As vozes das mulheres na Índia: um jornalismo que não mostra apenas os problemas

Oct 16, 2024 em Diversidade e Inclusão
Woman looking ahead

As chamadas ativistas de saúde social credenciadas (ASHAs na sigla em inglês) são, na Índia, agentes comunitárias de saúde que funcionam como a espinha dorsal do sistema de assistência médica. Essas profissionais de saúde, que tendem a ser mulheres entre 25 e 45 anos, estiveram especialmente envolvidas na linha de frente da pandemia de COVID-19, atuando nos primeiros cuidados dos pacientes isolados em casa.

Uma investigação realizada em 2020 pelo site BehanBox, um veículo pequeno que opera remotamente, revelou como as ASHAs trabalharam por longas horas sem equipamentos de proteção adequados nem remuneração.

Mas essas trabalhadoras não eram o único subgrupo de mulheres cujas histórias ficavam notavelmente de fora da cobertura da mídia tradicional, conforme percebeu Bhanupriya Rao, fundadora do BehanBox. A observação da jornalista serviu como um catalisador para o crescimento do BehanBox, que faz a cobertura de pautas com pouco espaço na mídia sobre mulheres e pessoas de gênero diverso na Índia, e cujo trabalho foi reconhecido com múltiplos prêmios Laadli de Mídia e Sensibilidade de Gênero.

"Nós fazemos reportagens sobre as vidas invisíveis de mulheres, suas vidas profissionais e como leis, políticas e mudanças climáticas as afetam", diz Rao.

Um hub do jornalismo de gênero

O BehanBox, que pode ser traduzido como "as vozes das irmãs", surgiu em 2019 como uma iniciativa nas redes sociais para registrar e encorajar a participação política das mulheres após as eleições gerais da Índia naquele ano.

Mas foi a pandemia de COVID-19 que impulsionou Rao a transformar o BehanBox em uma publicação jornalística exclusivamente online focada em gênero. Ela diz que era necessário destacar como a pandemia estava impactando a vida das mulheres de forma desproporcional.

A cobertura do BehanBox vai além do mero "jornalismo sobre problemas das mulheres", diz Rao. Em vez disso, o trabalho incorpora o olhar das mulheres e de pessoas de gênero diverso nas matérias.

Por exemplo, Priyanka Tupe, correspondente sênior do BehanBox, já fez pautas que vão desde a acessibilidade financeira de equipamentos para a temporada de monções à negligência sofrida por sobreviventes de violência sexual de tribos nômades e dificuldades dos trabalhadores de saneamento em Mumbai. Ela descreve o trabalho de reportagem que faz como "a revelação de uma Índia que é invisível, principalmente as vidas da classe trabalhadora, tudo com uma perspectiva de gênero".

As reportagens do BehanBox chamaram a atenção de formuladores de políticas e estimularam ações. Também estão servindo como matéria-prima para que organizações de defesa e da sociedade civil e cidadãos comuns organizem debates com base em evidências.

"Por meio da nossa reportagem, estamos tentando explicar que as vidas das mulheres são como são por causa das estruturas mais amplas que operam por baixo, seja o Estado ou a sociedade. E então cobramos que essas estruturas prestem contas", diz Rao.

Pautas originais contadas por repórteres curiosas

O BehanBox sempre soube desde o início o que gostaria e o que não gostaria de ser. O veículo não queria se envolver com o tipo de jornalismo que meramente repete histórias já contadas, que faz análises de dados ou informações que não foram apuradas por ele próprio ou que publica editoriais opinativos. Ele se opõe ao jornalismo de "paraquedas", optando em vez disso por trabalhar com jornalistas freelance locais.

Atualmente, a equipe do BehanBox é composta por Rao, a editora Malini Nair, três repórteres de tempo integral, uma designer e uma editora multimídia. O site faz a cobertura de mulheres no ambiente de trabalho, violência de gênero e o trabalho de cuidado frequentemente feito por mulheres. A audiência é formada principalmente por mulheres, com tendência maior para jovens, tendo a maioria das leitoras entre 24 e 35 anos. 

As repórteres do BehanBox na maioria das vezes sugerem as próprias pautas, permitindo que a curiosidade as guie, explica Rao. "Ver mulheres na ponte Dadar em Mumbai durante a noite e ter curiosidade em saber por que elas estavam ali quando a maioria das mulheres gostaria de estar dormindo no conforto de suas casas levou nossa repórter a explorar a vida delas", exemplifica. 

A curiosidade de Tupe sobre as mulheres na ponte em questão resultou em uma reportagem sobre as vendedoras ambulantes ("hawkers") que comercializam produtos florestais no mercado de flores de Mumbai, tendo que suportar umidade, dias agitados no trabalho e condições sanitárias precárias. Ela diz que trabalhar para o BehanBox é uma recompensa para sua curiosidade. "Estou sempre em busca de pautas por toda parte, seja por causa de alguém que conheci ou uma mensagem que recebi em um grupo de WhatsApp. Estou sempre fazendo perguntas sobre o que acontece."

Conforme foi construindo sua reputação, o BehanBox foi cada vez mais recebendo sugestões de leitores, diz Rao. "As pessoas confiam a nós suas histórias porque sabem que vamos cobrir qualquer questão com empatia", diz. "Não estamos vasculhando a vida das pessoas, mas apresentando-as com dignidade e buscando a responsabilização de quem está no poder."

Fontes de receita

O BehanBox conta com subsídios para sustentar as operações. O site já recebeu recursos para financiar projetos de reportagem de organizações como Report for the World, Pulitzer Center e Population Reference Bureau. Em 2021, o veículo foi selecionado para o programa de aceleração Google News Initiative (GNI) Startups Lab Índia.

O veículo tirou proveito de sua expertise em pesquisa e jornalismo para desenvolver verticais de geração de receita, como uma divisão de pesquisa que está em construção no momento. O departamento vai incluir tanto a propriedade intelectual de seu próprio trabalho quanto pesquisas encomendadas e financiadas por outras organizações.

A equipe também está estabelecendo um estúdio de produção para ajudar organizações feministas a desenvolverem conteúdo em formato de vídeo, sites interativos e podcasts. O veículo também espera trabalhar com instituições do setor de educação para ajudá-las a desenvolver currículos com foco em gênero, módulos de capacitação e oficinas.

Planos futuros

De olho no futuro, o BehanBox planeja lançar um arquivo de seu próprio trabalho. Um exemplo que já foi desenvolvido é o Mera First Vote (Meu Primeiro Voto), projeto audiovisual que registra as experiências de 60 mulheres e pessoas LGBTQ+ que votaram pela primeira vez. Para o projeto, o BehanBox fez uma parceria com o Revisual Labs, laboratório de design de informação — o veículo prioriza colaborações com organizações feministas ideologicamente semelhantes, cujos valores se alinham, diz Rao. 

Ao longo dos anos, a missão do BehanBox evoluiu para capturar o impacto de seu trabalho. "Como você cria um ecossistema justo do ponto de vista do gênero orientado por reportagem baseada em evidências e criação de conhecimento voltado para o tipo de mudança que desejamos?", diz Rao. "Tudo isso é resultado do nosso jornalismo."

Fazer a cobertura das vidas invisíveis de mulheres pode parecer um objetivo distante para uma redação pequena e remota da Índia, mas o BehanBox está escalando percorrendo esse caminho, uma pauta de cada vez.  


Foto por Aravind Kumar via Unsplash.