Ameaças em ascensão nas redes sociais do Oriente Médio e Norte da África

Jun 8, 2023 em Redes sociais
People on cell phones

Este é o segundo artigo da série em duas partes que analisa as tendências que estão restringindo o acesso e uso de redes sociais no Oriente Médio e Norte da África. Leia a primeira parte aqui.


O Oriente Médio é uma região grande e complexa com história e cultura diversas. Partes da região estão entre as mais digitalmente conectadas no mundo, mas essa conectividade muitas vezes pode se justapor a restrições e questões culturais que podem reduzir o uso dessas tecnologias.

Temos visto como novas leis e regulamentações podem limitar a liberdade de expressão e diminuir o acesso ao conteúdo. De forma semelhante, ataques contra jornalistas e criadores de conteúdo também estão crescendo.

De acordo com o Índice Mundial de Liberdade de Imprensa de 2023, “o Oriente Médio e Norte da África (MENA na sigla em inglês) continua sendo a região do mundo mais perigosa para jornalistas, com a situação classificada como 'muito ruim' em mais da metade de seus países". Isso se deve em partes às guerras na Síria e no Iemên, mas também reflete uma região que a Repórteres Sem Fronteiras (RSF) descreve como "sob o jugo de regimes autoritários". Dos 180 países do mundo que constam no mais recente ranking da RSF, somente um país do MENA – Israel – está no top 100. A nação ficou no 97º lugar.    

Enquanto isso, governos na região estão também cada vez mais adeptos ao uso de ferramentas digitais, incluindo redes sociais, como plataformas para tentar moldar suas narrativas dentro do país e no exterior.

Nesse contexto, também vemos a ascensão de várias ameaças à liberdade da mídia e expressão criativa no Oriente Médio. Nem todos os desafios são oriundos da região, mas o impacto deles é o mesmo: sufocar o fluxo de informação e ampliar o espectro de perigos que jornalistas e usuários de redes sociais precisam enfrentar. 

(1) Crítica crescente ao Vale do Silício e a plataformas dos Estados Unidos

O relatório do ano passado destacou a inadequação das principais plataformas de tecnologia à moderação de conteúdo em árabe. Além disso, estamos vendo uma crítica contínua – às vezes crescente – a essas empresas, principalmente no que diz respeito ao conteúdo da e sobre a Palestina. Isso vai desde o bloqueio de contas à percepção de conduta tendenciosa no tratamento diferente de vozes palestinas e israelenses.

Uma análise encomendada pela própria Meta sobre como a empresa conduziu o conflito em Gaza em 2021 concluiu que a empresa "violou os direitos dos usuários palestinos à liberdade de expressão, liberdade de reunião, participação política e não-discriminação, disse a AP. Conforme explicou o The Washington Post, a Meta fez isso ao remover erroneamente conteúdos de usuários palestinos e punindo usuários falantes de árabe com mais rigor do que os que falam hebreu."  

O congelamento de contas nas redes sociais – e o bloqueio de conteúdo – em plataformas ocidentais como Facebook, WhatsApp, Instagram e Twitter fez com que os palestinos migrassem para o TikTok, declarou a Arab News. O crescimento contínuo do Telegram também pode ser parcialmente atribuído a isso e à reação contra as plataformas ocidentais.

 

(2) Manipulação por toda parte

Nós precisamos reconhecer que governos "amigáveis" também estão tentando influenciar as redes sociais. Em um texto para a Time, Marc Owen Jones observou que "regimes autoritários no Golfo, junto com empresas e expertise ocidentais, estão usando tecnologia digital e redes sociais para tentar hackear a democracia onde quer que a encontrem, inclusive nos Estados Unidos." 

Os Estados Unidos também estão envolvidos nessas fronteiras da guerra cibernética. Uma investigação do The Intercept revelou que o Twitter trabalhou com o Pentágono para promover atividades militares dos Estados Unidos no Oriente Médio. Isso incluiu colocar em uma lista privilegiada um grupo de contas a pedido do governo […], o que inclui portais de notícias e memes gerados pelo governo dos Estados Unidos, em um esforço para moldar a opinião sobre o Iemên, Síria, Iraque, Kuwait e além."

Já o Politico destacou as disparidades entre como as gigantes de tecnologia estão lidando com a desinformação – incluindo a manipulação de plataformas com patrocínio estatal – nos principais mercados ocidentais e em outras partes do mundo, incluindo o Oriente Médio.

"Agentes suspeitos do Kremlin vendem falsidades se passando por modelos do Instagram. A organização terrorista Hezbollah posta propaganda como se fosse uma organização jornalística. Mais de dois milhões de iraquianos entram para grupos do Facebook onde armas são compradas e vendidas sem verificação", informou o site. 

"Bem-vindo ao mundo das redes sociais em árabe – um Velho Oeste onde a moderação de conteúdo é mínima, governos estrangeiros agem com abandono e jihadistas estimulam o ódio online em possivelmente alguns dos países do mundo mais devastados pela guerra.

(3) Postar de fora do país virou um grande problema

Vários casos que ganharam visibilidade no ano passado destacaram como usuários de redes sociais podem ser penalizados nos países do MENA por posts publicados enquanto moravam ou trabalhavam em outro lugar.

Salma al-Shehab recebeu uma sentença de 34 anos na prisão, acompanhada da proibição de viajar por 34 anos, devido à sua atividade no Twitter. Ela usou a plataforma para seguir e retuitar dissidentes e ativistas enquanto fazia seu pós-doutorado no Reino Unido, informou o Guardian.

Al-Shehab foi presa no início de 2021 depois de retornar para a Arábia Saudita para passar férias e foi sentenciada a seis anos de prisão por violar as leis do país de combate ao terrorismo e contra crimes cibernéticos. No recurso, a pena foi ampliada para 34 anos, com a proibição de viagem adicional acrescida ao final da sentença. 

 

"A decisão é a maior pena já dada a uma defensora dos direitos das mulheres sauditas", comentou o The Freedom Initiative, uma ONG de Washington D.C. 

De maneira semelhante, em outubro, o governo saudita sentenciou um homem com dupla cidadania saudita e americana a 16 anos de prisão, mais 16 anos de proibição e viagem, depois de tweets serem usados para culpá-lo por desestabilizar o reinado e apoiar e financiar o terrorismo. Saad Ibrahim Almadi foi liberado da prisão em março de 2023, informou a Axios, "mas o homem ainda está sob uma proibição de viagem imposta pela Arábia Saudita que o proíbe de voltar para casa na Flórida."  

Os tweets em questão foram "postados enquanto ele estava nos Estados Unidos, alguns dos quais eram críticos ao regime saudita", disse o The Washington Post. Almadi foi preso no fim de novembro depois de viajar da Flórida para Riyadh para ver sua família.

A sentença foi baseada nos 14 tweets, disse Almadi à BBC. Eles incluíam críticas à demolição de partes antigas das cidades de Meca e Jeddah, uma referência ao jornalista saudita assassinado Jamal Khashogg e preocupações relativas à pobreza no reino saudita. 

Nenhum desses problemas e tendências relacionados à liberdade da mídia e liberdade de expressão destacados são novos. Você pode encontrar exemplos desses problemas em várias reportagens que eu venho produzindo há mais de uma década. Mas essas tendências parecem estar se tornando mais evidentes, demonstrando os obstáculos contínuos que alguns criadores e consumidores de conteúdo experimentam no MENA. Sendo assim, são eventos que usuários de redes sociais – e defensores da liberdade da mídia – precisam continuar a monitorar e acompanhar de forma vigilante.


Leia mais sobre essas questões e tendências mais amplas no livro Social Media in the Middle East 2022: A Year in Review, de Damian Radcliffe e Hadil Abuhmaid com Nii Mahliaire, publicado pelo Unstituto Crossings da Universidade do Oregon-UNESCO.

Foto por camilo jimenez via Unsplash.


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Jornalista

Damian Radcliffe

Damian Radcliffe é professor de jornalismo na Universidade de Oregon, bolsista do Tow Center for Digital Journalism na Universidade Columbia, pesquisador honorário da Escola de Jornalismo da Universidade de Cardiff e membro da Royal Society for the Encouragement of Arts, Manufactures and Commerce (RSA).