Meu encontro com Armando Nenane, um dos nomes mais proeminentes do jornalismo em Moçambique, foi em “Chamanculo”, um dos bairros históricos da capital Maputo. Sentados à sombra de uma árvore frondosa, fosse o calor arrogante de uma terça-feira, nosso amigo em comum, Victor da Cruz, um guitarrista de mão cheia, foi o protagonista de uma sessão musical com uma canção que nenhum ouvido resistiria. Sobre um homem apaixonado, clamando por um amor incorrespondido.
Mas o encontro com Nenane era para um outro tipo de clamor: a Crónica Jurídica e Judiciária, uma revista online especializada em assuntos jurídico-judiciais que foi inaugurada há apenas três meses. A publicação é uma iniciativa do próprio Nenane, além de fundador, ele é também o diretor editorial.
Nenane me explica que a revista é o produto de uma inquietação, aliás, este é um “DNA” de todo o jornalista. Diz que foi pensando nos direitos fundamentais do cidadão moçambicano que idealizou um projecto jornalístico focado exclusivamente em justiça. O jornalista diz ainda que um desses direitos é o de acesso à informação. Em Moçambique há um instrumento legal que suporta este direito: a Lei do Acesso à Informação, em vigor desde 2010. O país também tem a Lei de Imprensa de 1991, pela garantia da liberdade de imprensa.
O objetivo da publicação é oferecer ao cidadão informação jurídica e judicial de forma mais explicada, com vista a desvendar questões aparentemente implícitas, mas que o cidadão dificilmente consegue decifrar. Através da "Crónica Jurídica e Judicial", as pessoas têm como acompanhar e entender o funcionamento dos órgãos de administração da justiça.
“As pessoas confundem alguns aspectos sobre o Direito. É como se o Direito fosse uma instituição que está a serviço dos fazedores da justiça, nomeadamente os advogados, juristas e juízes. Mas não, o Direito existe justamente a serviço do cidadão”, explica o responsável pela revista online. Ele lembra que os tribunais existem para salvaguardar a justiça para o povo.
O caso da senhora Julieta
Julieta Cossa, de 72 anos, é uma das cidadãs cuja voz ganhou eco através da Crónica Jurídica e Judiciária. Ela luta desde 2020 para que uma instituição governamental de gestão imobiliária responda ao seu pedido e lhe seja reconhecida a titularidade de uma residência em que vive há mais de 40 anos. O caso da idosa chegou até a equipe. Em abril deste ano, a revista online submeteu um pedido de informação sobre o requerimento da idosa, mas a publicação também foi ignorada pela entidade imobiliária.
A Crónica Jurídica e Judiciária aguardou quinze dias à espera pela reacção da instituição imobiliária e concluiu que esta violou a Lei do Procedimento Administrativo, que fixa um mínimo de cinco dias e um máximo de 15 para os órgãos de administração pública responderem ao cidadão.
A senhora Cossa deseja o direito de propriedade da moradia, sobre qual alega que reúne todos os requisitos para o devido reconhecimento. A Crónica Jurídica acompanha o caso e faz apelo para que um advogado ou jurista, individual ou colectivamente, preste apoio jurídico à idosa. Nenane frisa que o trabalho da Crónica não substitui a acção dos juristas e advogados.
Uma publicação próxima ao público
A Crónica Jurídica e Judiciária faz publicações que alcança uma média de 400 visualizações. Fernando Moreira é um dos leitores assíduos da revista. Ele diz que além de se informar, consegue entender sobre alguns assuntos que dominam o contexto social e político do país, o que lhe possibilita a exercer uma cidadania verdadeiramente participativa.
Baseado na Itália, na cidade de Terni, o moçambicano Vicente Mulate é também seguidor da revista digital. A história de Julieta Cossa é uma das matérias que o comoveu. Ele notou que a Crónica é um veículo muito próximo ao cidadão. “É uma publicação necessária. Traz notícias factuais e ao mesmo tempo esclarecedoras. Hoje em dia o jornalismo já não é muito disso. Ainda bem que a Crónica faz diferente”.
Foto: Imagem de Julieta Cossa (dos arquivos da Crónica Jurídica e Judiciária)