Ajuda mútua: tanto para jornalistas quanto para suas comunidades

Mar 22, 2024 em Temas especializados
A mural of two multicolored hands reaching out to each other on a white wall

Com as redações enfrentando pressões financeiras e mudanças de donos, muitos jornalistas recorreram à ajuda mútua para ajudar uns aos outros.

A ajuda mútua é a prática na qual as pessoas se unem para auxiliar comunidades cujas necessidades não estão sendo atendidas, muitas vezes devido à falta de um apoio estrutural. Não é caridade; em vez disso, segue um modelo no qual as pessoas dão o que podem e recebem o que precisam.

Para jornalistas, isso traz o potencial de melhorar a oferta de apoio imediato uns aos outros em uma época de crise, melhorar a forma como encaram a colaboração e focar nas comunidades que eles cobrem. 

Para obter conselhos sobre como repórteres podem incorporar ajuda mútua em seu trabalho, eu conversei com Tuck Woodstock, jornalista radicado no Brooklyn, criador do podcast "Gender Reveal" e cofundador do Sylveon Consulting; Katherine Kokal, repórter de educação de Palm Beach e fundadora de uma comunidade e rede que dá apoio a jornalista demitidos; e Emily Elena Dugdale, jornalista que vive em Los Angeles e coordenadora da mesma rede de apoio.

A seguir está o que eles compartilharam:

Foque na comunidade

O foco nas necessidades da comunidade está no cerne da ajuda mútua. Esteja você criando uma rede de apoio ou desenvolvendo um programa na sua redação para trabalhar diretamente com as comunidades que você cobre, é importante entrar em contato e fazer pesquisas com os membros da comunidade para descobrir suas necessidades.

"O que jornalistas precisam fazer é conversar com as pessoas nessas comunidades e descobrir o que elas precisam, quais redes de apoio já existem e como você pode ajudar", diz Woodstock.

Kokal fez uma pesquisa com alguns dos 400 jornalistas demitidos pela Gannett em 2022 quando começou sua comunidade de apoio. Entre as respostas que ela recebeu estavam pedidos de ajuda financeira, ajuda para procurar emprego e apoio emocional.

Centenas de pessoas entraram em contato com Kokal oferecendo ajuda, e ela dividiu os voluntários em comitês com base nos tipos de assistência que os repórteres demitidos pediram. Ao longo de seis meses, o comitê financeiro coletou US$ 10.000 em doações que foram distribuídas às pessoas com necessidades financeiras imediatas. 

"Nós, por meio do poder das redes sociais e da ajuda comunitária, mostramos às pessoas que ser demitido não é motivo de vergonha e que somos uma comunidade que apoia uns aos outros", diz Kokal.

Incorpore práticas de ajuda mútua no seu modelo

Ao criar práticas de ajuda mútua dentro do modelo do seu projeto, incorpore a comunidade no seu trabalho, seja do ponto de vista editorial ou dos negócios.

Por exemplo, a empresa de consultoria de Woodstock doa 5% de sua renda a pessoas tran passando por dificuldades, tendo em vista o foco em questões e pautas transgênero. "Soa desrespeitoso pedir que a minha comunidade respeite e se importe com o meu trabalho se eu também não respeitar nem me importar com o trabalho que eles fazem", diz.

Do ponto de vista editorial, alguns veículos criaram programas para trabalhar diretamente com suas audiências para garantir que estejam fazendo a cobertura das questões que são importantes para o público. 

City Bureau, laboratório de jornalismo com sede em Chicago, criou o Public Newsroom, uma série de oficinas gratuitas realizadas por membros da comunidade para falar sobre questões locais e promover o diálogo. O Outlier Media, redação sem fins lucrativos de Detroit, analisa dados públicos e faz pesquisas com moradores para entender suas necessidades informativas.

Repense o sistema

A ajuda mútua pode não fazer sentido para todos os veículos jornalísticos – principalmente aqueles que têm uma estrutura vertical, em vez de horizontal.

"Adotar o conceito de ajuda mútua no jornalismo exige repensar de forma radical o que é o jornalismo e a quem ele serve", diz Woodstock.

Para os veículos com uma estrutura de poder hierárquica, a ajuda mútua pode atuar contra o sistema em si. Tentar forçá-la vai acabar em uma versão enfraquecida que vai contra os princípios centrais, diz Woodstock. A ajuda mútua também pode não ser adequada para veículos que consideram a oferta de recursos como um conflito de interesses antiético.

Se a ajuda mútua não se encaixar na redação onde você trabalha, pense em maneiras pelas quais ela possa ser mais apropriada para um projeto pessoal fora do seu trabalho, como um podcast. 

Por exemplo, Woodstock usa as doações e a receita via Patreon recebida pelo Gender Reveal para retribuir a pessoas trans por meio de um fundo de ajuda mútua e oferta de subsídios. No ano passado, ele conseguiu doar um total de U$ 12.100 em subsídios, distribuir o equivalente a US$ 12.700 em lanches no Dia da Visibilidade Trans e fornecer US$ 25.100 em ajuda mútua em geral. 

"É um privilégio ter uma plataforma pequena como a que nós temos, e eu me sentiria desconfortável se eu não a estivesse usando para apoiar pessoas que precisam mais do que eu", diz Woodstock.

Use lições de ajuda mútua no seu trabalho jornalístico

O processo de apuração muitas vezes pode ser transacional: jornalistas extraem informações de suas fontes sem criar uma conexão para além disso, diz Dugdale. Aprender sobre práticas de ajuda mútua pode ajudar os jornalistas a avaliar formas de abordar o seu trabalho com mais empatia e colaboração.

"Eu acho que o modelo de ajuda mútua, quando você está falando do seu próprio trabalho, pode ser sobre tratar as pessoas mais holisticamente como uma fonte, mas também como uma pessoa que merece notícias e informação", diz Dugdale.

Embora jornalistas não possam dar dinheiro às fontes durante um momento de crise devido a conflitos de interesse, Kokal encoraja os profissionais a compartilhar as histórias de suas fontes e contar com os contatos na comunidade para obter a ajuda de que precisam. 

"Eu não acho que nós, jornalistas, deveríamos nos esquivar quando as pessoas entram em contato querendo ajudar nossas fontes", diz Kokal. "Eu acho que nós deveríamos colocá-las em contato e ajudar a intermediar essa relação para que as fontes possam pedir e conseguir o que precisam.


Foto por Claudio Schwarz via Unsplash.