Jornalistas moçambicanos e as constantes violações a liberdade de imprensa

Jan 26, 2025 em Liberdade de imprensa
mapa Moçambique

O jornalismo moçambicano enfrenta inúmeros desafios, mais ainda diante das manifestações pós eleições que ocorrem desde outubro do ano passado, convocadas pelo candidato presidencial Venâncio Mondlane. Ele contesta os resultados eleitorais gerais.

Segundo a organização não governamental Decide, a polícia tem reprimido as manifestações com violência. Mais de trezentas pessoas foram mortas e cerca de três mil ficaram feridas. Muitos jornalistas fazem parte destes números. O Instituto de Comunicação Social para Africa Austal em Moçambique  relata que os crimes contra a liberdade de imprensa agravaram com os processos eleitorais em 2023 e 2024.

Até dezembro do ano passado, foram contabilizados 18 crimes contra a liberdade de imprensa, incluindo agressão, ferimento a bala, ameaças e intimidação a jornalistas, destruição de equipamentos de trabalho bem como o impedimento de cobrir eventos públicos e políticos. 

A imprensa entre as vítimas de violência

Herculano Mário Marregula , operador de câmera da TV Glória  na cidade de Maputo, foi uma das vítimas da atuação policial. No dia 21 de Outubro, durante uma das manifestações (convocadas para protestar um duplo homicídio de cunho político), Marregula foi atingido na perna pela polícia. Ele acredita que a ação polícial tenha sido intencional, uma vez que foi direcionada ao local onde os jornalistas entrevistavam o candidato presidencial.

“Era uma simples homenagem aos assassinados, mas a polícia estava equipada como nunca", conta Marregula. "Nós estávamos numa transmissão ao vivo e de repente vimos a polícia atirar. Eu vi o comandante da unidade de intervenção rápida dar ordens para se atirar, eu estava a captar imagens e fui logo atingindo”. Ele ficou dois dias internado, precisou ser engessado e ainda  enfrenta dificuldades para trabalhar.

A jornalista de direitos humanos Sheila Wilson, que trabalha no Centro para Democracia e Direitos Humanos (CDD), tem feito cobertura das manifestações, sofreu com o gás lacrimogêneo e viu colegas serem atingidos por balas da polícia.

“Essa é uma prova de que a liberdade de imprensa em Moçambique não é efetiva. Cobrir assuntos ligados às eleições não tem sido fácil, antes mesmo das eleições de Outubro, era difícil chegar aos locais dos fatos e quando lá chegávamos éramos barrados pelas autoridades policiais", explica Wilson."É constitucional que a imprensa deva ser livre. Mas nós jornalistas temos assistido dias difíceis, porque vemos sempre uma resposta violenta das autoridades”

Quem pratica jornalismo cidadão tem sido ainda mais prejudicado. “Temos o caso do blogueiro Shottas que foi morto a tiros, quando estava a exercer o seu direito, denunciando atos de violência", relembra Wilson.

A jornalista diz ainda que o jornalismo em Moçambique tem existido na base da coragem e determinação. "Há situações em que os jornalistas não conseguem publicar determinada matéria  porque o material foi confiscado pela polícia". Para ela a situação deixa traumas sobretudo pela falta de capacitação dos profissionais para cobertura de cenário de conflitos.

Exemplos de intolerância à liberdade de imprensa

O oficial de comunicação e advocacia do Instituto de Comunicação Social para Africa Austral (Misa) em Moçambique, Armando Nhantumbo, denuncia que a polícia durante as manifestações não cumpre o seu papel, uma vez que devia tomar as medidas necessárias para que a repressão contra os manifestantes não atingissem os jornalistas.

“Os jornalistas não estão nas ruas porque querem, ou porque gostam, e nem porque apoiam os manifestantes, mas estão nas ruas porque a profissão obriga. Infelizmente a polícia age de maneira violenta", diz Nhantumbo. Ele cita o quanto foi difícil conseguir socorro a um jornalista ferido justamente durante o funeral do blogueiro Shottas e considera grave "o fechamento do país para o exercício das liberdades fundamentais".

Nhantumbo apresenta outros exemplos de violação aos direitos da imprensa, quando em Gilé, na Zambezia, jornalistas portugueses foram expulsos pelas autoridades com a desculpa de fala de visto. "A fotografia geral é muito trágica de uma intolerância, em que não só procura-se silenciar os cidadãos que tentam exercer o seu direito de manifestação, mas também os jornalistas.”

Repressão por meio de cortes da internet 

Nas eleições autárquicas de 2023, durante a contagem dos votos, alguns ativistas denunciaram um corte de internet por alguns minutos. Este corte voltou a ocorrer durante as manifestações. O Governo justificou que a ação foi feita pelas operadoras de telefonia móvel para que não fossem usadas como veículo de informação para destruir o país. Organizações no país ligadas à liberdade de expressão submeteram uma providência cautelar junto ao tribunal de Maputo, que decidiu proibir as operadoras de bloquearem a internet.

“A internet foi desligada por ordens superiores e foi difícil porque eu trabalho online, faço lives. Ainda pior para quem não tem literacia digital e não sabia que era possível aceder por via de VPN", explica Wilson. "Nós jornalistas tivemos que no reinventar para transmitir informações aos cidadãos, mas acima de tudo é nosso papel como jornalistas informarmos que o corte da internet é uma violação de direitos humanos”.

“Quando os relatórios de avaliação do estado da liberdade de imprensa e de expressão, da democracia em Moçambique sairem em 2025  continuaremos a ser tratados como um regime autoritário", diz Nhantumbo. "Enquanto país,   temos que lutar para mudar isso, porque não podemos dizer ao mundo que somos uma democracia enquanto disparamos contra jornalistas”.


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