personalidade reservada. Ele se deu conta, por exemplo, que se tornou "um pouco duro" e que não socializa muito devido às preocupações que tem como jornalista. Ele diz que o jornalismo investigativo te obriga a construir sua própria armadura: "é a única autoproteção que temos".
De acordo com Yovera, essa armadilha faz com que a pessoa não guarde emoções. Por exemplo, faz tempo que ele não chora. "Não houve nenhuma situação que me tenha feito chorar como forma de desabafo. Peculiar, não é? Por que será?", reflete.
Yovera reconhece a importância da saúde mental porque, em suas próprias palavras, ela não só permite estabelecer relações humanas saudáveis como também é requisito para que um jornalista enfrente os desafios da profissão. "Cuide da saúde mental para poder enfrentar situações e desafios de grande magnitude", acrescenta.
Ele diz que, no futuro, gostaria de fazer terapia. "Queria viver com menos preocupações, estresse e medos. Isso me faria mais feliz", conta.
Terapia como aliada do jornalismo
A jornalista Paola Ugaz se considera convencida da importância da saúde mental: "a terapia é fundamental porque sua ferramenta de trabalho é o seu cérebro e a saúde mental é a chave para que você faça um jornalismo melhor". Ela explica que descobriu isso em meio a uma guerra sem trégua. Em 2019, Ugaz apareceu na primeira página da imprensa local com a manchete: "a jornalista com mais denúncias no ano devido às suas investigações".
Após revelar os abusos cometidos por uma organização religiosa, Ugaz foi denunciada várias vezes por crimes que vão desde difamação até lavagem de dinheiro. O assédio judicial foi condenado por entidades internacionais como a Anistia Internacional. Em 2022, em um ato de desagravo público, Ugaz foi recebida pelo Papa Francisco no Vaticano.
Mas o impacto não pôde ser evitado. Somaram-se ao assédio judicial campanhas de desprestígio e ameaças de morte. "Perdi 12 quilos, afetou muito a minha vida", explica. Ela também teve problemas para dormir, uma diminuição na produtividade e tem programados exames neurológicos para medir o impacto da exposição a estresses sucessivos.
"Chegou um ponto em que eu sentia que não conseguia mais", confessa.
Ugaz entrou em contato com uma psicóloga que a ajudou a dar sentido e um nome ao que estava acontecendo. "Reconheci ter medo e que passei por momentos muito difíceis, porque me dei conta da importância que é dar nome às coisas", explica.
Quando, no fim do ano passado, foram descobertas pressões irregulares para manter ativas os processos contra ela, Ugaz pôde, enfim, chorar. "Foi um choro bonito, um desabafo bonito; a primeira vez que, em meio a todo esse ataque, sentia que podia chorar."
Ugaz agora recomenda aos colegas que comecem a falar sobre como se sentem e sobre sua saúde mental, principalmente àqueles de sua geração que aprenderam a exercer o jornalismo em um ambiente que reprime as emoções. "Isso me ajudou demais e vai ser fundamental para o meu trabalho como jornalista de agora em diante."
*Esta reportagem faz parte de um especial sobre a saúde mental dos jornalistas no Peru. Ela foi realizada com o apoio do veículo peruano La Encerrona por meio da bolsa Rosalynn Carter para o Jornalismo em Saúde Mental da Universidade da Colômbia e o Centro Carter dos EUA.
Os vídeos foram produzidos com a colaboração de Leslie Moreno.
Imagem principal por Daniel Reche via Pexels.