Uma revista em Moçambique é guardiã de direitos dos cidadãos

Oct 10, 2022 em Diversos
Imagem de Julieta Cossa

Meu encontro com Armando Nenane, um dos nomes mais proeminentes do jornalismo em Moçambique, foi em “Chamanculo”, um dos bairros históricos da capital Maputo. Sentados à sombra de uma árvore frondosa, fosse o calor arrogante de uma terça-feira, nosso amigo em comum, Victor da Cruz, um guitarrista de mão cheia, foi o protagonista de uma sessão musical com uma canção que nenhum ouvido resistiria. Sobre um homem apaixonado, clamando por um amor incorrespondido. 

Mas o encontro com Nenane era para um outro tipo de clamor: a Crónica Jurídica e Judiciária, uma revista online especializada em assuntos jurídico-judiciais que foi inaugurada há apenas três meses. A publicação é uma iniciativa do próprio Nenane, além de fundador, ele é também o diretor editorial.

Nenane me explica que a revista é o produto de uma inquietação, aliás, este é um “DNA” de todo o jornalista. Diz que foi pensando nos direitos fundamentais do cidadão moçambicano que idealizou um projecto jornalístico focado exclusivamente em justiça. O jornalista diz ainda que um desses direitos é o de acesso à informação. Em Moçambique há um instrumento legal que suporta este direito: a Lei do Acesso à Informação, em vigor desde 2010. O país também tem a Lei de Imprensa de 1991, pela garantia da liberdade de imprensa.  

O objetivo da publicação é oferecer ao cidadão informação jurídica e judicial de forma mais explicada, com vista a desvendar questões aparentemente implícitas, mas que o cidadão dificilmente consegue decifrar. Através da "Crónica Jurídica e Judicial", as pessoas têm como acompanhar e entender o funcionamento dos órgãos de administração da justiça. 

“As pessoas confundem alguns aspectos sobre o Direito. É como se o Direito fosse uma instituição que está a serviço dos fazedores da justiça, nomeadamente os advogados, juristas e juízes. Mas não, o Direito existe justamente a serviço do cidadão”, explica o responsável pela revista online. Ele lembra que os tribunais existem para salvaguardar a justiça para o povo.

O caso da senhora Julieta  

Julieta Cossa, de 72 anos, é uma das cidadãs cuja voz ganhou eco através da Crónica Jurídica e Judiciária. Ela luta desde 2020 para que uma instituição governamental de gestão imobiliária responda ao seu pedido e lhe seja reconhecida a titularidade de uma residência em que vive há mais de 40 anos. O caso da idosa chegou até a equipe. Em abril deste ano, a revista online submeteu um pedido de informação sobre o requerimento da idosa, mas a publicação também foi ignorada pela entidade imobiliária.

A Crónica Jurídica e Judiciária aguardou quinze dias à espera pela reacção da instituição imobiliária e concluiu que esta violou a Lei do Procedimento Administrativo, que fixa um mínimo de cinco dias e um máximo de 15 para os órgãos de administração pública responderem ao cidadão.

A senhora Cossa deseja o direito de propriedade da moradia, sobre qual alega que reúne todos os requisitos para o devido reconhecimento. A Crónica Jurídica acompanha o caso e faz apelo para que um advogado ou jurista, individual ou colectivamente, preste apoio jurídico à idosa. Nenane frisa que o trabalho da Crónica não substitui a acção dos juristas e advogados.

Uma publicação próxima ao público

A Crónica Jurídica e Judiciária faz publicações que alcança uma média de 400 visualizações. Fernando Moreira é um dos leitores assíduos da revista. Ele diz que além de se informar, consegue entender sobre alguns assuntos que dominam o contexto social e político do país, o que lhe possibilita a exercer uma cidadania verdadeiramente participativa.

Baseado na Itália, na cidade de Terni, o moçambicano Vicente Mulate é também seguidor da revista digital. A história de Julieta Cossa é uma das matérias que o comoveu. Ele notou que a Crónica é um veículo muito próximo ao cidadão. “É uma publicação necessária. Traz notícias factuais e ao mesmo tempo esclarecedoras. Hoje em dia o jornalismo já não é muito disso. Ainda bem que a Crónica faz diferente”.


Foto: Imagem de Julieta Cossa (dos arquivos da Crónica Jurídica e Judiciária)