Um estudo sobre a verificação de fatos em diferentes regiões

por Sarah Scire
Sep 22, 2021 em Combate à desinformação
fatos

Grande parte da pesquisa sobre o combate à desinformação por meio da checagem de fatos vem de experimentos feitos isoladamente em países da América do Norte, da Europa e na Austrália. 

Os dados obtidos por acadêmicos dependem demais de países ocidentais, com altos níveis de escolaridade, industrializados e ricos — graciosamente chamados pelos estudiosos de populações "ESTRANHAS" (em inglês, WEIRD, que significa estranho e também é o acrônimo para Western, educated, industrialized, rich e democratic). 

Eles estariam, então, fazendo afirmações sobre a verificação de fatos que não se sustentariam em outros países? 

Dois pesquisadores, Ethan Porter, da Escola de Mídia e Assuntos Públicos da Universidade George Washington, e Thomas J. Wood, do departamento de ciência política da Universidade Estadual de Ohio, queriam descobrir.

No estudo publicado na última terça-feira, os pesquisadores mostraram como conduziram experimentos de checagem de fatos em quatro países (Argentina, África do Sul, Nigéria e Reino Unido) que "diferem fortemente em questões educacionais, econômicas e raciais" para ver se o poder de reduzir falsas crenças seria reproduzido para além de fronteiras e oceanos. 

Vinte e duas afirmações diferentes, incluindo duas alegações falsas sobre a água salgada acabar com a COVID-19 e "resfriamento global", foram apresentadas a grupos distintos de participantes nos quatro países. Um grupo foi aleatoriamente designado para receber informação errada, outro para receber informação errada seguida por uma verificação de fatos e um terceiro grupo foi o grupo controle. Cada grupo teve a tarefa de identificar se uma afirmação era verdadeira ou falsa, inclusive em uma nova ocasião, duas semanas após o primeiro teste.

O que eles encontraram foi bastante promissor:

— As checagens de fatos funcionaram. Os participantes que viram os fatos verificados depois da informação errada mostraram "ganhos significativos em acurácia factual" nas diferentes regiões. Em média, a checagem de fatos aumentou a acurácia factual em .6 pontos em uma escala de 5 pontos.

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— Os resultados foram duráveis também. Mais de duas semanas depois dos participantes se depararem com os fatos verificados, ao menos uma parte de seu efeito de reforço da verdade ainda era detectável.

— A exposição à informação falsa não reduziu a acurácia factual em quantidade significativa — apenas .07 na mesma escala de 5 pontos. Os autores observaram, porém, que os resultados possivelmente refletem "o limite inferior dos efeitos da desinformação" porque a apresentação usada não incluía sinais (como uma fonte conhecida pelo participante) que tipicamente acompanhariam a informação falsa em uma situação natural.

— Embora o estudo tenha constatado que a acurácia foi mais incrementada pela checagem de fatos do que degradada pela desinformação, os pesquisadores notaram que o efeito das informações falsas sobre a COVID-19 foi o maior de todos dentre as abordagens de desinformação estudadas. "Em contraste, e especialmente relevante no momento atual, a desinformação em relação à COVID-19 comprometeu a acurácia sobre a COVID-19 em três dos quatro países", destaca o relatório. (O Reino Unido foi a exceção.)

Esta última constatação é apenas uma das razões pelas quais os principais verificadores de fatos da África estão focados em lutar contra a desinformação sobre a COVID-19 em seus países. Checadores de fatos incluindo Ann Ngengere do Viral Facts, Rabiu Alhassan do GhanaFact, e Rose Lukalo-Owino e Enock Nyariki do PesaCheck falaram sobre o desafio ampliado — e sobre o que aprenderam até agora — em um evento do Code For Africa na última quarta-feira.

As incertezas em torno do vírus podem nos deixar mais propensos a acreditar em inverdades sobre o assunto, sugeriu Cathy Imani, moderadora do evento e redatora do PesaCheck.

"Vimos que governos, autoridades e influenciadores estão dando informações conflitantes  e erradas — às vezes até compartilhando crenças estranhas ou afirmações bizarras", diz Imani. "Como acontece com o que é misterioso, coisas que consideramos enigmáticas, tendemos a preencher o vácuo com informação que já temos. Coisas como suposições, crenças e vieses entram no jogo. E sabemos que se nada disso é checado, acaba viralizando."

A desinformação pode se espalhar tão rápido quanto a própria COVID-19, gerando transtorno em campanhas de saúde pública, economias, eleições e (claro) vidas individuais. No começo da pandemia, boa parte da desinformação sobre a COVID-19 tinha a ver com fatos sobre como o vírus é transmitido, seus sintomas, origem e qual o melhor tratamento. Hoje, conforme disse Ngengere do Viral Facts, a maior parte da desinformação está centralizada nas vacinas. A melhor verificação de fatos tenta antecipar questões que a audiência tem, ela diz. É uma das razões pelas quais ela recomenda conteúdos explicativos. 

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"Se você não dá atenção às lacunas de informação logo quando elas aparecem, você vai ter o trabalho de tentar desmentir depois de as pessoas já terem começado a espalhar a informação falsa", afirma Ngengere. "Eu acho que todos os verificadores de fatos no painel concordam comigo. É muito, muito difícil tentar disseminar informação precisa quando a informação falsa já começou a se espalhar porque ela viraliza rápido demais. Fica difícil amplificar a informação exata e ter a mesma visibilidade e engajamento da informação falsa que você está desmentindo."

Os verificadores de fato no painel enfatizaram a importância de parcerias, citando colaborações com jornalistas de rádios comunitárias locais treinados por eles para identificar desinformação e programas de letramento digital para a população. Eles também contam uns com os outros para comparar o que outros checadores estão observando em suas regiões, como forma de antecipar quais falsas crenças podem estar se enraizando em suas próprias comunidades.

Uma ameaça que eles estão acompanhando de perto são vídeos vindos de países ocidentais — originalmente em inglês — que disseminadores de informação falsa estão traduzindo para línguas locais ou adicionando comentários. Muita da tecnologia de inteligência artificial para identificar desinformação nas redes sociais e no WhatsApp trabalha com inglês e francês, e não tanto com línguas como suaíli, tornando a desinformação em idiomas locais mais difícil de detectar automaticamente.

O Code For Africa afirma que continuará realizando painéis sobre as melhores formas de combater a desinformação. Confira as novidades do projeto no Twitter.


Este artigo foi publicado originalmente pelo Nieman Lab e reproduzido na IJNet com permissão.

Foto por Lagos Techie no Unsplash.