Propostas de bolsas de reportagem têm sido um recurso cada vez mais usado. De um lado estão organizações interessadas em fomentar o debate público sobre um assunto pelo qual advogam, oferecendo financiamento para agendar o tema entre os jornalistas; do outro, jornalistas em busca da aprovação de editores para seus projetos de reportagens. E há ainda as organizações de jornalismo envoltas na tarefa de alinhar missão editorial e um modelo de negócio capaz de sustentar financeiramente sua operação.
No geral, hoje em dia, bolsas de reportagem são uma oportunidade para tirar do papel ideias de investigações, séries de reportagens e produções que demandam mais tempo, dinheiro e sofisticação em alguma etapa de produção.
No melhor cenário, o repórter freelancer tem um longo histórico de colaboração com uma redação e o tema proposto pela bolsa está conectado com a missão pela qual a organização foi criada, mas não há recurso financeiro em caixa para arriscar no projeto. Em um cenário mais distante do ideal, a redação só consegue produzir reportagens quando sua rede de colaboradores é imediatamente financiada pelos recursos de uma bolsa de reportagem.
Tiny experiment
Minha sugestão neste artigo é debater as bolsas reportagem como oportunidade também para inovação, pautada pelo conceito de tiny experiment. A primeira vez que ouvi falar sobre a conexão deste termo e os negócios de jornalismo foi em 2021 por meio de Charo Henríquez, executiva do setor e editora de Desenvolvimento e Apoio à Redação, do The New York Times.
O conceito não é recente, mas se você fez carreira na redação de um grande jornal ou grupo editorial tradicional e, depois de anos de reportagem, partiu para fundar sua própria iniciativa de jornalismo, pode nunca ter ouvido falar sobre este tipo de oportunidade. Como ouvi de um colega recentemente, em ambientes de trabalho deste tipo, o conhecimento sobre inovação e gestão fica altamente concentrado no topo da liderança, sem muito compartilhamento.
Para defender como bolsas de reportagem e tiny experiments podem se relacionar, é preciso saber como funcionam esses pequenos experimentos. O foco é aprender e reunir evidências qualificadas sobre algo, geralmente um problema ou pergunta para qual há várias possibilidades de respostas com caminhos bem diferentes entre si. Por exemplo: “meus conteúdos da editoria XYZ têm, mês a mês, menos alcance, tempo de leitura e interação da audiência”, ou “devemos abrir uma nova frente editorial focada em Y ou Z?".
Outra característica dos tiny experiments, que você pode conhecer como ‘experimentação de iteração rápida’, se for familiarizado com a linguagem do Lean Manufacturing, é que eles têm um escopo pequeno, podem ser colocados em prática rapidamente, por tempo limitado e por poucas pessoas.
Voltando a um dos exemplos acima, a queda de audiência pode ser motivada por um problema de storytelling, uma mudança de foco de atenção de sua audiência, uma necessidade de achar novos canais de distribuição e etc. Um experimento para colher evidências sobre o que está ocorrendo pode envolver um editor, um repórter e duas ou três publicações.
Você pode gastar horas e horas com seus editores ouvindo suas análises de conjuntura e convicções sobre criar uma editoria sobre ‘Y’ ou sobre ‘Z’. Ou você pode construir propostas para uma bolsa de reportagens em parceria com seus freelancers, focando nos temas em questão e monitorar como sua audiência responde a cada uma ou quais audiências cada uma desperta, por exemplo.
O exemplo da plataforma Porvir
A Porvir é uma plataforma de conteúdos sobre inovações educacionais, baseada no gênero de jornalismo de soluções. A equipe conquistou uma bolsa de reportagem sobre justiça climática e racismo ambiental. Para isso, segundo Marina Lopes, editora de conteúdos especiais, a plataforma apostou na hipótese de que apesar da educação ambiental estar presente nos currículos escolares, faltava uma abordagem contextualizada para demonstrar aos estudantes que a crise ambiental atinge as pessoas de formas desiguais.
Com base na experiência de escolas indígenas, ribeirinhas e quilombolas, a equipe produziu diversos conteúdos sob o tema “Futuro Ancestral na Escola” para estimular professores a mapear as comunidades desses grupos no entorno de suas escolas e trazer o legado dos antepassados dessas lideranças para dentro da sala de aula.
O resultado foi a confirmação da demanda reprimida. “Após a publicação da reportagem e do material de apoio produzido com o suporte da bolsa, lançamos planos de aula para ajudar professores a trabalhar o conceito de justiça climática em diferentes etapas da educação básica”, destaca Lopes.
Foco em abordagem original e inovadora
Se você é do time de captação de recursos e está de orelha em pé com a ideia de correr risco experimentando hipóteses justamente no momento em que pode usar a bolsas de reportagem para começar uma relação com um possível financiador de longo prazo, não se apavore. Lembre-se de que num contexto de alta volatilidade e profundas mudanças na indústria de jornalismo, experimentar é antever. Se prepare para demonstrar que seu negócio tem as ferramentas necessárias para ser resiliente, adaptável e viável.
Além disso, ter hipóteses estruturadas na gaveta, prontas para se tornarem um experimento rápido, ajuda muito na conquista de editais de financiamento. A equipe da Porvir, por exemplo, teve três propostas selecionadas em oportunidades do tipo nos últimos anos.
“A partir da nossa experiência, eu diria que a intencionalidade da proposta é fundamental na hora de realizar a inscrição. Quem vai se candidatar para uma bolsa de reportagem deve pensar em uma pauta com abordagem original e inovadora, mas que ao mesmo tempo seja factível", considera Lopes. "Você precisa demonstrar para a comissão avaliadora que a sua ideia é relevante, tem impacto e você consegue colocá-la em prática dentro do prazo estabelecido pelo edital. Pensando nisso, quanto mais específica e direcionada for a sua pauta, mais chance você tem de se destacar na seleção”.
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