Após dez anos de guerra civil, mídia independente do Iêmen está por um fio

Sep 6, 2024 em Liberdade de imprensa
Yemen on a map

guerra civil do Iêmen, que já dura uma década, impôs riscos significativos aos jornalistas independentes.

Desde a eclosão da guerra, em 2015, os lados em conflito — no norte, os Houthis, e no sul, o governo iemenita reconhecido pela ONU e o separatista Conselho de Transição do Sul (STC na sigla em inglês) — vêm acusando os jornalistas independentes de promoverem desinformação e realizarem espionagem, colocando em risco a segurança dos profissionais. Jornalistas foram ameaçados, sequestrados e detidos arbitrariamente.

Sindicato dos Jornalistas Iemenitas (YJS na sigla em inglês) registrou 45 assassinatos de jornalistas desde o início do conflito. Seis jornalistas encontram-se detidos no momento por diferentes grupos armados. 

Com a guerra se arrastando, o futuro do jornalismo independente no Iêmen fica ainda mais em dúvida.

Autoridades hostis

Os combates estão interrompidos desde abril de 2022, mas os jornalistas iemenitas continuam em risco. O relatório bienal 2024 do YJS registrou 41 violações contra jornalistas e veículos na primeira metade deste ano, incluindo ameaças, incitações à violência e sequestros.

No início de maio, um homem armado atacou o secretário-geral do YJS, Mohammed Shubaita, e o primo dele na capital Sanna. O primo morreu e Shubaita ficou ferido.

O sindicato responsabiliza as autoridades Houthi de fato em Sanaa pelo ataque. As autoridades disseram que o incidente foi resultado de um combate entre forças de segurança e homens armados, e que Shubaita foi pego em meio ao fogo cruzado.

Autocensura

Antes da guerra, jornalistas iemenitas podiam se deslocar livremente pelo país sem medo de serem detidos, sequestrados, atacados ou mortos. Hoje, fazer reportagens de rua é um desafio muito maior em função da fragmentação do país em múltiplas autoridades e grupos militantes.

Para se protegerem, os jornalistas frequentemente praticam a autocensura. Por exemplo, ao cobrir questões humanitárias, eles podem vir a usar linguagem mais leve para mencionar os lados em guerra; também adiam reportagens sobre assuntos mais sensíveis em favor de tópicos como esportes ou meio ambiente.

Mohammed Al-Samaei, jornalista radicado em Taiz, província no sudoeste do Iêmen, diz que embora os jornalistas muitas vezes optem por não cobrir política e assuntos militares que podem atrair atenção hostil das facções em guerra, isso não garante sua segurança.

"A reportagem de rua é arriscada esteja o jornalista contando uma história sobre a guerra ou sobre entretenimento. As partes envolvidas no conflito duvidam das intenções dos jornalistas e alguns os consideram espiões", diz Al-Samaei. "Isso diminui a produtividade dos jornalistas e fere a qualidade do jornalismo."

Escassez de trabalho

Com o fechamento de muitos veículos independentes no Iêmen durante a guerra, a quantidade de instituições de mídia associadas aos lados do conflito aumentou

Aproximadamente 119 revistas e jornais deixaram de publicar desde setembro de 2014, quando os Houthis tomaram Sanaa, de acordo com o YJS. Atualmente, apenas 13 jornais, entre independentes e afiliados ao governo, continuam operando no Iêmen.

Como resultado, muitos jornalistas deixaram a profissão e agora trabalham em outras áreas. Mesmo quando os jornalistas encontram trabalho, a remuneração é baixa e sem contratos - cerca de US$ 150 a US$ 200 por mês. 

"Muitos jornalistas trabalham sem contratos de trabalho em troca de pouco dinheiro, e muitos veículos locais e estrangeiros se recusam a assinar contratos com trabalhadores de mídia do Iêmen", diz o relatório do YJS.

Falta de treinamento de segurança

Jornalistas que cobrem a guerra civil precisam de treinamento de segurança, mas há pouca oferta de cursos do tipo.

"Saber como narrar uma história e responder quem, o quê, quando, onde e por quê não protege os jornalistas de danos em potencial durante a cobertura em campo", diz Al-Samaei. "O treinamento de segurança ocupacional protege. Mas as instituições de mídia do Iêmen não priorizam esse tipo de programa."

As poucas organizações que oferecem treinamento para jornalistas incluem o YJS, o Centro de Estudos e Mídia Econômica e o Centro de Notícias e Estudos Sul 24.

Recomendações para jornalistas

Tendo em vista o ambiente hostil à imprensa no Iêmen, jornalistas devem ter cuidado redobrado antes de fazer reportagem de rua. Sempre que possível, é preciso obter as licenças necessárias das autoridades para fazer a cobertura em determinado lugar. Sem credenciais, as autoridades podem considerar os jornalistas potenciais inimigos ou espiões.

Os jornalistas no Iêmen também devem ficar longe da linha de frente, plataformas de lançamento de mísseis e veículos militares. Quando a troca de fogo se intensifica, os combatentes na maioria das vezes recorrem a bombardeios pesados, o que pode ferir ou matar jornalistas mesmo se eles não forem o alvo direto.

Além disso, jornalistas devem ter cuidado com aquilo que publicam nas redes sociais, evitando linguagem inflamatória sobre um determinado grupo ou postagens que apoiem algum lado do conflito.

Com a persistência da instabilidade política e as hostilidades militares se arrastando, os desafios enfrentados pelos jornalistas iemenitas vão perdurar. Nessa triste realidade, a quantidade de inimigos dos jornalistas supera a quantidade de amigos.


Foto por Lara Jameson via Pexels.