O que se tem feito no Brasil para preservar a saúde mental dos jornalistas

نوشته Carol Diamante e Marina Souza
Dec 23, 2024 در Temas especializados
Terapia

Médicos, bombeiros e policiais são exemplos de profissionais que recebem incentivos para falarem sobre experiências traumáticas ligadas ao exercício da profissão e a buscarem apoio, caso necessário. Por que esses cuidados, geralmente, não se destinam a jornalistas e trabalhadores da imprensa constantemente expostos a situações difíceis?

O alto nível de cobrança, a comunicação violenta, a corrida pelo furo e prazos apertados, com pouco tempo de descanso, são agravantes das condições de trabalho. A boa notícia é que muitas organizações têm percebido essa lacuna relacionada à saúde mental dos profissionais da comunicação e estão criando ações e estratégias para discutirem sobre o tema e apoiarem esses profissionais.

Um guia de saúde mental

Uma dessas iniciativas é o “Está tudo bem ?- Guia básico de saúde mental para jornalistas”, criado pelo Redes Cordiais em parceria com o Instituto Tecnologia e Sociedade (ITS), com apoio do Meta Journalism Project. O guia traz um amplo material com informações que ajudam a identificar sintomas e situações que abalam a saúde psíquica, além de fornecer as seguintes dicas práticas de cuidados:

-Defina horários para a comunicação profissional;

-Preserve o tempo para o autocuidado e as atividades cotidianas em família;

-Pratique esportes, tenha um intervalo de almoço e mantenha uma alimentação saudável;

-Realize exercícios simples de respiração e alongamento diante de situações estressantes, aprenda técnicas de meditação e faça terapia, se possível.

A cofundadora do Redes Cordiais, Clara Becker, acredita que preservar a saúde mental é uma responsabilidade coletiva, envolvendo lideranças, colegas e o próprio setor. “É preciso reconhecer que muitos jornalistas estão esgotados, sobrecarregados e se sentindo pressionados para além do nível aceitável no âmbito profissional”. A percepção desse cenário levou à elaboração do guia. “Com ele, pretendemos auxiliar na criação de redações mais saudáveis, munindo jornalistas com ferramentas necessárias para enfrentar os principais desafios da profissão”, esclarece Becker.

Mas ainda há, segundo Becker, resistência dos jornalistas em procurar ajuda, muitas vezes motivada por sentimento de culpa e vergonha. “Valorizar a saúde mental é um passo importante para desconstruir a cultura do excesso de trabalho e do ‘herói resistente’, abrindo espaço para uma prática profissional mais humana e consciente”.

O Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT) em coberturas sensíveis

Outro material que aborda o tema é o“Guia Básico para Jornalistas em Cobertura de Eventos Extremos”, produzido pelo grupo de pesquisa Observatório de Comunicação, Liberdade de Expressão e Censura (OBCOM), da escola de Comunicação e Artes da USP, em parceria com a agência de comunicação DIX.

A cobertura durante a pandemia seguida dos desastres ambientais como os deslizamentos e as queimadas no Brasil não dão descanso para os profissionais que estão na linha de frente, enfrentando, muitas vezes, dilemas pessoais. “A intenção foi elaborar um guia de consulta rápida, em português, pelo pouco material existente sobre o trauma na cobertura de catástrofes ambientais. A ideia surgiu ao acompanhar as enchentes no Rio Grande do Sul”, explica Daniela Osvald Ramos, professora da USP.

O material ajuda a identificar os principais sintomas do Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT) em quem enfrenta situações limites. Pensamentos intrusivos, geralmente memória do que aconteceu (flashbacks), pesadelos e distúrbios do sono, mau humor e irritação constante, perda da capacidade de ver sentido e beleza na vida, hipervigilância, compulsões e vícios são sinais de alerta.

Ramos destaca a importância de saber administrar os gatilhos do estresse, como exaustão, ansiedade e frustração e ter a consciência dos próprios limites, para evitar o colapso. “Existe um mito que jornalistas aguentam tudo, trabalham sobre estresse e são incansáveis. Comportamentos que levam ao burnout são premiados, como nunca parar. Em algum momento, a sua saúde vai cobrar o preço”.

Pesquisa para avaliar a saúde mental da categoria

Para criar alternativas de suporte à categoria, a Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ), em parceria com a Fundacentro, lançou em abril de 2024 uma pesquisa nacional voltada para a saúde mental dos jornalistas. “Com essa pesquisa teremos elementos científicos para mensurar a dimensão do problema e poder pensar em estratégias no âmbito sindical para melhorar a situação,” explica Norian Segatto, diretor de saúde da Fenaj. Segatto destaca outro projeto com a Federação Nacional dos Psicólogos e sindicatos de psicólogos, que pretende propor parcerias de atendimento aos jornalistas, com previsão para o início de 2025.

A mobilização da categoria e um movimento sindical representativo colaboram na campanha para evitar o acúmulo de função e sobrecarga de trabalho devido às redações cada vez mais enxutas. “Um dos grandes desafios atuais na área de saúde é romper com a visão de que o burnout é um problema individual em que a pessoa precisa de medicação. Quem está doente são os ambientes de trabalho. Essa narrativa favorece as empresas de mídia e a indústria do remédio”, avalia Segatto.

Terapia para mudar rumos

O produtor de TV Raul Richard resolveu mudar os rumos quando percebeu que o ambiente de trabalho estava prejudicando sua estabilidade emocional pelas cobranças excessivas e falta de reconhecimento de seu trabalho. Richard procurou ajuda profissional e iniciou a terapia. “Passei a colocar a minha vida pessoal como prioridade e cuidar do físico, da saúde mental e da minha rotina.” Ele acabou optando pela mudança de emprego, e hoje atua como psicanalista. Para Richard, as redações deveriam ter um terapeuta disponível para os profissionais. “A fala é libertadora e muitas vezes pode amenizar situações engasgadas por meses.”

Procurar ajuda profissional quando perceber que não está bem é um passo importante. Cansaço frequente, irritabilidade, tristeza, sentimento de frustração, insônia, aceleração dos pensamentos e das atitudes são sinais apontados pela psicanalista Maria Salete Mantiolhe de que o emocional pede socorro. Para quem deseja um Ano Novo melhor, Mantiolhe dá a dica. “As melhores resoluções são as mais simples, que cada pessoa com sua particularidade tem certeza de que precisa tomar, pois não está suportando certas rotinas voltadas para fora de si, não considerando seus sonhos. Voltadas a responder às expectativas dos outros.”


Foto: Canva