Como jornalistas na Turquia estão cobrindo a crise climática

Dec 7, 2023 em Reportagem de meio ambiente
Town in Turkey along the water

A crise climática é global, porém poucos jornalistas na Turquia cobrem o assunto. E quando o fazem, na maioria das vezes falham em comunicar o imediatismo do problema. 

"Na Turquia, há uma ausência notável de especialistas na área de mudança e política climática entre correspondentes e jornalistas. Mais especificamente, há uma carência de jornalistas dedicados à cobertura do clima", diz Özlem Katısöz, coordenadora de políticas da Turquia na Rede de Ação Climática.

Mas alguns jornalistas turcos se dedicam à editoria, cobrindo tópicos como desmatamento devido à mineração de carvão, incêndios induzidos pela mudança climática e os efeitos do mercado de combustíveis fósseis nas instituições públicas.

Junto com o trabalho produzido pelo setor cultural da Turquia, esses jornalistas estão se esforçando para cobrir a crise e suas muitas consequências diante de vários desafios.

Desafios da cobertura climática

aquecimento dos mares turcos devido à mudança climática é um exemplo de um problema que tem sido pouco coberto pela mídia turca. Cientistas marinhos dizem que os efeitos do fenômeno, como a introdução de baiacus e peixes-leões, são uma grande ameaça ao ecossistema marinho.

"Comunidades de pequena escala não são bem informadas. Não é fácil convencê-las de que o cumprimento da lei é essencial", diz Zafer Kizilkaya, diretor fundador da Sociedade de Conservação do Mediterrâneo e o primeiro cidadão turco a vencer o Prêmio Ambiental Goldman, também conhecido como o Nobel Verde.

Em um cenário dominado pela mídia pró-governo, muitos jornalistas relutam em produzir um trabalho crítico às políticas ambientais do governo. A contribuição relativamente pequena do país para as emissões de carbono em comparação com os principais emissores globais, como os Estados Unidos e a China, também diminui a seriedade da resposta do governo e da indústria à cobertura de questões climáticas.

independência energética da Turquia também é frequentemente reduzida a uma questão de segurança nacional na política dominante. A dependência do país em relação ao carvão para alimentar sua rede de energia é um problema discutido na mídia nacional como uma questão de política local, apesar dos protestos contra o desmatamento em larga escala na Região do Egeu de Akbelen, em meio a uma série de catástrofes ambientais.

Em 2021, o governo turco acrescentou "Mudança Climática" ao nome de seu Ministério do Meio Ambiente e Urbanização, mas a medida trouxe pouca melhoria para o que na maioria das vezes é, em vez de ação, uma manifestação da boca pra fora dos objetivos ambientais.

Cobertura ambiental na Turquia hoje

Devido a esses desafios, a cobertura das consequências de longo prazo das emissões climáticas é praticamente inexistente.

"Infelizmente, a falta de especialização no clima em meio aos profissionais de mídia impõe um desafio quando se trata de produzir notícias com uma perspectiva climática na Turquia", diz Katısöz. "Porém, nós temos conseguido preencher essa lacuna colaborando com colegas experientes e usando vários canais de comunicação, tanto tradicionais quanto as redes sociais."

Por exemplo, o Ember, centro de pesquisa climática, desfruta da rara posição de ser respeitado tanto por representantes da indústria quanto por ambientalistas devido aos seus relatórios de credibilidade baseados em dados quantitativos colhidos e analisados por equipes de pesquisadores respeitados. "Nossa abordagem é encontrar um equilíbrio entre o pessimismo e o otimismo em nossas mensagens", diz Ufuk Alparslan, chefe regional do Ember na Turquia.

Em um estudo recente, o Ember elogiou a porcentagem de energia eólica da Turquia em comparação com outros países, ao mesmo tempo em que criticou o fato de a energia solar estar ficando atrás. "Este tipo de mensagem e enquadramento funciona bem na Turquia: independência energética, economia de importações, tornar a Turquia mais independente de outros países", completa Alparsian. "Mas se você focar só nos aspectos ambientais, como a meta de 1,5º C para o aumento da temperatura global ou redução de emissões, as pessoas não estão realmente interessadas."

Alguns veículos alternativos pequenos que cobrem a mudança climática e questões ambientais relacionadas também conseguiram obter algum sucesso com seu trabalho. Dentre eles estão o Yeşil Gazete, site especializado em meio ambiente, e Kaldıraç, revista mensal socialista. Ambos cobriram protestos contra a mineração de carvão e a destruição de áreas verdes por megaprojetos sob o governo Erdogan. Outros veículos mais tradicionais, incluindo a rádio Açık Radyo e sua série contundente "Green", e publicações de esquerda como o jornal diário BirGün, fizeram coberturas sobre a planta de energia nuclear de propriedade russa na Turquia e o aquecimento global, dentre outras questões.

Jornalistas locais na maioria das vezes têm limitações para engajar audiências globais tendo em vista que o financiamento estrangeiro foca no jornalismo em língua turca. Com isso, restam menos opções de financiamento para newsletters independentes em inglês como a Turkey recap ou a ANKA Review

Jornalistas como Selin Ugurtas recorreram ao Substack para conseguir sustentabilidade. O projeto dela, "Três Séculos de Fogo Lento", também recebeu financiamento da plataforma social democrata alemã Friedrich-Ebert-Stiftung

No caso de outras publicações, questões ambientais são transversais a temas urgentes, como direitos trabalhistas. A Direnisteyiz, plataforma de extrema-esquerda com foco em questões socioeconômicas, publica matérias diárias sobre projetos industriais e desmatamento. Ela é frequentemente bloqueada por censores do governo. "Falta uma perspectiva geral na Turquia", diz Tuğgen Gümüşay, repórter da revista. "Em termos de questões ambientais, os socialistas turcos não sabem o que têm que fazer. O meio ambiente é um problema básico, mas falta saber o que vamos fazer a respeito e como vamos fazê-lo." 

Arte e cobertura ambiental

Uma das poucas áreas remanescentes do jornalismo independente é o setor de arte. Nas revistas digitais, vozes da sociedade civil liberal sobrevivem diante do revisionismo cultural autoritário promovido pelo regime do AKP na Turquia.

"As pessoas interessadas em questões ambientais começaram a resistência contra o governo durante os protestos de Gezi em 2013. Temos uma boa história de resistência", diz o acadêmico e historiador da arte Fırat Arapoğlu. "É por isso que temos que questionar esses problemas, principalmente no caso de empresas que apoiam exposições de arte e ao mesmo tempo causam dano à natureza." Ele observa que os protestos do Parque Gezi em 2013 começaram como uma iniciativa para proteger um parque no centro da cidade.

No entanto, a arte tem uma relação complicada com a mudança climática. "Koç, Sabancı e Limak são apenas alguns exemplos de empresas na Turquia que apoiam a arte mas ao mesmo tempo participam de projetos que prejudicam o meio ambiente", diz Arapoğlu. Em um artigo na revista ArtDog, Arapoğlu criticou o mecenato artístico de Ebru Özdemir, presidente da Limak Holding, destacando como empresas como a Limak patrocinam arte ambientalista ao mesmo tempo em que são cúmplices da extração de carvão e do desmatamento. Em outro texto, Arapoğlu descreditou as exposições de arte com temática ambiental do banco Şekerbank’s, que apoia setores que prejudicam o meio ambiente

"A audiência de arte, que ama arte, precisa saber o que empresas ambientalmente destrutivas buscam atingir ao apoiarem projetos artísticos e culturais, e os potenciais problemas que elas criam", diz. 

Afinal, acrescenta Gümüşay, "o mundo não vai ser habitável. Todos nós falamos isso."


Foto por Emre via Unsplash.