3 lições do Digital News Report 2024 para redações

Aug 9, 2024 em Sustentabilidade da mídia
People standing in a futuristic digital landscape

Publicado pelo Instituto Reuters para o Estudo do Jornalismo, o levantamento anual Digital News Report é leitura obrigatória para qualquer pessoa interessada na saúde do jornalismo. Abrangendo 47 mercados no mundo todo, o relatório mais recente tem 168 páginas e apresenta as opiniões coletadas de 95.000 consumidores de notícias. 

Tendências que já vêm de anos anteriores, algumas das principais questões que emergem incluem: a ascensão das notícias em vídeo e das plataformas de vídeo (com o TikTok notavelmente continuando a ganhar terreno entre os mais jovens), o aumento da preocupação com a desinformação (principalmente no TikTok e no X), problemas contínuos de abstinência de notícias e fadiga de notícias, bem como níveis estagnados de assinantes em muitos mercados grandes, como os EUA e o Reino Unido. 

Muitos desses assuntos já foram explorados por aí, na maioria das vezes em um turbilhão de opiniões apressadas que acompanharam a divulgação inicial do estudo. Em uma direção diferente, o relatório oferece dados e estudos de caso valiosos que podem ser usados para orientar estratégias das redações para muitos dos problemas que infestam o setor. 

Seguindo por esse caminho, abaixo estão três áreas em que toda redação deve explorar formas de agir.

(1) Você precisa de uma estratégia no YouTube (se já não tiver uma)

muito tempo eu argumento que as redações subestimam o poder e a importância do YouTube. Para muitos veículos, a presença na plataforma é resultado de uma reflexão tardia com poucos recursos. É um erro. 

Conforme observam os autores do estudo, "o YouTube é usado semanalmente para o consumo de notícias por quase um terço (31%) da nossa amostra global". Além disso, diferentemente de outras plataformas com um apelo mais visual – como o TikTok ou Instagram, que tendem a serem usados pelos mais jovens –, o apelo do YouTube é notavelmente consistente em todos os grupos etários.

Nesse contexto, e talvez de modo surpreendente para muitas redações, "o YouTube é também o destino principal para quem tem até 25 anos, embora o TikTok e o Instagram não estejam muito atrás".

A maioria das redações dá muito mais atenção para essas plataformas mais novas do que para o YouTube, o vovô das redes sociais que priorizam vídeos. As conclusões do relatório podem encorajar os veículos a repensar essa abordagem.

 

Youtube graph

A contínua evolução da plataforma do YouTube também oferece oportunidades para as redações.

Talvez a manifestação mais óbvia disso possa ser vista na popularidade dos podcasts em vídeo e do consumo de podcasts na plataforma.

Além disso, também há oportunidades para outros tipos de conteúdo alcançarem grandes audiências.

Nos EUA, quase metade (45%) de toda a audiência do YouTube vem de smart TVs. Conforme observado pelo eMarketer, houve um aumento desde 2020, quando essa taxa era inferior a 30%.

Isso trouxe oportunidades para o crescimento tanto de vídeos curtos quanto longos. A plataforma tem de tudo, desde vídeos em formato curto (YouTube Shorts) até conteúdos longos como documentários ou entrevistas mais extensas como o formato 73 Perguntas da Vogue e as mesas-redondas de uma hora de duração do Hollywood Reporter com importantes atores e diretores (eu sempre achei que este último funcionaria bem como um podcast, mas a versão em áudio ainda não foi lançada).

Tendo em vista o alcance global do YouTube (2,5 bilhões de usuários mensais), sua popularidade para conteúdo noticioso e não-noticioso, bem como o tempo que os usuários gastam na plataforma (cerca de 19 minutos por dia), ele é uma plataforma grande demais para ser ignorada pelas redações.
 

Most used social platforms graph. Facebook is on top.

via DataReportal

(2) Precisamos falar sobre agregadores

Do mesmo modo, eu defendo que os veículos de mídia também precisam reavaliar sua relação com agregadores. Essa dinâmica pode ser tensa e problemática. No entanto, o alcance e impacto contínuos desses sites demonstram a importância deles para as estratégias de distribuição das redações.

Em regiões como o Sudeste da Ásia, os agregadores são há muito tempo uma importante porta de entrada para as notícias. O Yahoo! News e o Line News, por exemplo, são as principais fontes de notícias para os consumidores de notícias digitais do Japão. O Yahoo! chega a 53% das audiências digitais semanalmente, enquanto o Line chega a quase um em cada cinco (17%).

De modo mais geral, "em todos os mercados, mecanismos de busca e agregadores, considerados juntos (33%), são uma porta de entrada para as notícias mais importante que as redes sociais (29%) e que o acesso direto (22%)". Os mecanismos de busca correspondem à maior fatia desses números. Mas os agregadores estão no mesmo nível dos alertas em celulares e um pouco à frente do email como forma de acesso às notícias.

Apesar disso, a maioria das redações concentra mais esforços em notificações push e newsletters como uma forma de chegar até a audiência (o mesmo pode ser dito dos eventos do setor, em que você raramente ouve discussões sobre agregadores, mas há muitos painéis sobre newsletters). Estes dados podem encorajar as redações a reconsiderarem sua abordagem.

E conforme observa o estudo, "uma grande proporção de alertas em celulares (9%) também é gerada por agregadores e portais" em vez das próprias publicações, mais uma vez questionando se as redações dão muita ênfase a esse recurso.

 

Aggregators

 

Dito isso, embora os veículos subestimem o papel desempenhado pelos agregadores, a função tradicional deles está sob ameaça devido ao surgimento dos chatbots e dos resultados de busca gerados por IA.

Enquanto isso, o surgimento de agregadores baseados em IA, que podem extrair conteúdo de toda a internet, também traz o risco de enfraquecer os tipos de parcerias pagas que os veículos buscaram desenvolver com plataformas como Apple News, Flipboard, dentre outras. Nesse mercado mais fragmentado, os veículos podem não ver mais os mesmos benefícios dos agregadores tradicionais.

Como resultado, as redações devem explorar uma variedade ampla de mecanismos para chegar até a audiência. Porém, embora o tráfego dessas plataformas esteja mudando, elas vão continuar sendo importantes nos próximos anos e além. A popularidade contínua dessas ferramentas com os consumidores significa que os veículos precisam refinar e otimizar continuamente o modo como usam essas plataformas, ao mesmo tempo em que testam novas formas de alcançar a audiência.

(3) Há muito o que aprender com influenciadores

Muito frequentemente há um esnobismo em muitas redações em relação ao papel dos influenciadores e do mercado de criadores de conteúdo. Porém, podemos aprender muito com eles.

Digital News Report explica isso ao destacar como audiências mais jovens muitas vezes se afastam da forma como as notícias são tradicionalmente produzidas. Em muitos casos, não há identificação com o assunto, estilo ou métodos de distribuição.

Para remediar isso, precisamos olhar para os criadores de conteúdo mais novos, aprender e fazer parcerias com eles sempre que possível e adequado.

Eu digo adequado porque muitos desses criadores são comentaristas partidários em vez de jornalistas. Consequentemente, eles podem forçar pontos de vista em particular e o trabalho deles pode não resistir ao escrutínio jornalístico e à verificação de fatos.  

No entanto, as redações devem analisar por que alguns desses criadores são consumidos e têm a confiança de audiências potencialmente maiores, e usar essa análise para orientar e questionar suas abordagens aos formatos de narrativa e formas de distribuição.

Esse sentimento pode ser especialmente útil em plataformas com maior apelo visual, como TikTok, YouTube e Instagram, onde muitas marcas de jornalismo tradicionais e jornalistas podem ter dificuldade para converter o alcance e reputação que têm em outros espaços.

 

Who leads grapjh

 

Um exemplo de destaque citado pelo relatório sobre o qual vale se debruçar é do criador de conteúdo francês Hugo Travers, também conhecido como Hugo Décrypte, que produz vídeos explicativos sobre política. Travers tem 2,85 milhões de assinantes no YouTube, 6,4 milhões no TikTok e 3,9 milhões no Instagram. Isso se contrasta com os 280.000 seguidores que ele tem no X, o que diz muito sobre onde está a audiência dele e como ele atende essa audiência.

Conforme ele disse à CNN no início desse ano, "minha geração gasta muito tempo no YouTube. Você precisa criar conteúdo onde as pessoas estão. Se eu gasto tempo no YouTube ou no Instagram, por que eu não me informaria no YouTube ou no Instagram?" 

O Instituto Reuters observa que a idade média dos seguidores dele é de 27 anos, em comparação à média de 40 a 45 anos de marcas tradicionais como Le Monde ou BFMTV.

Startups e veículos alternativos como Hugo Décrypte destacam as falhas de veículos tradicionais em meio a determinadas audiências. Isso pode ser particularmente verdade em áreas como confiança, diversidade e narrativa digital. O sucesso deles não pode ser subestimado e há muito que a mídia tradicional pode aprender com eles.

 

No ano passado, Travers fez uma entrevista aprofundada (1h45min) com o presidente francês Emmanuel Macron

 

Para concluir, o Digital News Report 2024 traz insights cruciais e estratégias de ação para redações que encaram o panorama de mídia em constante mudança. 

Com as redações se esforçando para engajar as audiências de forma mais efetiva, essas descobertas sublinham a necessidade de adaptabilidade e inovação. Além disso, os dados demonstram algumas das formas pelas quais os veículos devem inovar e testar, caso já não estejam fazendo isso.

Embora cada mercado e cada veículo sejam diferentes, as conclusões da pesquisa e dos estudos de caso oferecem uma abundância de possibilidades a partir das quais se pode aprender, remixar e adaptar.

Dentre elas, eu acredito que a ascensão contínua das plataformas de vídeo como o YouTube, a subestimação contínua da importância dos agregadores e as lições a serem aprendidas com os influenciadores estão entre as mais importantes. Mas há muitas outras.

Coletivamente, o estudo destaca os diversos desafios e oportunidades enfrentados pelo setor. E se você for fundo o bastante, ele oferece pistas vitais para que possamos juntar as peças, o que ajuda a traçar um caminho adiante para que os veículos jornalísticos possam se conectar com audiências mais jovens e maiores, ao mesmo tempo em que garantem que vão continuar sendo fontes relevantes e confiáveis de informação em um mundo digital cada vez mais fragmentado.


Foto por Robs via Unsplash.


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Jornalista

Damian Radcliffe

Damian Radcliffe é professor de jornalismo na Universidade de Oregon, bolsista do Tow Center for Digital Journalism na Universidade Columbia, pesquisador honorário da Escola de Jornalismo da Universidade de Cardiff e membro da Royal Society for the Encouragement of Arts, Manufactures and Commerce (RSA).