Se você trabalha com jornalismo, você deve reconhecer que 2024 foi um ano de ajuste de contas no nosso setor. Eu certamente vejo assim.
No começo do ano, eu dei início ao programa Knight Fellowship do ICFJ para explorar como a IA generativa poderia ser usada para melhorar a forma como oferecemos informações às nossas audiências. Eu estava determinado a fazer algo significativo.
Mas tinha algo errado.
Eu queria ter certeza de que sabia o que estava fazendo e por que eu estava fazendo. Imagine como eu me senti estúpido quando percebi que tinha entrado no programa com um monte de suposições e fracassado em refletir sobre o que a indústria de fato necessitava, sem contar a arrogância de assumir que, por ter me tornado uma espécie de especialista em IA em anos anteriores, obviamente eu tinha que fazer parte da solução que iria oferecer. Levei um tempo para entender como essa sequer era a pior falha do meu problema de pesquisa. Somente depois de alguns meses de conversas profundas na comunidade News Alchemists eu fui capaz de entender que "oferecer informações às nossas audiências" é uma forma profundamente falha de descrever a missão do jornalismo que obstrui ativamente nossa habilidade de desempenhar um papel significativo na vida das pessoas.
E parece que muitas outras pessoas no setor se deram conta da mesma coisa.
Por que, como jornalistas, fazemos o que fazemos?

Considere as previsões para 2025 que o Nieman Lab publicou em dezembro. Em uma análise dos principais temas abordados, Florent Daudens observou algo interessante: "bastante IA e política dos EUA (não diga!), mas há também esse eixo horizontal que trata de estratégias do setor e estratégias profundas sobre como engajar o público".
As previsões às quais Florent se refere (os pontos azuis no mapa) tratam de "reconstruir os laços entre comunidades e redações" (Sarabeth Berman), "sustentar relações que façam sentido" (Adam Thomas), "garantir que possamos ser úteis para nossas comunidades" (Jennifer Brandel) e fazem perguntas fundamentais como "por que nós, como jornalistas, fazemos o que fazemos? Qual o nosso valor fundamental?" (Anita Li).
O fato de essas reflexões serem tão evidentes na mente de profissionais do setor às portas de 2025 é um sinal encorajador. A razão pela qual acredito que devemos parar de pensar na nossa missão como "oferecer informações às nossas audiências" está exatamente alinhada com o ponto de todas essas previsões: chegou a hora de repensar e redefinir fundamentalmente nossa relação com as audiências e nosso papel na sociedade.
O que significa ouvir nossa audiência?
São muito comuns clamores para que as redações "ouçam suas audiências" e a ideia de que há mérito nessa sugestão parece estar bem estabelecida. No entanto, eu ainda observo resistência, que se manifesta majoritariamente de duas formas: primeiro, por meio do eterno argumento segundo o qual vamos acabar publicando só vídeos de gatos se ouvirmos nossa audiência e oferecermos o que ela quer; segundo, e de forma mais sutil, na produção irracional de conteúdo que preenche sites e coleta visualizações de páginas, mas deixa as pessoas sem apoio para entender por que a informação que lhes foi fornecida é importante para suas vidas.
Em resposta ao argumento dos vídeos de gatos, vamos esclarecer uma coisa: ouvir nossa audiência não significa abdicar da nossa responsabilidade como jornalistas; não significa simplesmente fazer o que a audiência quer que você faça. Ouvir significa garantir que sua audiência sinta que está sendo ouvida nas suas decisões editoriais. Não significa perder de vista os seus valores ou a sua missão jornalística: ajudar as pessoas a se orientarem em suas vidas e fornecer a elas as informações e o contexto necessário para participar de suas comunidades de forma significativa.
Pense em sua organização jornalística como sendo um restaurante. As pessoas não podem entrar e simplesmente pedir qualquer coisa para comer. Você é quem comanda o menu — que você pode mudar, mas não com muita frequência, do contrário seus clientes não vão saber qual a sua proposta. Você pode combinar opções saudáveis que sejam boas para eles com guloseimas saborosas que talvez tenham muitas calorias mas que vão deixá-los felizes. Criar o menu é responsabilidade sua e privilégio seu. Ouvir sua audiência vai te ajudar a oferecer opções que ela de fato queira e a construir uma relação com clientes leais que vão voltar no seu restaurante porque eles confiam em você para elaborar um menu que seja bom para eles.
Outra forma de olhar para como podemos, na prática, equilibrar as necessidades da audiência com nossa missão jornalística é a forma como o Schibsted Media Group aborda a personalização. As homepages são altamente personalizadas, com a maioria dos espaços otimizados para engajamento, mostrando matérias que são relevantes para o usuário individual. Mas a empresa busca "atingir um equilíbrio entre as notícias que todo mundo deveria saber e aquelas que são de interesse particular de usuários específicos", desse modo eles reservam algum dos espaços de mais destaque para "notícias que ajudam a promover a missão jornalística da Schibsted e colocá-las no topo independentemente do desempenho delas".
Da escuta ao diálogo
Uma vez que concordamos sobre a importância de ouvir a audiência, precisamos avançar para o nível seguinte: não simplesmente ouça, converse com as pessoas.
Na maioria das vezes, quando as redações praticam a escuta, a informação para de fluir somente em uma direção. Nós perguntamos às pessoas sobre suas ideias e opiniões para obter a informação que precisamos para um conteúdo ou um projeto e isso nos faz achar que estamos ouvindo. Mas se a conversa acaba aí e não deixamos nossas audiências saber o que fazemos com a informação que ela generosamente forneceu, esse trabalho não vai ajudar muito a criar confiança e transparência.
Escutar e conversar de verdade significa ser transparente com as decisões que você toma resultantes do processo de escuta. Significa reconhecer erros e corrigi-los; significa aceitar que algumas pessoas da sua audiência vão sempre saber mais do que você sobre qualquer assunto — e você pode pedir a ajuda delas; significa ser aberto, mostrar como o jornalismo é feito e até mesmo compartilhar as escolhas difíceis que você faz diariamente, em vez de simplesmente dar às pessoas o produto final e esperar que elas automaticamente confiem em você.
Compreendendo o mundo juntos
Vamos dar um passo adiante. Eu diria que curar a relação que temos com as pessoas que pretendemos servir exige que deixemos de pensar em nós (que trabalhamos com jornalismo) e eles (as audiências) como duas coisas diferentes. O jornalismo pode ser um trabalho para nós e não para eles; mas o jornalismo, no sentido de ser um processo para compreender o mundo por meio de informação, é um esforço colaborativo do qual todos fazemos parte. Nós todos somos seres humanos tentando entender o mundo juntos.
Acrescente a isso o fato de que muitas vezes todos nós que trabalhamos com jornalismo também somos a audiência de alguém. Nosso consumo de notícias pode não ser representativo porque estamos tão imersos dia após dia no jornalismo, mas isso não significa que deveríamos nos esquecer de trazer para o nosso trabalho as nossas ideias na condição de leitores e usuários.
Algumas redações entendem esse processo tão bem que o tornaram parte de sua estratégia editorial: os leitores do Il Post (jornal digital italiano fundado em 2010) ouviram a equipe editorial dizer várias vezes que um dos critérios para decidir publicar pautas menos noticiáveis é simples: se alguém da redação tem curiosidade ou é apaixonado pelo assunto, provavelmente os leitores também vão achá-lo interessante. O Il Post não tem paywall e começou um programa de membros em 2019: no final de 2023, 75% da receita do jornal vinha dos membros. A estratégia editorial parece estar funcionando (nota de esclarecimento: eu sou membro e um grande fã do trabalho deles).
Mas voltemos ao lado da audiência: temos que ter atenção à nossa linguagem. Ao longo dos últimos meses, em várias conferências do setor e nas redes sociais, eu comecei a prestar atenção à forma como falamos sobre as pessoas que pretendemos servir com o nosso jornalismo e me vi desconfortável e até mesmo um pouco... com vergonha alheia.
Nós nos referimos às nossa audiências como visualizações, cartões de crédito, números. Raramente como pessoas com problemas e necessidades cuja nossa missão é ajudar e atender. Nossa obsessão com visualizações de páginas e engajamento — justificados em sua essência mas não na forma como se traduzem na prática — nos leva a desumanizar a audiência, dificultando encontrar otimismo e motivação no nosso senso de propósito.
Eu não estou sugerindo uma solução rápida (alerta de spoiler: não há solução rápida), mas eu acredito fortemente que há uma coisa que devemos fazer mais frequentemente para combater essa tendência de desumanização: encontrar nossa audiência na vida real.
A boa notícia é que isso já está acontecendo. Muitas marcas organizam eventos, apresentações, debates e outros formatos para se encontrar cara a cara com as pessoas para as quais elas trabalham. Nós devemos redobrar nosso foco nesse aspecto. Fazer isso mais frequentemente e como um elemento central das nossas atividades e não como algo que é legal de se fazer. Em 2025, as pessoas estão em busca de conexão, relação, comunidade e conversa. Elas querem se sentir parte de algo. Qual é a melhor maneira de conquistarmos isso?
Foco no nosso verdadeiro propósito
Após uma longa lista de "devemos fazer" e "devemos mudar", eu sinto que é o momento de encarar o problema: mudar é difícil. E trabalhar com jornalismo na maioria das vezes... não é nada fácil, para dizer o mínimo.
É exatamente por isso que eu acredito que devemos continuar construindo espaços e grupos de apoio nos quais possamos nos sentir "menos sozinhos na grande batalha", conforme dito por um dos meus amigos do News Alchemists. Trabalhar na mudança do jornalismo e na redefinição da nossa relação com as audiências requer conversas sérias e difíceis, mas podemos criar processos felizes que nos guiem pelo caminho. Podemos nos descontrair e trazer esperança ao mesmo tempo em que moldamos nosso futuro, seja em nossas equipes ou com os produtos e experiências que criamos.
Também gostaria que todos nós adotássemos o que Candice Fortman escreveu em um post incrível no LinkedIn há algumas semanas: "salvar o jornalismo nunca foi nosso trabalho". Nós só podemos atravessar a mudança com esperança e uma atitude positiva e sair dela saudáveis e bem-sucedidos se nos liberarmos da pressão de ter toda uma profissão para salvar. Não é o jornalismo que precisa dos nossos esforços e ideias. São as pessoas com as quais nos preocupamos e as comunidades que queremos apoiar e fortalecer. Se um dia acordarmos e o jornalismo não for mais a melhor forma de ajudá-las, que assim seja. Vamos nos livrar da pele antiga e descobrir como pode ser bonita a nova pele, independentemente da aparência dela.
Portanto, vamos parar de proteger os modos antigos que não funcionam mais e só existem para garantir sua própria sobrevivência. Vamos fazer o que pudermos para ajudar nossas organizações a se parecerem mais com o que precisam ser para atender nossa missão, mas também vamos nos permitir parar de trabalhar para organizações que simplesmente não querem mudar. Vamos encorajar uns aos outros a reconhecer quando simplesmente chega a hora de deixar essas organizações para trás.
Acredito que o jornalismo pode e vai ser melhor. Eu acredito que 2025 pode verdadeiramente ser o ano em que redefinimos nossa relação com as audiências e nosso papel na sociedade. Se continuarmos apoiando uns aos outros, com paixão e cuidado, podemos realmente fazer a diferença e convidar mais pessoas para unir esforços conosco. Porque todos nós precisamos estar envolvidos. A mudança que precisamos é sistêmica e é o negócio de todos nós, não só de uns poucos escolhidos com "inovação", "produto" ou "liderança" no nome do cargo profissional. Portanto, vamos nos unir. Temos trabalho a fazer.
O que vem pela frente para o News Alchemists
O trabalho que eu comecei no News Alchemists não terminou com o fim do programa do ICFJ. Em 2025, planejo dar sequência da seguinte forma:
(1) Prestando Consultoria para organizações jornalísticas que querem encontrar novas formas de sustentabilidade, otimizando sua missão e proposta de valor ao focar no valor concreto que podem oferecer às suas comunidades.
(2) Intermediando conversas importantes sobre como colocar as pessoas no centro do nosso jornalismo por meio da comunidade do News Alchemists, que está pronta para crescer dos 15 membros fundadores para um grupo maior de pensadores e realizadores do ecossistema informativo.
(3) Escrevendo uma newsletter semanal com uma lista de sete leituras que me fizeram refletir e me deram esperança: links sobre mudança no jornalismo e sobre audiência, comunidade e sustentabilidade (algo que já venho fazendo no LinkedIn em preparação ao início da newsletter).
Esta é uma obra em progresso. Mas se você tem interesse em receber a newsletter quando ela for lançada e se informar sobre as atividades do News Alchemists, você pode deixar o seu email neste formulário.
Foto por Pablo García Saldaña via Unsplash.