Bolsistas do ICFJ Knight dão conselhos para estudantes de jornalismo em 2025

por IJNet
Jan 16, 2025 em Inovação da mídia
2025

Começamos um novo ano que, indubitavelmente, vai trazer novos desafios para jornalistas no mundo todo.

Desde já, estamos testemunhando os incêndios devastadores em Los Angeles e arredores, e observando como as redações estão optando por cobrir os impactos nas pessoas e em suas comunidades, ao mesmo tempo em que asseguram sua própria segurança.

Além disso, em poucos dias o presidente eleito Donald Trump vai retornar ao cargo nos EUA; a guerra Israel-Hamas continua, assim como a invasão da Rússia à Ucrânia; e cada vez mais, no mundo todo, jornalistas e redações são forçados a se realocar e trabalhar do exílio para evitar perseguição em seus países de origem. Paralelamente, a viabilidade da mídia continua sendo a preocupação central do setor, e tecnologias e ferramentas de IA continuam progredindo.  

Neste início de 2025, perguntamos aos nossos bolsistas do programa ICFJ Knight sobre suas perspectivas para o novo ano e quais desafios e/ou oportunidades eles estão se preparando para encarar. Os bolsistas também deram seus melhores conselhos para estudantes e jornalistas em início de carreira para terem sucesso no cenário atual do jornalismo.

A seguir estão os insights do designer de experiências de aprendizado e gerente de projetos Mattia PerettiDaniel Nardin, do Amazonia Vox; e José J. Nieves, do El Toque.

Quais desafios e/ou oportunidades relacionadas ao jornalismo você espera enfrentar em seu trabalho em 2025?

Mattia Peretti

No setor como um todo, mais e mais pessoas estão começando a fazer perguntas fundamentais que Anita Li — editora e CEO da The Green Line — compartilhou em suas previsões para 2025 feitas para o Nieman Lab: "Por que nós, como jornalistas, fazemos o que fazemos? Qual o nosso valor fundamental? E como nós traduzimos esse valor para o público de forma clara e acessível?"

Nós precisamos seguir fazendo esse tipo de pergunta e focar incansavelmente no valor que podemos fornecer às pessoas que estamos aqui para servir. Temos que continuar evoluindo nossa missão de "informar o público" para ajudar as pessoas a se orientarem em suas vidas e participarem de suas comunidades de forma significativa. 

Em 2025, a minha missão continua sendo apoiar o movimento crescente que trabalha na reinvenção do jornalismo, colocando as necessidades e curiosidade das pessoas no centro de tudo que fazemos.

Daniel Nardin

Eu acredito que a inteligência artificial vai continuar prosperando, mas pode começar a criar certa fadiga em relação à produção de conteúdo. Nós temos que lembrar que o jornalismo prospera a partir de histórias reais de pessoas reais, e eu aposto que casos e personagens historicamente marginalizados e invisíveis vão experimentar um interesse renovado e se tornarem uma característica distintiva do jornalismo comprometido, responsável e original.

Nesse sentido, ainda que a busca por cifras de tendências domine boa parte da agenda jornalística, há espaço para crescimento e visibilidade de histórias genuínas e reais que apresentem vozes locais fora dos grupos dominantes.

Isso é especialmente verdade quando nós consideramos o aumento médio das temperaturas médias globais em anos recentes, muita retórica com pouca ação, e os impactos da mudança climática nas populações, particularmente no Sul Global. Portanto, eu acredito que a cobertura climática vai ganhar ainda mais destaque — especialmente em um ano marcado por acontecimentos geopolíticos internacionais significativos, o que aumenta as expectativas em torno de decisões que podem reverberar mundialmente. Porém, com o jornalismo, temos que ir além dos discursos e declarações oficiais e finalmente colocar as pessoas e suas vozes no centro.

José J. Nieves

Neste ano, duas grandes oportunidades — que também impõem desafios significativos — são particularmente inspiradoras para mim e minha equipe. A primeira é a chance de demonstrar que o jornalismo, como um serviço público, também pode ser um negócio sustentável. 

Ao longo dos últimos quatro anos, nossa equipe no El Toque desenvolveu um serviço inovador: um monitor do mercado informal de câmbio em Cuba, alimentado por inteligência artificial. Esse produto de alto impacto nos ensinou que o jornalismo não se trata apenas de contar histórias convincentes; ele também pode tomar a forma de ferramentas práticas que tratam de necessidades críticas nas vidas da nossa audiência, como uma calculadora ou uma visualização de dados. Até o momento, oferecemos essa informação gratuitamente, sustentando-a com subsídios. Mas, nos próximos meses, nós vamos assumir um novo desafio: testar modelos de monetização para provar — para nós mesmos e o setor — que um veículo sem fins lucrativos pode gerar receita comercial ao mesmo tempo em que mantém sua missão e independência. Para um projeto que vem contando exclusivamente com subsídios por mais de uma década, este é um passo à frente ambicioso e animador.

O segundo desafio é igualmente motivador: testar uma hipótese que começamos a explorar como jornalistas exilados. Nós acreditamos que a mídia no exílio pode descobrir novas formas de receita ao desenvolver produtos ou conteúdos que atendam as necessidades de comunidades em diáspora onde elas se estabelecem em busca de segurança.

Muitos veículos exilados funcionam com seu foco firmemente fixado em seus países de origem, trabalhando incansavelmente para romper a censura e combater regimes autoritários que os forçaram a ir embora. No entanto, esse foco de longa distância às vezes nos deixa cegos perante as oportunidades bem diante dos nossos olhos: exilados e migrantes, como nós, também têm necessidades informativas ligadas às novas realidades nas comunidades que nos acolhem.  

Eu acredito que há uma oportunidade real para a mídia no exílio desenvolver conteúdo ou verticais que funcionem como a mídia local, servindo comunidades definidas não só pela geografia, mas pela identidade cultural e étnica. No nosso caso, isso significa nos conectarmos mais profundamente com a comunidade cubano-americana, oferecendo informação que aborde sua nova realidade e explorando modelos de negócios únicos à mídia local — diferente daqueles que sustentam os veículos focados somente em seus países de origem.

Estes dois empreendimentos — buscar a sustentabilidade por meio de receita comercial e criar produtos para comunidades da diáspora — representam uma evolução da minha missão. Em 2025, eu continuo comprometido com o desenvolvimento de estratégias que fortaleçam a mídia e os jornalistas no exílio, uma tarefa que continua me enchendo de entusiasmo e propósito.

Quais habilidades, ferramentas e recursos estudantes de jornalismo e profissionais em início de carreira devem buscar para ter sucesso no cenário atual da profissão?

Peretti

A coisa mais importante para estudantes de jornalismo e jornalistas em início de carreira não é uma ferramenta ou habilidade específica, mas aceitar que ser um jornalista não significa apenas criar conteúdo, seja texto, áudio ou vídeo.

O setor precisa de mais pessoas que queiram trabalhar no jornalismo pela vontade de entender o que as audiências precisam, como podemos ouvir as pessoas de forma mais eficiente e fazer com que elas se sintam e de fato sejam parte daquilo que fazemos. 

Se você quer fazer a diferença no jornalismo atual, comece reconhecendo que a ideia nunca foi ser um mero exercício de criação de conteúdo. O jornalismo é um serviço para as pessoas e para a nossa sociedade.

Nardin

Conhecimento especializado em uma área particular de interesse continua sendo um diferenciador. Seja em áreas como IA, mudança climática, conflitos internacionais ou refugiados, expertise técnica aprofundada vai ser uma vantagem crítica diante da homogeneização superficial do conteúdo impulsionado por algoritmos.

Além disso, como vem sendo uma tendência há alguns anos, ter habilidades multimídia e multiplataforma sólidas — entendendo diferentes técnicas para adaptar e distribuir conteúdo para diversas audiências — é crucial. Outro aspecto que eu destacaria, que pode ganhar tração, é o letramento de mídia. Essa é uma área essencial onde o jornalismo pode ser um aliado significativo e fundamental da educação e vice-versa.

Nieves

Na faculdade de jornalismo, ninguém nunca me ensinou como liderar uma equipe de jornalistas — muito menos como pensar sobre o lado dos negócios do jornalismo. Mas eu me dei conta que nossa paixão por contar histórias de impacto não nos deve cegar diante da realidade que, no fim do mês, as contas ainda precisam ser pagas. Para fazer o que amamos — contar histórias — nós precisamos de um modelo de negócios sólido que nos permita sustentar a aventura.

Os colegas jovens de hoje são incrivelmente resilientes e naturalmente sintonizados para se adaptarem a novas tecnologias e às rápidas mudanças de tendências na produção e consumo de conteúdo e informação. Seja adotando ferramentas de IA neste ano, mudando para o vídeo em redes sociais há dois anos ou dominando o SEO antes disso, eles demonstram uma flexibilidade notável. Porém, eu acredito que é igualmente importante nos familiarizarmos com ferramentas e estratégias empreendedoras para financiar o tipo de jornalismo que queremos criar.     

Nem todo mundo deseja ser um empreendedor ou executivo de mídia, e isso é perfeitamente normal. Mas alguns vão se tornar os editores e líderes de equipes do futuro. Para eles, ter as habilidades para gerenciar equipes criativas e cultivar uma mentalidade focada na criação de produtos jornalísticos que abordem as necessidades da comunidade vai ser crucial. Essas ferramentas e esse espírito são essenciais para o futuro do jornalismo.


Foto por BoliviaInteligente via Unsplash.