"Tem esse vidro blindado aqui atrás de mim, mas o que nós realmente temos aqui são notícias falsas. E para me pegar, alguém teria que atirar através das notícias falsas. E eu não me importo muito com isso", disse.
Uma nova pesquisa feita pelo Centro Internacional para Jornalistas (ICFJ) enfatiza uma tolerância perturbadora com os ataques políticos contra a imprensa na lei da Primeira Emenda. Os resultados mostram que isso é principalmente verdade entre homens brancos eleitores do partido Republicano.
Nós encomendamos uma pesquisa com uma amostra representativa de 1.020 adultos dos EUA, realizada entre 24 de junho e 5 de julho de 2024 para avaliar as atitudes da população do país perante a imprensa às vésperas das eleições. Os resultados estão sendo publicados pela primeira vez neste artigo.
Mais de um quarto (27%) das pessoas ouvidas por nós disseram que já ouviram ou viram muitas vezes um jornalista ser ameaçado, atacado ou maltratado online. E mais de um terço (34%) disse ser apropriado um político experiente ou funcionário do governo criticar jornalistas e veículos de imprensa.
A tolerância à perseguição política da imprensa se mostra tão polarizada quanto a sociedade nos EUA. Quase metade (34%) dos republicanos ouvidos pela pesquisa aprovam a crítica de políticos à imprensa, em comparação a menos de um quarto dos democratas (22%).
Nossa análise também revelou divisões de acordo com gênero e etnia. Enquanto 37% dos respondentes que se identificam como brancos consideram apropriado líderes políticos perseguirem jornalistas e veículos, apenas 27% de grupos raciais minoritários pensam o mesmo. Houve também uma diferença de novo pontos no recorte por gênero, com 39% dos homens aprovando essa conduta, em comparação com 30% das mulheres.
Aparentemente a intolerância contra a imprensa tem um rosto – um rosto predominantemente branco, masculino e com voto republicano.
Temores sobre a liberdade de imprensa
Na campanha eleitoral, Trump repetiu sua afirmação descaradamente falsa segundo a qual jornalistas são "inimigos das pessoas". O político sugeriu que os repórteres que cruzassem com ele deveriam ser presos e sinalizou que revogaria a concessão de redes de TV.
É importante mencionar também o ambiente permissivo para ataques virais contra jornalistas criado por empresas de redes sociais sem regulamentação que representam uma ameaça clara à liberdade de imprensa e à segurança dos jornalistas. Pesquisas anteriores produzidas pelo ICFJ para a UNESCO concluíram haver uma relação de causalidade entre violência online contra mulheres jornalistas e ataques físicos.
Embora os políticos sejam os autores de ataques que perseguem jornalistas, as empresas de redes sociais facilitam a viralização dos mesmos, aumentando os riscos enfrentados pelos jornalistas.
Vimos um exemplo potente disso na campanha deste ano, quando Macollvie J. Neel, editora do Haitian Times, foi vítima de swatting, uma prática criminosa que consiste em fazer uma denúncia falsa de crime contra uma pessoa. A polícia foi até a casa da jornalista depois de uma denúncia fraudulenta de assassinato no endereço dela durante um episódio de violência racista severa nas redes sociais.
O que motivou tudo? A reportagem que ela fez sobre Trump e JD Vance terem dado destaque a alegações falsas de que imigrantes haitianos estavam comendo os animais de estimação dos vizinhos.
Trajetória dos ataques de Trump
Desde a eleição de 2016, Trump vem repetidamente descredibilizando o jornalismo independente em suas campanhas, explorando o termo "fake news" e acusando a mídia de "manipular" as eleições.
"A eleição está sendo manipulada pela mídia corrupta que força acusações completamente falsas e mentiras descaradas para eleger Hillary Clinton", disse em 2016. Em retrospecto, essas acusações foram um prenúncio das falsas alegações de fraude que ele faria na eleição de 2020 e de falas similares em 2024.
Os ataques cada vez mais virulentos contra jornalistas e veículos feitos por Trump são amplificados por seus apoiadores online e pela mídia de extrema direita. Trump efetivamente legitima ataques contra jornalistas nos EUA com uma retórica anti-imprensa e enfraquece o respeito à liberdade de imprensa.
Em 2019, o Comitê de Proteção aos Jornalistas identificou que mais de 11% dos 5.400 tuítes postados por Trump entre a data de sua candidatura em 2016 e janeiro de 2019 "insultavam ou criticavam jornalistas e veículos, ou condenavam e depreciavam a mídia como um todo".
Após perder temporariamente o espaço que tinha no Twitter por descumprir regras da comunidade, Trump lançou a Truth Social, onde ele continua a atacar ininterruptamente os seus críticos. Mas ele recentemente voltou à plataforma (agora chamada X) e realizou uma série de eventos de campanha com Elon Musk, proprietário da rede social e apoiador de Trump.
A fracassada insurreição de 6 de janeiro de 2021 deixou evidente a escala das ameaças enfrentadas pelos jornalistas dos EUA. Durante os ataques ao Capitólio, pelo menos 18 jornalistas foram atacados e equipamentos de reportagem avaliados em milhares de dólares foram destruídos.
Neste ciclo eleitoral, a Repórteres Sem Fronteiras registrou 108 casos em que Trump insultou, atacou ou ameaçou a mídia em discursos públicos ou em comentários offline ao longo de um período de oito semanas encerrado em 24 de outubro.
Paralelamente, a Freedom of the Press Foundation registrou 75 ataques contra jornalistas desde 1º de janeiro deste ano. Isso representa um aumento de 70% em relação ao número de ataques identificados pelo monitor de liberdade de imprensa da fundação em 2023.
Uma pesquisa recente com centenas de jornalistas que faziam uma capacitação de segurança oferecida pela International Women’s Media Foundation descobriu que 36% das respondentes disseram ter sido ameaçadas com ou vivenciado violência física. Um terço afirmou ter sido exposta a violência digital e 28% relataram ter recebido ameaças legais ou processos jurídicos.
Os jornalistas dos EUA envolvidos nas pesquisas do ICFJ nos disseram que sentiram-se particularmente em risco cobrindo eventos de campanha de Trump e durante a cobertura das eleições onde há populações hostis à imprensa. Alguns estão usando colete à prova de balas para cobrir política nacional. Outros removeram de seus equipamentos de reportagem elementos que identificam os veículos onde trabalham para reduzir o risco de serem atacados fisicamente.
No entanto, nossa pesquisa revela uma clara falta de preocupação pública com as implicações da Primeira Emenda diante de líderes políticos ameaçando, atacando ou maltratando jornalistas. Quase um quarto (23%) dos respondentes da pesquisa não considera os ataques políticos contra jornalistas ou veículos como uma ameaça à liberdade de imprensa. Desse total, 38% se identificam como republicanos, em comparação a somente 9%* como democratas.
O manual anti-imprensa
O manual anti-imprensa de Trump tem apelo para uma audiência global de pessoas autoritárias. Outros líderes políticos, passando pelo Brasil, Hungria e Filipinas, adotaram táticas similares de empregar desinformação para difamar e ameaçar jornalistas e veículos.
Essa abordagem coloca jornalistas em perigo ao mesmo tempo em que diminui a confiança em fatos e no jornalismo independente crítico.
A história mostra que o fascismo prospera quando jornalistas não podem fazer com segurança e liberdade o seu trabalho de cobrar a responsabilidade de governos e políticos. Conforme mostram os resultados da nossa pesquisa, as consequências são uma sociedade que aceita mentiras e ficção como fatos ao mesmo tempo em que faz vista grossa para os ataques contra a imprensa.
*As pessoas que se identificam como democratas neste grupo são bem poucas para que esta seja uma estimativa representativa confiável.
A pesquisa foi realizada pela Langer Research Associates em inglês e espanhol. Pesquisadores do ICFJ participaram do desenvolvimento da pesquisa e fizeram as análises.
Julie Posetti é diretora global de pesquisa no ICFJ e professora de jornalismo na Universidade de Londres. Waqas Ejaz é pesquisador e pós-doutor da Oxford Climate Journalism Network na Universidade de Oxford. Nabeelah Shabbir é vice-diretora de pesquisa do ICFJ e Kaylee Williams é pesquisadora do ICFJ.
Este artigo foi republicado do The Conversation com uma licença Creative Commons. Leia aqui o artigo original.
O projeto Disarming Disinformation é financiado pelo Scripps Howard Fund. A pesquisa na qual se baseia este artigo foi financiada pela Gates Foundation e pela campanha It Takes a Journalist do ICFJ.
Foto por David Todd McCarty via Unsplash.