Imagine conseguir o seu emprego dos sonhos para, logo em seguida, sentir que aquele não é o seu lugar.
Muitos jornalistas podem sofrer da "síndrome" do impostor em algum momento de suas carreiras. Mas para jornalistas mulheres e de minorias étnico-raciais, a síndrome do impostor pode ser mais acentuada, moldada por racismo estrutural, sexismo e microagressões no ambiente de trabalho.
"A síndrome do impostor envolve uma sensação de que você não deveria estar onde está. É este sentimento avassalador de ansiedade ou de 'eu não mereço isso'", diz Sara Avery, produtora da ABC News Live.
Estudos mostram que a síndrome do impostor é especialmente prevalente entre pessoas pertencentes a minorias étnico-raciais devido a vieses, pressões e falta de representatividade e de apoio no ambiente de trabalho. O ambiente hostil criado por essas condições e a sensação de não pertencimento gerada por elas são, não maioria das vezes, subestimados. Como resultado, essas minorias podem internalizar seus sentimentos como uma culpa pessoal.
"Para jornalistas de minorias, há a questão de ser 'duas vezes melhor'. Não sentimos que podemos falhar", diz P. Kim Bui, bolsista do programa de jornalismo John S. Knight da Stanford e ex-diretora sênior de produto e inovação de audiência na Arizona Republic. "Junte 'não posso falhar' com 'não sei como cheguei aqui, é um erro' e a situação fica bem ruim."
O impacto da síndrome de impostor em pessoas de comunidades marginalizadas continua sem ser discutido o bastante atualmente. A seguir está o que jornalistas de minorias étnico-raciais devem saber sobre a síndrome do impostor, como ela se manifesta e dicas para confrontá-la:
Pressões em um ambiente de alto risco
A síndrome do impostor se manifesta nas pessoas de várias formas, inclusive com depressão e ansiedade. Estudos sugerem que até 82% das pessoas experimentaram esses sentimentos em algum ponto e que os sintomas são especialmente altos em grupos de minorias étnico-raciais.
Avery sofreu síndrome do impostor severa quando foi trabalhar em uma empresa de alcance nacional. "O primeiro ano após a faculdade gerou muita ansiedade em mim", lembra. Embora ela tivesse experiência considerável como editora-chefe do jornal da faculdade e produtora executiva do noticiário da instituição, Avery se viu duvidando de si mesma no primeiro emprego.
"Eu sou qualificada o bastante para fazer parte de um canal de notícias nacional sendo uma pessoa de 22 anos que acabou de sair da faculdade?", ela se perguntava. A pressão que ela colocou em si mesma para ser perfeita foi intensa.
Embora qualquer jornalista em início de carreira passe por uma curva de aprendizado, a síndrome do impostor em jornalistas mais jovens pode comprometer significativamente o crescimento profissional, causando estresse e diminuindo a confiança.
Representatividade e apoio
Pessoas de minorias étnico-raciais são significativamente subrepresentadas nas redações dos EUA. De acordo com um estudo da Pew Research, 8% dos jornalistas são hispânicos, 6% são negros e 3% são asiáticos. Essa baixa representatividade pode fazer com que os jornalistas que sofrem com a síndrome do impostor se sintam isolados.
A falta de apoio também intensifica esses sentimentos. Bui recorda como ela sofreu formas sutis de desprezo no ambiente de trabalho que contribuíram para sua síndrome do impostor. Por exemplo, quando ela expressava interesse em assumir mais responsabilidade, ela se deparava com resistência.
"Quando eu quis entrar para a liderança, eu perguntei para o meu chefe se ele podia me ajudar. E ele respondeu 'você não pode ter o meu emprego', conta Bui. Esse tipo de ofensa a fez se sentir insignificante. "Era muito difícil ser não só uma mulher, mas também uma mulher de uma minoria étnico-racial querendo um cargo de liderança."
Bui se sentiu excluída várias vezes por ser uma mulher de uma minoria étnico-racial, e até mudou sua aparência em função dos comentários depreciativos de um colega de trabalho. "Talvez eu simplesmente não tenha a aparência ideal", ela pensava. "Eu comecei a mudar a forma como eu me vestia e o meu visual, o que eu realmente me ressentiria se fizesse hoje, mas senti que era necessário na época."
Ela diz que o mais desafiador foi a falta de mentoria e apoio. "Não há ninguém para dizer 'você está fazendo um bom trabalho', diz Bui, acrescentando que pressões culturais também estavam envolvidas na situação. "A pergunta constante era 'quando você vai ser o bastante?'. É uma coisa difícil de reverter."
Embora Bui ainda sinta a síndrome do impostor, ela aprendeu a lidar com essa condição. "Você vai melhorando a capacidade de contar pra si mesma uma história diferente daquela que uma parte sua está contando e fica melhor em se questionar por que você pensa certas coisas", diz.
Como melhorar a cultura das redações
É necessária uma mudança cultural das redações interessadas em lidar de forma efetiva com a síndrome do impostor no ambiente de trabalho. As empresas devem focar em mudanças sistêmicas, como representatividade, vieses e disparidade de salários.
"Uma coisa que acho estar mudando, e está muito melhor, é a capacitação de todo tipo", reconhece Bui, observando que iniciativas de diversidade, equidade e inclusão nas redações se tornaram mais comuns. "Deixar isso mais acessível para as minorias é importante."
Mas Bui complementa que não é o bastante que as redações simplesmente contratem mais profissionais de minorias étnico-raciais. Eles precisam estar em posições de liderança. "O que realmente vai ajudar é ter pessoas em quem se inspirar." Bui também defende mais e melhores programas de mentoria e capacitação para jornalistas.
Há três anos Bui foi uma das fundadoras da série de artigos Sincerely, Leaders of Color, uma série de artigos que oferece orientações para jornalistas de minorias étnico-raciais lidarem com a profissão e ao mesmo tempo ajuda aliados a entenderem como apoiar seus colegas de forma efetiva. A série, atualmente em pausa, discute iniciativas de diversidade, equidade e inclusão nas redações, apresenta soluções e traz autores e editores convidados, assegurando a inclusão de uma variedade de perspectivas e vozes.
O projeto se junta a iniciativas que dão mais espaço a mulheres e à diversidade no jornalismo, como o Projeto 50:50 da BBC, funcionando como caminhos para lidar com problemas de representatividade da mídia.
"As empresas, em geral, só precisam ouvir e agir concretamente", defende Avery. "Não ter medo de dizer 'estávamos errados. Causamos um grande estrago nessa situação'."
Como lidar com a síndrome do impostor
A seguir estão algumas dicas para jornalistas lidarem com a síndrome do impostor:
Reconheça os seus sentimentos
Superar a síndrome do impostor exige um certo nível de autoconhecimento sobre o porquê você está se sentindo de certa forma e a causa desses sentimentos. "Pergunte-se por que você acredita em certas coisas", aconselha Bui.
Crie uma rede de apoio
Crie uma rede de pessoas que podem te apoiar quando você passar pela síndrome do impostor. "A coisa que mais me ajudou a superar isso foi simplesmente ter pessoas com quem eu podia conversar e desabafar", diz Avery.
Reconfigure os seus pensamentos para focar nas suas conquistas
Quando Avery teve síndrome do impostor na redação, ela fez questão de reafirmar suas habilidades. "Você precisa lembrar a si mesma 'eu sei como fazer essas coisas. Eu preciso respirar fundo, e está tudo bem se eu pedir ajuda'".
Peça ajuda!
Avery ressalta que pedir ajuda é uma parte necessária do crescimento. Não é um sinal de incompetência, como muitos podem temer.
"Muitas vezes, quando você entra em certos espaços, você sente que as pessoas esperam que você saiba certas coisas, há um medo e hesitação em dizer 'eu preciso de ajuda para fazer isso' porque você quer provar que é competente", diz.
Esteja aberto a opiniões
Entenda que nem toda crítica é negativa, e que a crítica construtiva faz parte do processo de se tornar um jornalista melhor. "As pessoas correspondem ao nível de expectativa que você tem delas. Você precisa receber críticas e estar aberta ao aprendizado", diz Avery.
Busque ajuda profissional
Se a síndrome do impostor chegar a impactar significativamente a sua saúde mental, pode ser útil buscar apoio profissional.
"Eu aconselho todo mundo a fazer terapia, não só por causa da síndrome do impostor, mas para as coisas cotidianas", diz Avery. "Se você não falar sobre o que está te incomodando, o problema vai te destruir."
Foto por Markus Spiske via Pexels.